O Estado de São Paulo (2020-05-21)

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A10 QUINTA-FEIRA, 21 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Renata Cafardo
Bruno Ribeiro
Erika Motoda


O Exame Nacional do Ensino
Médio (Enem), que deve ter
mais de 4 milhões de partici-
pantes neste ano, foi enfim
adiado ontem pelo Ministé-
rio da Educação (MEC). Esta
será a segunda vez na histó-
ria do maior vestibular do
País que ele deixará de ser fei-
to na data marcada; a primei-
ra foi quando a prova foi rou-
bada em 2009, conforme re-
velado pelo
Estadão. A mu-
dança, que o Congresso Na-
cional já havia começado a de-
cidir ontem e era pedida há se-
manas por secretários de
Educação, universidades e es-
tudantes, vai dar mais tempo
para alunos pobres se prepa-
rarem. Mas também embara-
lha todo o calendário de ou-
tros vestibulares e o ano leti-
vo de 2021
.
Apesar do anúncio do adia-
mento, o Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacio-
nais (Inep) do MEC não infor-
mou a nova data do exame. De
maneira vaga, dizia apenas que
a previsão era de “30 a 60 dias
em relação ao que foi previsto
nos editais”. O ministro Abra-
ham Weintraub, que sempre de-
fendeu a manutenção da prova
em novembro, quer fazer agora
uma consulta pela internet so-
bre a data com estudantes. Para


secretários estaduais de Educa-
ção e especialistas, a decisão
não deve ser só dos alunos e,
sim, considerar as redes de ensi-
no, universidades e ainda anali-
sar como será a volta às aulas
após a pandemia.
O Enem é a porta de entrada
para mais de 200 mil vagas em
cerca de 130 instituições por
meio do Sisu, o sistema eletrôni-
co que seleciona os candidatos
conforme suas notas. Quando o
Enem ocorre em novembro, há
ainda cerca de dois meses para
que as provas sejam corrigidas e
as vagas sejam liberadas no Si-
su, o que ocorre em janeiro. Ca-
so a prova seja adiada por 60
dias, o Enem seria em janeiro e
aprovações só sairiam em mar-
ço ou abril, já que há sempre
mais de uma lista.

Fuvest e Unicamp. Vestibula-
res como os da Fuvest e da Uni-
versidade Estadual de Campi-
nas (Unicamp) também têm va-
gas que dependem do Enem. Se-
gundo o reitor da Unicamp,
Marcelo Knobel, o calendário
ainda será discutido na institui-
ção, mas é “muito provável”
que o vestibular seja adiado. A
Unicamp também já reduziu o
número de livros obrigatórios
para prova, de 12 para 7 este
ano, por causa da pandemia,
considerando dificuldade de
acesso às obras. “Estamos dis-
cutindo também o conteúdo,
como avançar mais na testa-

gem de habilidades, interpreta-
ção de texto.”
Procurada, a Fuvest infor-
mou que também pode vir a re-
ver o calendário. Entidades que
reúnem universidades particu-
lares sugerem até que a prova do
Enem seja reformulada para
não prejudicar tanto o calendá-
rio letivo. “Poderia ser feita uma
prova mais leve, que possa ser
corrigida mais rápido, respondi-
da em um dia só, sem redação”,
diz o diretor do Semesp, que re-
presenta as instituições priva-
das de São Paulo, Rodrigo Cape-
lato. Segundo ele, os alunos
atualmente “não fazem nada

até sair a nota do Enem”, ou se-
ja, sequer participam dos vesti-
bulares de universidades parti-
culares porque esperam uma va-
ga no Sisu. Isso só acontece de-
pois que não são aprovados, o
que faz com que as aulas come-
cem em meados de março. “En-
tendemos o problema da pande-
mia, mas estamos preocupados
com o ano letivo não ser mais
prejudicado.” O Enem é em dois
dias, com 180 questões, baliza-
das por um método estatístico
complexo, e uma redação.

Covid. As universidades fede-
rais, que são a maioria de vagas

no Sisu, já haviam pedido o adia-
mento da prova para que fos-
sem discutidas também as con-
dições de segurança sanitária
em que o exame será realizado.
Deve ser muito provável que as
salas, normalmente com cerca
de 40 alunos durante o Enem,
tenham de ter menos estudan-
tes. Segundo o Estadão apu-
rou, o Inep ainda não tem um
estudo dessas mudanças, que
preveem também medidores
de temperatura na entrada dos
prédios. Os técnicos do órgão
foram pegos de surpresa ontem
com a ordem do ministro para
adiar a prova; o assunto seria
discutido na diretoria no mes-
mo dia, mais tarde.
“Com o adiamento, a gente po-
de pensar melhor a chegada dos
novos estudantes”, diz a reitora
da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp) Soraya Smaili.
Para ela, embora não haja plano
de redução do número de vagas
para alunos novos, discute-se es-
truturar turmas menores, com
salas mais amplas, porque os cui-
dados sanitários podem ter de
ser adotados em 2021.

Aluna. Heloisa Mendes, de 17
anos, faz ensino médio em uma
escola técnica estadual e gostou
do adiamento. Ela diz que tem o
“privilégio” do acesso à internet,
mas é difícil absorver o conteúdo
da aula online. “Em uma pande-
mia, a gente tem de se preocupar
com o coronavírus e os estudos.”

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS Regra sobre cloroquina sai, mas com pouco efeito. Pág. A11 }


AS MUDANÇAS

Governo adia o Enem e embaralha


todo o calendário universitário de 2021


l]
PRISCILA
CRUZ

Metrópole

Medo de derrota


na Câmara levou


à decisão


Adiamento do Enem: crônica de um governo


l Novas datas
O cronograma inicial previa a apli-
cação das provas impressas do
Enem nos dias 1º e 8 de novem-
bro. O Inep ainda não informou
as novas datas do exame. Foi in-
formado apenas que a previsão é
de que a prova seja adiada 30 a
60 dias em relação ao que foi pre-
visto nos editais.

l Consulta
O Inep informou que vai realizar
em junho uma enquete direciona-
da aos inscritos do Enem por
meio da Página do Participante
sobre novas datas para a aplica-
ção das provas.

l Inscrições
Apesar do anúncio de adiamento
do Enem, as inscrições para o
exame continuam abertas até as
23h59 desta sexta-feira, 22 de
maio, segundo o Inep.

l Universidades
Ainda não há definição sobre o
cronograma de seleção de estu-
dantes para vagas no ensino su-
perior, mas é possível que os pra-
zos do Sistema de Seleção Unifi-
cada (Sisu), que reúne as vagas
em universidades públicas, se-
jam alterados. Outras institui-
ções também selecionam parte
dos alunos por meio do Enem.

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL-19/2/

Se a alteração for por 60 dias, provas seriam em janeiro e aprovações só sairiam em março ou abril. Vestibulares como os da Fuvest e


da Unicamp, que têm vagas que dependem do Enem, devem ser adiados; medida era alvo de campanha para favorecer os mais pobres


MEC. O ministro Weintraub defendia a manutenção da prova em novembro; agora, quer fazer consulta pela internet com os estudantes sobre a nova data


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Camila Turtelli / BRASÍLIA

A decisão do governo de adiar o
Exame Nacional do Ensino Mé-
dio (Enem) não teve um emba-
samento técnico, mas sim foi
fruto do temor do presidente
Jair Bolsonaro de sofrer uma no-
va derrota no Congresso.
O presidente tem adotado o
discurso de que a pandemia do
coronavírus não é justificativa
para paralisar atividades no
País, como a suspensão de au-
las. Pela manhã, a apoiadores,
chegou a dizer que era cedo pa-
ra tomar esta decisão. “Vamos
esperar um pouquinho mais, é
muito cedo. Nós estamos agora
em maio, é novembro (a data
das provas). Espera um pouqui-
nho mais para tomar decisão”,
afirmou ao deixar o Palácio da
Alvorada. A derrota na véspera
no Senado e a possibilidade de a
Câmara também aprovar o adia-
mento, a contragosto do gover-
no, o fez mudar de ideia horas
depois.
O presidente da Câmara, Ro-
drigo Maia (DEM-RJ), chegou a
iniciar a sessão em que votaria o
adiamento. Avisado da iminen-
te derrota na votação por líde-
res do Centrão, o ministro da
Educação, Abraham Wein-
traub, publicou pela manhã nas
redes sociais uma “sugestão”
para que as provas fossem pos-
tergadas em até 60 dias. Não foi
suficiente para Maia.
“O ministro não, desculpa,
não posso acreditar nesse mi-
nistro”, afirmou o deputado, já
no plenário da Casa, no início
da tarde. Ele cobrava do pró-
prio presidente uma sinaliza-
ção de que o Enem seria adiado.
Nem mesmo a nota do Institu-
to Nacional de Estudos e Pes-
quisas Educacionais Anísio Tei-
xeira (Inep), confirmando o
adiamento, demoveu Maia de
manter na pauta o projeto, apro-
vado na véspera pelo Senado.
O anúncio de Bolsonaro, tam-
bém pelas redes sociais, foi pu-
blicado no meio da tarde. “Por
causa dos efeitos da pandemia
de covid-19 e para que os alunos
não sejam prejudicados pela
mesma (sic), decidi, juntamen-
te com o Presidente da Câmara
dos Deputados, adiar a realiza-
ção do ENEM 2020, com data
ser definida”, escreveu o presi-
dente.

O


enredo que envolve o adia-
mento do Enem apresenta
elementos característicos
desse governo: a constante dispu-
ta com aqueles que consideram ini-
migos, a gestão pautada por esco-
lhas ideológicas e a completa falta
de capacidade técnica para colo-
car em prática políticas bem dese-
nhadas e implementadas. De certa
forma, os dois primeiros consti-
tuem o diversionismo para escon-

der o terceiro, mas também são a ex-
pressão mais forte dos propósitos das
lideranças atuais dessa gestão.
Não resta dúvidas que a escolha téc-
nica mais adequada – já muito debati-
da e exposta em vários meios de comu-
nicação – é o adiamento da realização
das provas do Enem. A insistência em
manter o calendário, até que a pressão
pela alteração tivesse efeito, pode ser
explicada por esses três fatores.
Primeiro: o ministro da Educação,
seguindo a determinação do próprio
chefe do Executivo de adesão ao dis-
curso de afrouxamento do isolamento
social e de confronto com os governos

estaduais, fez do Enem sua trincheira
na disputa entre o presidente da Repú-
blica e os governadores. Além disso,
declarar a decisão no dia em que have-
ria a votação na Câmara dos Deputa-
dos também mostra uma clara provo-
cação ao Legislativo.
Segundo: em sua crença, defesa e
implementação de uma agenda basea-
da em ideologia, em vez de evidências
e escolhas técnicas, o ministro defen-
deu a manutenção do calendário, ape-
sar da profunda desigualdade de con-
dições dos jovens brasileiros para
manter os estudos na pandemia, afir-
mando, inclusive, que não era papel

do exame corrigir desigualdades so-
ciais. Essa é a concepção de mundo e
de educação revelada pelas palavras e
ações do servidor público de plantão
no Ministério da Educação hoje: um
entendimento torto de meritocracia
e das responsabilidades da gestão pú-
blica educacional.
Terceiro: realizar a alteração do ca-
lendário exige uma capacidade míni-
ma de gestão, articulação e trabalho,
que sabemos não fazer parte do descri-
tivo do atual ministro e sua equipe
mais próxima. Lá no fundo, o minis-
tro sabe que lhe falta habilidade para
montar e percorrer esse novo percur-

so, que envolve novos desenhos, ar-
ranjos e acordos.
E assim o Enem, porta de entrada
de muitos jovens para oportunida-
des que farão imensa diferença em
suas vidas, transformou-se nessa
história de suspense, apreensão e
medo.
A gestão pública federal, que deve-
ria focar em resolver a profunda cri-
se gerada pela pandemia na educa-
ção básica, lavou as mãos, jogou a
responsabilidade para os governos
subnacionais e aproveitou o tema
para criar mais uma frente de confu-
são e poucos resultados.

]
CO-FUNDADORA E PRESIDENTE EXECUTI-
VA DO TODOS PELA EDUCAÇÃO

Artigo

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