O Estado de São Paulo (2020-05-21)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:B-8:20200521:
B8 Economia QUINTA-FEIRA, 21 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Negócios

Carla Menezes


Desde que a Organização Mun-
dial da Saúde (OMS) declarou
situação de pandemia pelo no-
vo coronavírus, em março, em-
presas de todos os setores preci-
saram adaptar suas dinâmicas
de trabalho às medidas de isola-
mento social. Adotaram o traba-
lho remoto, que não era realida-
de para 51% das companhias bra-
sileiras até então.
Após o choque inicial, 80%
dos gestores disserem gostar da
nova maneira de trabalhar, de
acordo com pesquisa da ISE Bu-
siness School. “Mudanças que
ocorreriam em cinco ou dez
anos já estão acontecendo”, dis-
se Cesar Bullara, diretor e pro-
fessor do departamento de ges-
tão de pessoas do ISE.
Segundo ele, a nova realidade
veio para ficar. Das empresas
que ainda não adotavam o ho-
me office, 65% são de controle
familiar e de capital nacional.
Os outros 35% são multinacio-
nais. Na visão de Amélia Caeta-
no, consultora especializada
em trabalho remoto no Institu-
to Trabalho Portátil, as multina-
cionais já estavam mais bem pre-
paradas, principalmente do
ponto de vista tecnológico, para


essa realidade, enquanto as em-
presas nacionais tinham investi-
do pouco nesse sentido. Para
ela, eventos inesperados, como
o coronavírus, têm essa capaci-
dade de “antecipar” o futuro.
Para Adriana Santana, direto-
ra de recursos humanos da em-
presa de nutrição nacional Elan-
co para Brasil e Cone Sul, o isola-
mento social tem exigido cons-
tante adaptação. “Já trabalháva-
mos de forma mais flexível na
empresa, mas esse é um desa-
fio, porque agora os quatro es-

tão em casa”, disse ela, que é ca-
sada e tem dois filhos, de 9 anos
e 10 anos.
Para organizar a vida familiar
e profissional no mesmo espa-
ço, Adriana disse que foi neces-
sário definir barreiras. “Foi di-
fícil, mas bloqueei algumas ho-
ras do dia para momentos com
eles. Para meus filhos, foi confu-
so de repente ter os pais em ca-
sa e, ao mesmo tempo, não ter
nossa total atenção.” Apesar
desse tipo de dificuldade, a pes-
quisa apontou que quase 90%
dos gestores consideraram que
o trabalho remoto ajudou a me-
lhorar as relações familiares.

Competências. Segundo os da-
dos do ISE Business School, a
flexibilidade foi apontada co-
mo uma das competências mais
desenvolvidas nesse período –
foi citada por 81% dos entrevis-
tados. A habilidade só fica atrás
da resiliência, a capacidade de

superar dificuldades, mencio-
nada por 82%. Outras caracte-
rísticas citadas foram autodisci-
plina e confiança, além da cons-
trução de uma relação mais fran-
cas entre chefes e equipes.
Para a especialista em traba-
lho remoto Amélia Caetano, os

gestores precisam se preparar
para acompanhar as tarefas e en-
tregas, e não a quantidade de ho-
ras trabalhadas. “Muitos líde-
res se viram nessa nova situa-
ção e estão vendo que funcio-
na”, ressalta.
Renato Camargo, líder da em-

presa de pagamentos Recarga
Pay no País, vê algumas dificul-
dades no trabalho remoto. Para
ele, não ter os colaboradores
por perto dificulta o trabalho.
Na opinião do executivo, o mo-
mento sensível exige uma nova
postura dos líderes. “É preciso
cuidar mais da gestão do com-
portamento e da saúde mental
dos colaboradores, reduzindo
as preocupações com metas.”

Produtividade. De acordo com
a pesquisa, 60% dos entrevista-
dos afirmaram que o home offi-
ce ajudou a melhorar a eficiên-
cia e a produtividade. Apesar de
os dados apontarem uma ten-
dência positiva, Amélia ressal-
vou que as pessoas não estão
em sua melhor fase de produti-
vidade, pois a imprevisibilidade
da pandemia traz angústia e difi-
culdade emocional. Esses fato-
res foram apontados como “al-
tos” e “muito altos” das pessoas
ouvidas pelo ISE.
Segundo a diretora de RH da
Elanco, as empresas devem se
preocupar em garantir que os
funcionários encontrem um
equilíbrio no home office. “Em
casa, a tendência é ir ficando,
trabalhando mais. As pessoas
não podem fazer isso. E o exem-
plo vem da liderança”, comple-
tou Camargo, da Recarga Pay.
Sobre a adesão ao trabalho re-
moto pelos gestores pós-pande-
mia, Natália de Castro, profes-
sora de gestão de pessoas do
ISE, disse que a circunstância
atual deve mudar o mercado de
trabalho. “Ao interpretar os da-
dos do levantamento, temos
que ter em mente que é uma rea-
lidade ainda em curso. Não é al-
go que já passamos. Estamos
vislumbrando um pouco do fu-
turo”, explicou.

COMO CONCILIAR O HOME COM O OFFICE?

83%

7%

10%

Concordam

Discordam

Neutros
80%

7%

13%

Concordam

Discordam

Neutros

Mesmo com a emergência, gostei de viver a experiência do home
office

MULTINACIONAIS NACIONAIS

O home office ajuda a melhorar minha eficiência e produtividade

65%

12%

23%

Concordam

Discordam

Neutros
60%

18%

22%

Concordam

Discordam

Neutros

MULTINACIONAIS NACIONAIS

Experiência com o home office

44%

26%

30%

Nenhum/
baixo

Alto/
muito alto

Médio

As preocupações da família
me impedem de me
concentrar no trabalho

76%

4%

20%

Nenhum/
baixo

Alto/
muito alto

Médio

Tive dificuldade para
separar trabalho e o cuidado
da minha família

Trabalho e família

FONTE: ISE BUSINESS SCHOOL INFOGRÁFICO/ESTADÃO

● Pesquisa ouviu 518 executivos de todo o Brasil entre os dias 9
de abril e 11 de maio para entender como os gestores estão
lidando com os desafios do trabalho durante a pandemia

Créditos tributários de R$ 2 bi injetam


ânimo em varejistas durante pandemia


Matheus Piovesana
Talita Nascimento


Varejistas brasileiras recebe-
ram uma inesperada – e bem-
vinda – injeção de recursos
em meio à pandemia de coro-
navírus. Nos últimos dias,
companhias como Hering,
Via Varejo e Lojas Renner tive-
ram reconhecidos créditos
tributários de quase R$ 2 bi-
lhões. A compensação finan-
ceira mexeu com as ações des-
sas empresas na B3, a Bolsa
paulista, que subiram na estei-
ra do fôlego financeiro extra.

A boa notícia para a Hering –
de um crédito de R$ 280 milhões



  • veio na noite de segunda-feira.
    O resultado animou os investi-
    dores no papel da rede de confec-
    ções, que enfrentava resultados
    abaixo do esperado mesmo an-
    tes da crise do coronavírus. As
    ações da Hering chegaram a dis-
    parar 11,7% no dia, fechando em
    alta de 4,55%, a R$ 13,09.
    Nos últimos dias, outras com-
    panhias do ramo tinham recebi-
    do a mesma notícia. O maior
    crédito concedido foi para a re-
    de de moda Renner, que conse-
    guiu R$ 1,3 bilhão, enquanto a
    Via Varejo (dona das marcas de
    eletrodomésticos Casas Bahia e
    Ponto Frio), teve decisão favorá-
    vel no valor de R$ 374 milhões.
    Na segunda-feira, os papéis de
    ambas tiveram alta: 4,7% (Via Va-
    rejo) e 1,6% (Renner). Ontem, a
    Renner manteve a tendência de
    ganhos, enquanto a Via Varejo
    fechou em baixa.
    O mercado se anima porque
    esse tipo de crédito extra traz
    mais liquidez às companhias em


um momento difícil. No caso da
Renner, a decisão judicial deve
representar um ganho líquido
de R$ 900 milhões, o equivalen-
te a 3% da empresa, de acordo
com o Citibank.
Para o analista da XP especia-
lista em varejo Pedro Fagundes,
se considerada a quantia relata-
da da compensação fiscal e um
prazo de cinco anos para utilizá-
la, é possível calcular em uma va-
lorização de 3% no valor de mer-
cado da Renner. “Mas neste ano,
por exemplo, esse crédito não
deve ser tão utilizado, pois have-
rá menor geração de receita”,
afirma Fagundes.
Ainda que o efeito não seja
imediato, trata-se de uma boa
notícia. “Em algum momento,
esse direito vai ter efeito no cai-
xa”, diz Lucas Lima, analista da
Toro Investimentos.
O dinheiro não vai diretamen-
te para o caixa das companhias –
trata-se, como o nome diz, de
crédito com a Receita Federal.
As decisões se baseiam no enten-
dimento do Supremo Tribunal
Federal (STF) de que o valor de-
vido de ICMS, de cobrança esta-
dual, não pode ser contabilizado
com as receitas das empresas pa-
ra o cálculo dos saldos do PIS e
da Cofins, tributos federais.
“A discussão aparenta ter nú-
meros altos, mas é porque faz
tempo que esse tributo está sen-
do cobrado. Temos no escritó-
rio discussões sobre essa maté-
ria desde 1999”, afirma a advoga-
da Ana Paula Faria, sócia do es-
critório Gaia Silva Gaede Advo-
gados, que defendeu a Hering.
No caso da Renner, as cobran-
ças que geraram o crédito foram

feitas entre 2001 e 2017, ano em
que STF tomou a decisão sobre
o cálculo.
O Supremo também conside-
rou que o valor do ICMS não é
receita da empresa, e sim um tri-
buto cobrado pelo Estado que é
simplesmente arrecadado por
ela. O efeito das decisões, agora,

se multiplicará. “Praticamente
todas as empresas entraram
com ações do tipo”, diz Tércio
Chiavassa, sócio da área tributá-
ria do escritório de advocacia Pi-
nheiro Neto.

Rapidez. O fato de três proces-
sos terem sido decididos na mes-
ma semana não é coincidência –
a Justiça está tentando ser mais
ágil para ajudar as companhias.
“Em tempos de pandemia, as
empresas têm buscado reforçar
seu caixa. Temos visto celerida-
de por parte dos tribunais em de-
cidir sobre essas ações”, diz An-
na Flávia Izelli, sócia do Fels-
berg Advogados.
A pandemia teve ainda outro

efeito prático. Por determina-
ção do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), os prazos de pro-
cessos foram suspensos até o iní-
cio de maio, no caso daqueles
com tramitação física, e até a me-
tade do mês, para os digitais.
Isso reduziu o tempo para que
a União apresentasse manifesta-
ções em ações nas quais é parte
interessada. Isso explica por
que Renner e Hering tiveram de-
cisões favoráveis tão próximas:
os dois processos tramitaram
no Tribunal Regional Federal da
4.ª Região, de Porto Alegre (RS).
Correram, portanto, em prazos
semelhantes, chegaram ao Supe-
rior Tribunal de Justiça (STJ)
quase simultaneamente e tive-

ram decisão final proferida em
datas próximas.
Desde 2017, quando houve a
decisão do STF sobre o tema, a
União entrou com um recurso
para limitar o valor de ICMS su-
jeito à revisão. A demanda seria
votada em abril, mas foi retirada
da pauta pelo presidente do tri-
bunal, Dias Toffoli. Na semana
passada, a União enviou nova pe-
tição, pedindo o congelamento
das ações em todo o País. “A ex-
pectativa é de que a ministra Cár-
men Lúcia não defira o pedido.
A justificativa do governo é de
que essas ações representam
um rombo muito grande nos co-
fres públicos em época de pande-
mia”, diz Chiavassa.

Cobrança indevida de ICMS das companhias do setor por até duas décadas resultaram em decisões do STF que favoreceram empresas


como Renner, Hering e Via Varejo nos últimos dias; dinheiro extra serviu para animar movimentação das ações das empresas na Bolsa


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


l Pessoal x profissional

Home office é aprovado por 80%


dos gestores de empresas no País


l Auxílio

MARCO FLAVIO/ELANCO

90%
foi o porcentual dos gestores
que consideraram que o
trabalho remoto ajudou a
melhorar as relações familiares,
de acordo com a pesquisa da
escola de negócios ISE

Foco. Adriana Santana: hora para trabalhar e para os filhos

Antes da crise provocada
pelo novo coronavírus,


trabalho remoto não era


realidade em metade das


companhias nacionais


HERING

“Em tempos de pandemia,
temos visto celeridade
por parte dos tribunais
em decidir sobre
estas ações.”
Anna Flávia Izelli
SÓCIA DO FELSBERG ADVOGADOS.

Fôlego. Hering terá R$ 280 milhões em créditos tributários após receber decisão favorável de ação que corria no STF
Free download pdf