O Estado de São Paulo (2020-05-21)

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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 21 DE MAIO DE 2020 Economia B9


PME


Ana Paula Boni


Pequenos produtores do inte-
rior que viviam de escoar sua
produção de queijo, café, azei-
te e cerveja especiais para em-
pórios e restaurantes tive-
ram de alterar a rotina da em-
presa durante a pandemia pa-
ra atender o cliente final.

No lugar de vender dezenas
de quilos a uma só loja, no esque-
ma B2B (business to business),
marcas como Pardinho, ZalaZ,
Capril do Bosque e Oliq passa-
ram a vender poucas quantida-
des a dezenas de clientes, am-
pliando os canais de comunica-
ção, as formas de pagamento e a
entrega, que agora está pulveri-
zada por toda a cidade.
Em troca, conseguiram recu-
perar parte do prejuízo de dois
meses de isolamento no Estado
de São Paulo, onde 460 mil esta-
belecimentos estão fechados
(70% do comércio), segundo a
Fecomercio. Em alguns casos,
conseguiram até inverter o fatu-
ramento de lojas para pessoas
físicas, num esquema D2C (di-
rect to consumer, quando a in-
dústria vende ao cliente final).
Foi o que aconteceu com a Ca-
pril do Bosque, marca de quei-


jos de cabra de Joanópolis (SP),
que destinava apenas 5% da pro-
dução para entrega direta a con-
sumidores. “O consumidor fi-
nal virou 90% do meu fatura-
mento em duas semanas. Em
quatro semanas, eu zerei o esto-
que que achei que ia perder. Ago-
ra, está faltando queijo”, diz a
dona da marca, Heloisa Collins.
Até fevereiro, em torno de
60% da produção ia para pon-
tos de revenda e restaurantes.
Com a quarentena, tudo fechou
e o cliente sumiu. “Nas primei-
ras semanas, quase tive um en-
farte. Depois, pensei: meus
clientes não morreram, eles es-
tão em casa.” Foi assim que reor-
ganizou a base de contatos nas
redes sociais, melhorou sua co-
municação e montou um novo
esquema de distribuição. Para
ajudar vizinhos e incrementar

as vendas, Heloisa e colegas da
região criaram a cesta Produto-
res Artesanais da Mantiqueira,
com itens de nove marcas.
A ideia de buscar o cliente
que sumiu da loja de fábrica tam-
bém foi colocada de pé pela Za-
laZ, marca de cervejas artesa-
nais em Paraisópolis, sul de Mi-
nas. Já era um plano ter cesta
com produtos da fazenda, inclu-
indo destilados, conta o funda-
dor Fabrício Almeida, mas ele
estava “no fundo da gaveta”.
“Com a redução drástica nas
vendas e com o pessoal em casa,
a gente quis colocar de pé esse
projeto”, conta ele, segundo
quem a loja de fábrica represen-
tava 20% do faturamento. As
cestas vendidas, diz Fabrício, já
estão perto de recuperar esses
20% da loja de fábrica – a maior
parte das vendas da marca fica
com cervejas (70%), que caí-
ram em lojas físicas, mas cresce-
ram em sites de empórios.

Nova empresa. Operações cria-
das por conta da pandemia têm
levado marcas a repensar o ne-
gócio, e o sistema D2C pode per-
manecer após a reabertura, já
que é esperada a quebra de mui-
tos negócios de alimentação.

Mais de 200 restaurantes da
cidade representavam 99,9%
das vendas da Mar Direto, em-
presa de pescados. Com as ca-
sas fechadas, foi preciso chegar
ao cliente e a marca passou a
vender kits de peixes e frutos do
mar, por WhatsApp e Insta-
gram. “A gente evitava cliente
final porque não estava prepara-
do para o formato. Então, tive-
mos que nos remodelar para ter
uma nova empresa. Partindo do
zero, numa empresa que tem
um mês de vida, estamos ven-

dendo hoje uns 30% da capaci-
dade de 15 toneladas por mês”,
comemora o sócio Cauê Tessu-
to, segundo quem a capacidade
será ampliada para 60 tonela-
das com a instalação em breve
de nova fábrica em São Paulo.
A ideia é manter o varejo no
futuro como mais um braço da
operação. Tessuto, que já teve
restaurante em São Paulo, aju-
da na ponte com o cliente final.
“Não gosto de estar em crise,
mas o desafio me emociona.
Até no WhatsApp eu ajudo.”

As vendas por WhatsApp têm
ganhado força entre os negó-
cios, como também na Pardi-
nho. Marca de queijos do inte-
rior de São Paulo, antes da crise
vendia 90% da produção a pes-
soas jurídicas e hoje passou a
vender direto ao cliente final.
“Atender a pessoa física é
mais complexo. Mas tem muito
cliente órfão de loja e que quer
apoiar o pequeno produtor. A
gente não está dando conta de
toda a demanda”, diz o gerente
comercial, Lucas Borges.
Na Oliq, marca de azeites da
Mantiqueira, a oportunidade
também está valendo para repa-
ginar o site e descobrir potencia-
lidades, como a integração do
e-commerce com os Correios.
“A gente vendia pouco pelo
site, mas agora virou nosso prin-
cipal canal”, diz a sócia Vera Ma-
sagão, que viu o faturamento
cair 90%. “Contratamos uma
empresa para investir em métri-
cas e marketing digital, tanto pa-
ra o site quanto para o restau-
rante na fazenda, que a gente
quer inaugurar em agosto.”

l Alimentação

ESTADÃO

40%
é a estimativa de quantos estabe-
lecimentos de São Paulo devem
fechar por conta da crise do coro-
navírus, segundo a Associação
de Bares e Restaurantes

NICO NEMER

Pequeno produtor


vai do atacado ao


varejo para vender


Em casa.
Produtos da
ZalaZ (esq.)
são
entregues
em uma
cesta
ao cliente;
abaixo, itens
da Mar
Direto, que
chegam
limpos e
porcionados

ANA PAULA BONI/ESTADÃO

Logística de entrega ao cliente final é desafio; com lojas fechadas,


modelo de negócios é repaginado e novas operações são montadas

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