O Estado de São Paulo (2020-05-21)

(Antfer) #1

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H2 Especial QUINTA-FEIRA, 21 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


SONIA RACY


DIRETO DA FONTE


Luiz Zanin Oricchio


Em tempo de confinamento e
cinemas fechados, Sérgio Ricar-
do estreou seu novo filme, Ban-
deira de Retalhos,
diretamente
no YouTube (Youtube.com/ser-
gioricardoartista).
Toda uma história de vida es-
tá lá. Sérgio, nascido em Marília
há 87 anos e radicado há muito
tempo no Rio, é artista múlti-
plo. Músico, escritor, cineasta.
É dele a trilha de clássicos do
cinema na-
cional co-
mo Deus e o
Diabo na
Terra do
Sol
e O Dra-
gão da Mal-
dade contra
o Santo
Guerreiro,

ambos de
Glauber Ro-
cha, entre
muitas ou-
tras colabo-
rações.
Irmão do
mitológico câmera e diretor de
fotografia Dib Lutfi (de Terra
em Transe),
Sérgio é composi-
tor de mão cheia, autor de músi-
cas como a lindíssima Folha de
Papel,
gravada por Tim Maia.
Mas também foi alvo de uma gi-
gantesca vaia no Festival da
Canção de 1967 ao defender seu
samba Beto Bom de Bola que, de-
finitivamente, não caiu no gos-
to do público. Irritado com as
vaias, Sérgio Ricardo interrom-
peu a apresentação, quebrou o
instrumento que tocava e o arre-
messou contra a indócil plateia.
Anos mais tarde, no princípio
da década de 1990, escreveu
uma autobiografia precoce e
lhe deu o sugestivo título de
Quem Quebrou meu Violão.
Forjado nas ideias do Centro
Popular de Cultura da UNE, e
nas lutas políticas dos anos


1960, Sérgio se aproxima da di-
reção de cinema. Dirige o curta
O Menino da Calça Branca em
1961 e o longa Esse Mundo É Meu
em 1963. Ambos foram recupe-
rados em DVD da Lume em
2013, lançamento que permite
visualizar os méritos e o didatis-
mo de um certo modo do fazer
cinematográfico no Brasil. Em
1974, realiza, com música de Al-
ceu Valença e Geraldo Azeve-
do, o alegórico e anárquico A
Noite do Espantalho. Homem
criativo, Sérgio Ricardo sempre
que abraçou essa arte se mos-
trou um cineasta inquieto. Suas
preocupações so-
ciais também o le-
varam a buscar
formas originais
de expressão, o
que nem sempre
entrou em sinto-
nia com o gosto
do público, mas
lhe garantiu lu-
gar à parte na his-
tória do cinema
brasileiro.
O retorno que
se dá agora com
Bandeira de Reta-
lhos aproveita a
sua própria experiência de vida.
Morador do Morro do Vidigal
há muitos anos, Sérgio Ricardo
testemunhou, em 1977, uma ten-
tativa de desocupação forçada e
a reação da comunidade, em ple-
no regime militar. O motivo ale-
gado pela prefeitura do Rio de
Janeiro era a ameaça de desliza-
mento de terras. Por trás, havia
o interesse em “limpar” o terre-
no e lá construir um hotel de
luxo que ofereceria aos hóspe-
des magnífica vista para o mar.
O filme, que já fora antes uma
peça de teatro encenada pelo
grupo Nós do Morro, refaz a lu-
ta comunitária pela moradia e a
entremeia com a trágica histó-
ria de um triângulo amoroso cu-
jo polo é a bela Tiana (Kizi Vaz).
Ela é casada com Neno e se en-
volve com Bituca, um bandido
foragido. Enquanto isso, rola a

tentativa de desocupação e a re-
sistência dos moradores, que
não querem sair de lá para um
bairro distante. Pessoas da co-
munidade e da ONG Nós do
Morro atuam no filme e contra-
cenam com atores famosos co-
mo Antônio Pitanga, Babu San-
tana, Bemvindo Sequeira e Os-
mar Prado. Há também bom
aproveitamento de material de
arquivo, com registros televisi-
vos da tentativa de desocupa-
ção do local em 1977. O filme se
enquadra na sempre atual luta
das pessoas despossuídas por
uma moradia digna.
A falta de grandes recursos de
produção se faz notar em certos
desníveis de tensão e atuação
ao longo do filme. Mas ao pres-
tar atenção à metade do copo
que está cheia, revela-se a es-
pontaneidade, a sinceridade e a
garra com que essa ficção, com
tantos contatos na realidade, é
construída.
De resto, esse retorno de Sér-
gio Ricardo à direção, da qual
esteve ausente desde 1974, so-
ma pontos a essa importante
vertente do cinema brasileiro, a
da denúncia social. A história
de Bandeira de Retalhos é a da
luta de uma comunidade pobre
contra os interesses do grupo
que deseja construir o hotel no
local, aliada às autoridades da
época. Mostra, de maneira lím-
pida, a presença do Estado, da
polícia, de advogados e enge-
nheiros como braços auxiliares
do capital. E, no lado oposto, co-
mo a defesa da moradia só pode
contar com os próprios habitan-
tes do morro e algumas pessoas
de boa-fé que a eles se aliam,
como ONGs e advogados huma-
nitários.
Um dos méritos do filme, e
não o menor, é resgatar a memó-
ria do jurista Heráclito de So-
bral Pinto (1893-1991), que na-
da tinha de esquerdista, mas cu-
jo apurado senso ético o coloca-
va sempre do lado dos oprimi-
dos. Não existe mais gente co-
mo ele.

DENÚNCIA SOCIAL


Sérgio Ricardo retorna à direção com ‘Bandeira de Retalhos’,


sobre luta por moradia, com estreia no YouTube


Caderno 2


NA TELA


Colaboração
Cecília Ramos [email protected]
Marcela Paes [email protected]

lAplicativo criado por fun-
cionários do C6 Bank – já
com 145 cadastrados – conec-
ta quem precisa de ajuda a
quem quer doar. Formado
por cerca de 20 integrantes
do banco, foi batizado de To-
dos Unidos.

l Loctite Super Bonder, Pritt
e Cascola, marcas da Henkel,
lançaram a campanha #Cola-
NessaCausa. Vão doar refei-
ções a vulneráveis.

l Francine Ferrari e Marco
Nery promovem a ação soli-
dária Apadrinhe um Bichinho ,
que fornece alimentos, vaci-
nas, ração, produtos de lim-
peza e remédios para ani-
mais da Zoo Foz.

RESPONSABILIDADE
SOCIAL

POLAROID
Sergio Zalis resolveu aproveitar a quarentena
para viajar por meio de seu celular e visitar
amigos em suas casas, criando o #projetopausa.
Um dos primeiros foi Paulo Coelho, fotografado
por FaceTime onde mora em Genebra, na Suíça.
“Como escritor, estou acostumado a quarentenas
já que preciso me concentrar e me isolar. Só que
nunca imaginei que fosse viver uma que não é
uma escolha, mas sim uma maneira de
sobreviver. Acredito que o mundo mudará sua
relação com a solidão. Não é a melhor coisa do
mundo, mas tão pouco deve desequilibrar
alguém’, diz o autor.

Blog: estadão.com.br/diretodafonte Facebook: facebook.com/SoniaRacyEstadao Instagram: @colunadiretodafonte

A saga pela...


Ao divulgar, ontem, novo pro-
tocolo recomendando a pres-
crição de cloroquina a partir
dos primeiros sinais de con-
taminação pela covid-19, o
Ministério da Saúde deu
start à procura do remédio
que já está em falta.

Em conversa com a coluna, co-
nhecida médica que trata de
pacientes com lúpus avisa:
“Já hoje está difícil encontrar
cloroquina, imagina agora”.

...cloroquina


A Apsen Pharma Brasil – sub-
sidiária de gigante indústria
farmacêutica africana – dis-
tribui algo como 95% da hi-
droxicloroquina no País e es-
tá com estoque praticamen-
te esgotado.

Segundo sua assessoria, pedi-
dos de 30 dias para o medica-
mento bateram o volume do
total de vendas em 2019.

Outra vez


No começo da correria às far-
mácias, a Apsen negociou
com o Ministério da Saúde e
a Anvisa medidas para limi-
tar vendas do remédio exigin-
do receita controlada e que
não faltasse remédio para pa-
cientes crônicos.

A EMS e a Sanofi também
produzem o medicamento hi-
droxicloroquina.

Armada inteira


A determinação de Bolsona-
ro, no fim de março, para que
o Laboratório Químico Far-
macêutico do Exército au-
mentasse a produção de clo-
roquina fez elevar a média de
200 a 250 mil comprimidos a
cada dois anos para mais de
500 mil a cada sete dias já em
abril. Meta? Dobrar essa
quantidade.
PAULO LIEBERT/AE

Elenco. O cinemanovista Antonio Pitanga em história sobre moradores do Morro do Vidigal

FOTOS PEDRO PAIVA /DANIEL PAES

Luta social. Babu Santana é um dos personagens de uma trama baseada em fato real

UM DOS SEUS FILMES, ‘A
HORA DO ESPANTALHO’, É
FEITO EM PARCERIA COM
ALCEU VALENÇA

O DIRETOR É TAMBÉM
COMPOSITOR DE TRILHAS
SONORAS DE FILMES
CLÁSSICOS BRASILEIROS

Ao tomar
conhecimento
ontem da
demissão de
Regina Duarte,
Zélia Duncan não
vacilou: “Aquela
que foi sem nunca
ter sido? Só
conheço por ser
adoradora de
Bolsonaro”, disse
à coluna a
cantora. “Ela se
retira sem ter
dado nada para
nós e estragado
sua biografia”.
Espera algo do
novo ministro?
“Não espero nada
de quem se alia a
esse governo”.

SERGIO ZALIS
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