O Estado de São Paulo (2020-05-21)

(Antfer) #1

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A6 Política QUINTA-FEIRA, 21 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


WILLIAM


WAACK


O


s militares que estão no go-
verno aparentemente não
comandam. Por motivo sim-
ples: uma coisa é a aptidão técnica e a
formação intelectual para planejar e
executar considerando meios e fins.
Para isso os militares foram muito
bem preparados em suas academias,
que equivalem a escolas de business
comparáveis às melhores lá de fora.
Outra coisa é o exercício da políti-
ca, aprendizado que não está nos
currículos dessas academias. Tem si-
do mais fácil para os militares no
governo se apegar a seu padrão ético
de “cumprir a missão”, “obedecer

ao comando hierárquico” e “não aban-
donar o barco em dificuldades” do que
enxergar que prestígio e respeito pa-
cientemente recuperados pelas For-
ças Armadas após o regime que instau-
raram e conduziram por 21 anos estão
naufragando pelo suporte que empres-
tam ao que hoje, sob Bolsonaro, deriva
numa aventura rumo ao abismo.
O que os levou a pular para a carrua-
gem do atual presidente, que estava lon-
ge de ser a primeira escolha deles, foi a
noção de esgarçamento do tecido social
e de desagregação institucional ilustra-
da por dois episódios significativos ain-
da no início da campanha eleitoral de


  1. O primeiro foi o fica ou sai de Lula
    da cadeia em Curitiba, devido a uma se-
    quência de canetadas do Judiciário. Ba-
    gunça que por um triz não levou à desor-
    dem. O segundo foi a bagunça mesmo
    criada pela greve dos caminhoneiros.
    A um candidato sem planos, além de
    frases de efeito, os militares levaram
    seriedade, confiabilidade e gente expe-
    riente em logística, gestão de recursos,
    planejamento, disciplina e hierarquia.
    Acharam que a onda disruptiva que des-
    truiu a reputação de políticos, partidos,


imprensa e várias instituições se tradu-
ziria num “momento” político capaz
de fazer prosperar mesmo num Legisla-
tivo hostil a reformas, à transformação
do Estado e por aí vai. Não estavam sozi-
nhos nessa mescla de fé e esperança,
combinadas a um pouco de cálculo.

Faltou o lado político, pelo qual Bol-
sonaro enveredou da pior forma possí-
vel. Preferiu renunciar ao exercício de
seu maior poder, que é ditar a agenda.
Preferiu concentrar-se no afago à suas
parcelas de seguidores incondicionais,
que estão diminuindo. Jogou fora vá-
rias oportunidades de se tornar uma
voz pregando convergência, união, paci-
ficação, concentração de esforços. Per-
deu tempo e, com a pavorosa crise do
coronavírus, perdeu também a moral.
Na mais recente grande crise do gover-
no, a da saída de Sérgio Moro, os milita-
res encontraram como conveniente jus-
tificativa para tolerar um governo no
mínimo errático a postura do STF de
limitar as prerrogativas do Executivo.
Além de legislar, o Judiciário em alguns
casos até governa, ou não deixa gover-
nar. Há um forte debate jurídico e acadê-
mico sobre o tema, mas militares e políti-
cos, e não só os do Centrão, avaliam esse
fato como usurpação de prerrogativas.
Portanto, sob essa ótica, é até “com-
preensível” o flerte nada discreto do

presidente com a crise institucional
que os militares não querem que
aconteça. O problema político que
eles não resolveram é traçar a linha
entre o que é “suporte institucio-
nal” a um governo destrambelhado
e o que é cumplicidade com o des-
trambelhamento. É o tipo de coisa,
porém, que só fica bem clara depois.
Parece evidente neste momento
que está além da formação técnica e
doutrinária dos militares resolver
um nó que é político na mais pura
essência. O símbolo de tudo isso é
um general, que não é médico, libe-
rando no Ministério da Saúde um
documento contendo protocolo de
tratamento que médicos que o ante-
cederam não quiseram assinar – e se
recusaram a fazê-lo por razões técni-
cas, e o general o fez por razões po-
líticas do presidente da República.
São razões que passaram a ser, por
conivência, conveniência ou inér-
cia, as razões também dos homens
que vestiram ou vestem fardas.

Fausto Macedo
Paulo Roberto Netto


O superintendente da Polícia
Federal em Minas Gerais, dele-
gado Cairo Costa Duarte, afir-
mou em depoimento que o pre-
sidente Jair Bolsonaro, ao ser
informado sobre o andamen-
to das investigações do caso
Adélio Bispo, não demonstrou
insatisfação quanto ao apro-
fundamento das apurações.

Após o pedido de demissão
do ex-ministro Sérgio Moro,
em abril, Bolsonaro reclamou,
em pronunciamento, sobre su-
posta falta de aprofundamento
das investigações relacionadas
a Adélio, autor da facada contra
o então presidenciável. O presi-
dente acusou a PF de se preocu-
par mais “com Marielle do que
com seu chefe supremo”. À épo-
ca, no primeiro semestre do
ano passado, um inquérito so-
bre o assassinato da vereadora
Marielle Franco já havia sido
concluído e um outro, sobre su-
postos mandantes, estava sen-
do conduzido pela PF mineira.
Em depoimento, Duarte rela-
tou que esteve duas vezes com
Bolsonaro, uma delas recente-
mente e na presença do atual
ministro da Justiça, André Men-
donça, e o novo diretor-geral da
PF, Rolando Alexandre de Sou-
za. O primeiro encontro teria
ocorrido no ano passado, com a
presença de Moro e o então che-
fe da PF, Maurício Valeixo.


A reunião mais recente com o
presidente ocorreu em meio à
conclusão do segundo inquéri-
to da PF, que relatou a ausência
de mandantes no atentado con-
duzido por Adélio Bispo. De
acordo com a investigação, o es-
faqueador agiu sozinho. No âm-
bito judicial, Bolsonaro não
apresentou recurso contra a
sentença que considerou Adé-
lio Bispo inimputável.
O delegado responsável pe-
los dois inquéritos relaciona-
dos ao caso Adélio Bispo, Rodri-
go Morais Fernandes, relatou
em depoimento que Bolsonaro
participou de reunião na última
sexta no qual foi informado so-
bre a conclusão das investiga-
ções sobre o crime e não tam-
bém teria se mostrado insatis-
feito com as apurações.
O relatório assinado por Fer-
nandes apontou que Adélio Bis-
po de Oliveira agiu sozinho em
um crime sem mandantes. A ex-
planação teria sido feita nos mol-
des de outra, feita no ano passa-

do, e serviria para Bolsonaro, na
condição de vítima, saber sobre
as conclusões das investigações.

Advogado. De acordo com o
delegado Fernandes, o presi-
dente foi informado, também,
de empecilhos jurídicos que bar-
raram a apuração de uma linha
de investigação. Por ordem do
Tribunal Regional Federal da
3.ª Região (TRF-3), a PF não po-
de quebrar o sigilo do advogado
Zanone Manuel de Oliveira Jú-
nior, que defendeu Adélio Bis-
po. A intenção da PF era desco-
brir quem pagou os honorários
do escritório da defesa. O caso
aguarda análise no STF.
“A despeito disso, várias ou-
tras linhas de investigação fo-
ram traçadas e exauridas, inclusi-
ve apurando notícias veiculadas
na imprensa e redes sociais que
pudessem contribuir na investi-
gação”, esclareceu o delegado.
Fernandes também destacou
que os advogados que defende-
ram Bolsonaro no processo con-
tra Adélio sugeriram diligên-
cias, “tendo sido acatadas pela
autoridade policial e realiza-
das”. No âmbito judicial, Bolso-
naro não apresentou recurso
contra a sentença que conside-
rou Adélio Bispo inimputável.
Fernandes afirmou ainda que
teve plena liberdade para con-
duzir o cargo sem ter havido “or-
dem ou sugestão de linha inves-
tigativa” por parte de seu supe-
rior hierárquico.

As razões dos militares


Paulo Marinho é


interrogado por


5 horas no Rio


Eles suportam um
governo que embarcou
numa perigosa aventura

l ‘Exauridas’

Inquérito.
Ex-aliado de
Bolsonaro,
empresário
Paulo
Marinho
chega à
Polícia
Federal no
Rio para
prestar
depoimento

Francisco Carlos de Assis


Pesquisa XP/Ipespe realizada
em maio e concluída anteon-
tem, confirma a tendência de
aumento na reprovação ao de-
sempenho do presidente Jair
Bolsonaro. De acordo com o le-
vantamento, o grupo que consi-
dera o governo bom ou ótimo
oscilou de 27% na rodada de 30
de abril para 25% agora.
Já os que avaliam a gestão co-
mo ruim ou péssima passou de
49% para 50% na comparação
com o levantamento anterior. A
expectativa para o restante do


mandato de Bolsonaro é ruim
ou péssima para 48% dos entre-
vistados e ótima ou boa para
27%. Na pesquisa anterior, de
abril, esses índices eram, respec-
tivamente, de 46% e de 30%.
Movimento semelhante
acontece na área econômica,
em que o grupo que avalia que a
economia está no caminho erra-
do subiu de 52% para 57%, en-
quanto os que veem a economia
no caminho certo passaram de
32% para 28%.
Ainda de acordo com a sonda-
gem, 34% afirmaram que al-
guém em seu domicílio já rece-
beu o auxílio emergencial de R$
600 e outros 14% disseram que
ainda vão receber o dinheiro.
Os entrevistados foram ques-
tionados também sobre impac-
tos da crise causada pelo novo
coronavírus. Para 68%, o pior
ainda está por vir, enquanto

22% avaliaram que o pior já pas-
sou. A pesquisa mostrou tam-
bém que se mantém alto o
apoio ao isolamento social co-
mo medida de enfrentamento à
pandemia. Para 76%, ele é a me-
lhor forma de prevenir e tentar

evitar o aumento da contamina-
ção pelo coronavírus, enquanto
7% discordaram. Outros 14%
avaliaram que a medida é exage-
rada. Em relação à duração do
isolamento, 57% defenderam
que ele deve continuar até que o

risco de contágio seja pequeno.
O levantamento também re-
gistrou uma redução na avalia-
ção positiva da ação dos gover-
nadores no enfrentamento da
crise. São 46% os que apontam
que a atuação é boa ou ótima,

ante 53% na pesquisa anterior.
Os que acreditam que a atuação
é ruim ou péssima eram 16% e
agora são 23%. A atuação de Bol-
sonaro na crise é vista como
boa ou ótima por 21% e como
ruim ou péssima por 58%.

Para 57%, economia


está no caminho


errado, diz pesquisa


Levantamento mostra


que 50% reprovam


governo Bolsonaro e 48%


têm expectativa negativa


para restante do mandato


Caio Sartori / RIO

Após cinco horas de depoimen-
to na Polícia Federal no Rio, o
empresário Paulo Marinho dei-
xou o local sem falar com jorna-
listas. “Para não prejudicar as
investigações, não posso dar ne-

nhuma declaração”, disse.
Marinho foi ouvido por dele-
gados e procuradores. A PF rea-
briu procedimento sobre supos-
to vazamento da Operação Fur-
na da Onça e o MPF instaurou
inquérito para apurar as declara-
ções do empresário, segundo as
quais o senador Flávio Bolsona-
ro (Republicanos -RJ) teve aces-
so a informações da operação.

Advogado. Citado por Mari-
nho como um dos assessores de
Flávio que teriam recebido da-

dos da Furna da Onça, o advoga-
do Victor Granado Alves vai tra-
balhar no gabinete do deputado
estadual bolsonarista Ander-
son Moraes (PSL). Alves é inves-
tigado pela Promotoria no caso
de “rachadinha” na Assembleia
Legislativa do Rio.
Moraes emprega em seu gabi-
nete a ex-mulher do presidente
Jair Bolsonaro e mãe de Flávio,
Rogéria. Ele disse que Alves é “al-
tamente capacitado”. A nomea-
ção foi revelada pelo jornal O Glo-
bo e confirmada pelo Estadão.

“Várias outras linhas de
investigação foram traçadas
e exauridas, inclusive
apurando notícias veiculadas
na imprensa e redes sociais
que pudessem contribuir na
investigação.”
Rodrigo Morais Fernandes
DELEGADO RESPONSÁVEL DO CASO

WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Chefe da PF em


Minas contradiz


Bolsonaro


Superintendente diz, em depoimento, que presidente não se mostrou


incomodado com andamento das investigações do caso Adélio Bispo


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● Pesquisa XP/Ipespe realizou mil entrevistas, em todo o País, nos dias 16, 17 e 18 de maio

SONDAGEM

FONTE: PESQUISA XP/IPESPE INFOGRÁFICO/ESTADÃO

Avaliação do desempenho
do governo Jair Bolsonaro

OBS.: METODOLOGIA: ENTREVISTAS TELEFÔNICAS REALIZADAS POR OPERADORES; MARGEM DE ERRO: 3,2 PONTOS PORCENTUAIS

JAN
2019

MAI
2020

EM PORCENTAGEM ÓTIMO/BOM REGULAR RUIM/PÉSSIMO NÃO SABE/NÃO RESPONDEU

Expectativa para o restante
do mandato de Bolsonaro

JAN
2019

MAI
2020

48

27

19
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Avaliação do desempenho
dos governadores

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OUT
2019

MAI
2020

23

42

33

2

EM PORCENTAGEM

JAN
2020

MAI

57

16

A economia do Brasil no
momento está no:

CAMINHO
CERTO

CAMINHO
ERRADO
NÃO SABE/ NÃO RESPONDEU

50

25

23

2
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