O Estado de São Paulo (2020-05-22)

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A10 SEXTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Giovana Girardi


Em novo recorde de mortes
registradas no período de 24
horas – 1.188 –, o Brasil supe-
rou ontem a marca de 20 mil
vítimas em decorrência de in-
fecção pelo novo coronaví-
rus. Isso após 66 dias do pri-
meiro caso. O País passou de
10 mil mortes para exatamen-
te 20.047 em apenas 12 dias, e
o número de casos continua
em curva ascendente. Já são
310.087 pessoas que se conta-
minaram em quase três me-
ses desde o início da epide-
mia. Hoje se completa uma se-
mana que o Ministério da Saú-
de está sem titular e não há di-
vulgação de novos planos pa-
ra conter a doença.
A aceleração da epidemia
ocorre em direção ao interior
do País, o que levanta um novo
nível de alerta. Segundo levanta-
mento feito pela Fiocruz, pelo
menos 7,8 milhões de brasilei-
ros vivem em locais que deman-
dam viagens de 4 horas até uma
cidade que tenha condições de
oferecer tratamento adequado
para os casos mais complexos
de covid-19, como hospitais
com unidade de terapia intensi-
va (UTI), respiradores e equi-
pes especializadas em doenças
respiratórias agudas e graves. A
análise, feita pelo Instituto de
Comunicação e Informação em
Saúde, expõe o risco às popula-
ções mais vulneráveis e o tama-
nho das dificuldades que serão
impostas aos sistemas de saúde
com a interiorização da doença.
Segundo dados do Ministério
da Saúde referentes à quarta-fei-
ra, 3.488 municípios, em todo o
País, já foram afetados pelo co-
ronavírus, ou 62,6%.
Nas duas últimas semanas,
em números absolutos, o Brasil
saltou da sétima para a terceira
posição entre as nações com
mais casos de covid-19. Com is-
so, se mantém como um dos paí-
ses em situação mais crítica do
mundo em número de infec-
ções, atrás de Rússia, que conta-


biliza 317 mil casos, e Estados
Unidos, com mais de 1,5 milhão.
Na lista de países com mais mor-
tes acumuladas, o Brasil ocupa
a 6.ª posição. Fica atrás de Esta-
dos Unidos (93.863), Reino Uni-
do (36.124), Itália (32.486),
França (28.218) e Espanha
(27.940).
A pandemia do novo corona-
vírus se tornou a principal cau-
sa de mortes por dia no Brasil. O
maior número de infecções con-
tinua em São Paulo, com 73.
diagnósticos e 5.558 mortes. O
Rio tem 32.089 casos e 3.412 óbi-
tos. No Ceará são 31.413 infec-
ções e 2.161 mortes. O Brasil ain-
da se tornou nos últimos dias o
país com maior crescimento de
casos de covid-19 por milhão de
habitantes (pmh). De acordo
com o cruzamento de dados da
plataforma Our World in Data,
ligada à Universidade de Ox-
ford, desde anteontem o País
passou a liderar o ranking, que

considera a confirmação de ca-
sos em um período de 24 horas e
os dilui por milhão de habitan-
tes, o que permite uma compa-
ração de como a covid-19 está
afetando países de populações
distintas.

Como ocorre o avanço. Pesqui-
sadores do grupo MonitoraCo-
vid-19 divulgaram nesta quar-
ta-feira uma nota técnica sobre

as regiões do País e as redes de
saúde, avaliando o deslocamen-
to da covid-19 da capital para o
interior e o fluxo de pacientes
em busca de internação em
grandes cidades. Somente na se-
mana passada (entre os dias 9 e
16), 227 municípios com popula-
ção menor que 10 mil habitan-
tes apresentaram o primeiro ca-
so da doença, assim como 197
municípios com população en-
tre 10 e 20 mil habitantes e 112
municípios com população en-
tre 20 e 50 mil habitantes.
As mortes também começa-
ram a ocorrer nessas cidades.
De acordo com o levantamen-
to, 50 municípios com menos
de 10 mil habitantes apresenta-
ram óbitos pela primeira vez. O
mesmo ocorreu em 83 municí-
pios com população entre 10 e
20 mil habitantes e em 98 muni-
cípios com população entre 20
e 50 mil habitantes.
A chegada da doença a cida-

des tão pequenas acende o aler-
ta sobre como vai ser o acesso
dos moradores desses locais às
redes de saúde em situações de
emergências. Pelos cálculos,
7,8 milhões de pessoas vivem
distantes até quatro horas de
um polo de atendimento de alta
complexidade e os Estados
mais afetados são Amazonas,
Pará e Mato Grosso – com mais
de 20% das populações. O traba-
lho apontou ainda que em 175
municípios, onde há esses po-
los de atendimento, mais de
50% dos internados já eram pro-
venientes de outros municípios
até o dia 4 de maio.

Redes de saúde. A análise teve
como foco avaliar a sobrecarga
das redes de saúde e indica que
não adianta fazer isolamentos
localizados, de um ou de outro
município, sem pensar nas re-
giões como um todo, uma vez
que as pessoas precisam se des-

locar para buscar atendimento.
“Desde o começo da epidemia
se fala na necessidade de prote-
ger os sistemas de saúde. De
achatar a curva para evitar o co-
lapso. Mas é preciso entender
de que sistemas estamos falan-
do. Os moradores de municí-
pios pequenos precisam se des-
locar para os grandes para te-
rem atendimento. Nesse senti-
do existem regiões de saúde pe-
lo País”, explica Diego Xavier,
epidemiologista do Instituto
de Comunicação e Informação
em Saúde da Fiocruz, que parti-
cipou do trabalho. “O que suge-
rimos é que precisa ser adotada
uma coordenação de estraté-
gias para definir de modo claro
e rápido qual região e qual rede
está sendo protegida com uma
determinada estratégia. Tem
de ser uma união real, e não re-
tórica”, diz.
“Prefeitos têm de sentar com
governadores e o governo fede-
ral para definir isso pensando
nessas regiões de atendimento.
Imagine uma região como a de
Petrolina (PE) e Juazeiro (BA)
(cidades separadas pelo Rio São
Francisco). Se um Estado resol-
ve aumentar o isolamento e o
outro começar a relaxar, não vai
dar certo”, complementa o pes-
quisador. “O que precisamos é
proteger a rede de UTIs e respi-
radores e isso vai além dos limi-
tes municipais.”
O estudo alerta ainda que a
doença, que começou pelas
grandes capitais e de lá foi para
o interior, agora vai fazer o cami-
nho contrário na busca de doen-
tes por atendimento. “Essa
doença teve o tempo de ida e
nas próximas semanas vamos
começar a ver o tempo de volta.
Só que as grandes cidades já es-
tão com seus hospitais quase lo-
tados. O isolamento que as cida-
des grandes adotaram no come-
ço da epidemia fez com que a
doença demorasse para chegar
ao interior. E agora vamos ver
as pessoas dessas cidades indo
para as capitais em busca de
atendimento”, diz Xavier.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


SANDRO PEREIRA/FOTOARENA

lMigração

Após 66 dias do 1º óbito, Brasil teve 1.188 mortes em 24 horas, número mais alto até agora; aceleração da epidemia ocorre em direção ao


interior, onde há falta de estrutura para casos complexos: segundo a Fiocruz, 7,8 milhões vivem distantes 4 horas de UTIs para covid-


Estoque para a produção de cloroquina diminui. Pág. A11 }


Ricardo Araújo / NATAL
Bruno Tadeu / MANAUS
ESPECIAL PARA O ESTADO


Após passar 72 horas à espera
de um leito de unidade de tera-
pia intensiva (UTI), um idoso


de 80 anos com suspeita de co-
vid-19 morreu na noite de quar-
ta-feira, na Unidade de Pronto-
Atendimento em São Rafael,
distante 216 quilômetros de Na-
tal. Em São Rafael não há respi-
rador mecânico disponível na

unidade de saúde local.
O óbito de Asclepíades Jales
ocorreu enquanto a equipe o
preparava para levá-lo ao Hospi-
tal Regional do Seridó, em Cai-
có, a 100 quilômetros de São Ra-
fael. Segundo o governo esta-

dual, 61 pacientes aguardam re-
moção para um dos hospitais es-
taduais. Onze deles estão em si-
tuação crítica e precisam de um
leito de UTI com urgência. O
Rio Grande do Norte registra
4.060 infecções e 178 óbitos.

AM. Distante 825 quilômetros
a noroeste de Manaus, no muni-
cípio de São Gabriel da Cachoei-
ra, o pai da autônoma Ivanete
Ferraz, de 34 anos, percebeu sin-
tomas de gripe e uma febre fora
do comum no dia 26 de abril. Os
sintomas se agravaram e ele foi
internado no hospital do Exérci-
to, referência local. O quadro
não evoluiu bem.

No domingo passado, mes-
mo contrariada, a família teve
de autorizar a locomoção do
pai. A UTI móvel do Estado che-
gou no dia seguinte, mas o indí-
gena não resistiu e foi a óbito
durante o voo, que teve 2h30 de
duração. “O médico da viagem
falou que ele já estava muito afe-
tado pelo vírus”, lamentou Iva-
nete.

Metrópole


● Amazonas, Pará e Mato Grosso são os Estados mais afetados pela dificuldade de atendimento


DESIGUALDADE


FONTE:FIOCRUZ INFOGRÁFICO/ESTADÃO


Tempo estimado de deslocamento para a
população chegar a um polo de atendimento

Proporção de população que acessa em até
4 horas um polo de atendimento

Fluxo de pacientes registrados no SIVEP-Gripe,
4/5/

Proporção de atendimento de população não
residente segundo municípios*

*Com base na rede
de fluxos de
pacientes registrados
no SIVEP-Gripe,
4/5/

EM HORAS
MENOS DE 1
DE 1 A 2
DE 2 A 3
DE 3 A 4
MAIS DE 4

EM PORCENTAGEM
DE 0 A 30,
DE 30,01 A 68,
DE 68,01 A 86,
DE 86,01 A 96,
DE 96,01 A 100

EM NÚMERO
DE PESSOAS
2
DE 3 A 4
DE 5 A 8
MAIS DE 8

EM PORCENTAGEM
0
DE 0,01 A 25,
DE 25,01 A 50,
DE 50,01 A 75,
DE 75,01 A 100

AM

RR AP

RO MT

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MA

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SC
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SC
RS

PI

TO

GODF

MS
SP

AC

REGIÕES
DE SAÚDE

País bate 20 mil mortes e lidera no mundo


em casos por milhão de habitantes em 24h


“O isolamento que as
cidades grandes adotaram
no começo da epidemia fez
com que a doença
demorasse para chegar ao
interior. E agora vamos ver
as pessoas dessas cidades
indo para as capitais em
busca de atendimento.”
Diego Xavier
EPIDEMIOLOGISTA DA FIOCRUZ

Amazonas. Com 1.620 mortes, Estado é um dos mais afetados pela epidemia e tem dificuldades para transferir pacientes

Pacientes morrem na espera e em transferência

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