O Estado de São Paulo (2020-05-22)

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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 2020 Economia B


ELENA


LANDAU


M


eu vizinho trocou o panela-
ço pelo Apesar de você. Pon-
tualmente, às 20h30, entra
a voz de Chico pela minha janela.
Quando o samba foi lançado, eu ti-
nha 12 anos e vivia a minha primeira
paixão. O “você” da música era meu
pai, que proibia o namoro. Para
mim, era apenas uma música român-
tica. Mais tarde, compreendi um ou-
tro sentido para a letra.
Não tinha idade para participar de
atividades políticas, mas não era
alheia ao que se passava no País. As
conversas em casa eram tensas. Era o
ano da Copa do Mundo e havia um
debate entre amigos e familiares: não
se podia torcer para a seleção, porque
seria um prêmio ao governo Médici,
o mais sangrento da ditadura.
Eu ouvia perplexa essa discussão.
Era o Brasil em campo e pronto.

Quando a bola começou a rolar, a dis-
cussão ficou para trás, e no gol de em-
pate contra a República Checa, a famí-
lia comemorou junta. E não parou
mais. Lembro de ir para a rua com
meus irmãos após o jogo contra Ingla-
terra e ouvir meu primeiro palavrão,
contra a rainha.
Gostava demais de cantar “A taça
do mundo é nossa, com brasileiro
não há quem possa”, que trazia a lem-
brança das vitórias anteriores. Fazia
mais sentido para mim que os “
milhões em ação”.
As Copas se seguiram, e eu nunca
não fiz muita questão de usar a camisa
da seleção, a não ser que fizesse alusão
ao Botafogo, meu time de coração, e
que mais atletas cedeu à seleção. Uma
estrela no peito, sobre as listras verde-
amarelo.
Aí veio a Copa de 2014. Dilma não era

exatamente a presidente mais popular
naquele momento, mas misturar políti-
ca e futebol nunca fez sentido para
mim. Fui de camisa da seleção para ver
o jogo de estreia no Itaquerão. Repeti o
uniforme nas finais de vôlei e futebol
da Olimpíada, dois anos depois.
Entre um e outro evento, a camisa
verde-amarelo saiu das arquibancadas
para as manifestações de rua. Primeiro,
para pedir o afastamento de Dilma. Jun-
to com tantos manifestantes, exercen-
do sua liberdade de expressão, já havia
grupos defendendo a volta dos milita-
res, com alusão ao Art.142 da Constitui-
ção, e atacando o STF. Eram poucos,
mas o suficiente para me assustar.
De lá para cá, as manifestações se ra-
dicalizaram. Hoje, apenas um grupo de
fanáticos se mantém usando a camisa e
portando bandeiras. Nosso presidente
irresponsável incentiva aglomerações
na porta do Palácio do Planalto, mas
cada vez menos gente comparece. Até
ônibus alugados surgiram, lembrando
muito a estratégia que esses mesmos
manifestantes chamavam no passado
de mortadela.
Por conta do isolamento, respeitado
por quem confia na ciência, não se vê
nenhuma demonstração pública pedin-
do o afastamento de Bolsonaro. Seus

crimes de responsabilidade são muitos
e frequentes, mas, por ora, só panelas e
hashtags para expressar nossa revolta.
Ou torcer para que o Congresso cum-
pra suas funções. Um dia, talvez.
Ao longo do caminho, nossa bandei-
ra e nosso hino foram sendo apropria-
dos pelo movimento de direita que cer-
ca Bolsonaro. Na última viagem ao exte-
rior, há um ano, me sentei ao lado de
um casal, todo de verde-amarelo, em
um restaurante. Confesso que fiquei in-
comodada. Não era mais uma identifi-
cação com nossos Ronaldos, era o bol-
sonarismo representando o Brasil.
Nunca senti vergonha de um presiden-
te como tenho agora.
Mesmo antes da pandemia, ele já
despontava como o pior líder do mun-
do democrático. Preconceituoso, ho-
mofóbico, misógino, despreparado,
autoritário, debochado, desumano,
com nenhum apreço pela verdade e
pela Constituição. Seu terraplanis-
mo e negacionismo prejudicaram o
meio ambiente, afastando investido-
res do País. Com a crise da covid-19, a
afronta à ciência foi ao extremo, colo-
cando em risco a vida dos brasileiros.
Somos a piada do mundo.
Ando cada dia mais revoltada com o
uso de emojis e camisas por um grupo

de ultradireita que apoia seus atos
antidemocráticos. Até mastros da
bandeira servem para atacar os diver-
gentes.
Precisamos “desbolsonarizar” os
símbolos nacionais. No Twitter se
iniciou, esta semana, um movimen-
to para colocar a nossa bandeirinha
no perfil de cada um. Pus a minha no
meu e muita gente estranhou. Claro
que eu não tinha aderido ao “mito”,
mas mesmo correndo o risco de ser
cancelada pelos meus seguidores de-
mocratas, mantive ela lá. Nada de
“Ame-o ou deixe-o” novamente. O
Brasil é muito maior que Bolsonaro.
Na coluna da semana passada falei
de um Brasil do meu pai. Recebi mui-
tos comentários. Ouvi histórias co-
moventes de imigrantes, mas o mais
forte sentimento nas mensagens era
a saudade do Brasil.
Bolsonaro criou um país em que
não nos reconhecemos. E com ra-
zão, nosso País é melhor do que isso
que está aí.
Em tempo: eu não sabia que a co-
munidade romena era tão grande
por aqui.

]
ECONOMISTA E ADVOGADA

Meu Brasil brasileiro


E-MAIL: [email protected]
ELENA LANDAU ESCREVE QUINZENALMENTE

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Adriana Fernandes
Emiliy Behnke / BRASÍLIA


Para evitar uma derrota no
Congresso Nacional, o presi-
dente Jair Bolsonaro pediu
apoio dos governadores ao ve-
to que aceitou fazer ao proje-
to de socorro a Estados e mu-
nicípios para proibir reajus-
tes no funcionalismo público
até o fim de 2021.
O veto é um compromisso do
presidente ao ministro da Eco-
nomia, Paulo Guedes, mas o pre-
sidente está dando tempo para
mais gratificações à Polícia Fe-
deral e contratação de agentes
da Polícia Rodoviária Federal
(PRF). Como antecipou o Esta-
dão, governadores já aproveita-
ram o tempo para aumentar sa-
lários e criar gratificações, o
que será inviável depois que Bol-
sonaro sancionar a lei que repas-
sa diretamente a prefeitos e go-
vernadores R$ 60 bilhões.
Em videoconferência com go-
vernadores, em tom mais pacífi-
co do que o usual, o presidente
confirmou que vai vetar a possi-
bilidade de reajustes para algu-
mas categorias e defendeu um
trabalho conjunto com governa-
dores e prefeitos para evitar a
derrubada do veto pelo Con-
gresso Nacional.
A demora na sanção deixou
descontente o ministro Guedes
e sua equipe, que consideram o
congelamento uma medida de
ajuste importante como contra-
partida ao alívio de R$ 125 bi-
lhões com o projeto. Isso por-
que, além do repasse direto de
R$ 60 bilhões, há também no
projeto suspensão de dívidas
com a União e bancos oficiais.
Bolsonaro disse que congelar
reajustes é o “remédio menos
amargo” para o funcionalismo,
“mas de extrema importância
para todos os 210 milhões de
brasileiros”. Mas ele próprio,


durante a votação, deu aval para
“salvar” carreiras militares, co-
mo mostrou o Estadão.
A votação da Medida Provisó-
ria 918 que reestrutura as fun-
ções de chefia na Polícia Fede-
ral e prevê reajustes ao topo da
carreira deve ser votada antes
do veto. A MP cria 338 funções
comissionadas na Polícia Fede-
ral. O governo corre também pa-
ra convocar 600 novos aprova-
dos do concurso da Polícia Ro-
doviária Federal em 2018 por-
que, além dos reajustes, novas
contratações serão barradas
com o veto.
O presidente da Federação
Nacional dos Policiais Federais
(Fenapef), Luiz Antonio Bou-
dens, disse que a votação da MP
antes do veto do presidente é
necessária para evitar embate
jurídico mais tarde.

Pressa. Os governadores co-
braram do presidente o repasse
da primeira parcela do socorro
ainda até o fim do mês e que
Bolsonaro não vete o artigo do
projeto que permite também o
não pagamento das dívidas
com bancos privados e com os
organismos internacionais no
valor de quase R$ 10,7 bilhões.
Porta-voz dos Estados, o go-
vernador de Mato Grosso do
Sul, Reinaldo Azambuja
(PSDB), disse que a maioria dos
Estados é favorável ao veto do
reajuste salarial do funcionalis-
mo público até 2021. Mas al-
guns governadores ficaram des-
confortáveis em apoiar um veto
presidencial porque veem uma
relação pouco leal de Bolsonaro
com os chefes dos Estados.
O temor é que o presidente
debite na conta dos governado-
res o ônus político da proibição
dos aumentos.
O governador do Rio Grande
do Sul, Eduardo Leite, disse que
“da sua parte”, concorda com a
medida, porque não é o momen-
to de conceder aumentos que
não terão cobertura financeira.
Para Leite, a reunião com Bolso-
naro foi importante para o en-
tendimento, apesar de não ter
havido clareza de quando a lei
do auxílio a Estados e municí-
pios será sancionada. /
COLABORARAM BETH LOPES E
NICOLAS SHORES

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lGovernadores e prefeitos pode-
rão dar compensações temporá-
rias a médicos, bombeiros, agen-
tes de segurança e outros profis-
sionais envolvidos no combate à
pandemia do novo coronavírus,
mas ficarão proibidos de conce-
der aumentos permanentes de
salário até o fim de 2021. A ex-
pectativa é que Estados e municí-
pios economizem R$ 98,9 bi-
lhões com o congelamento de

salários do funcionalismo.
“Durante a calamidade, en-
quanto permanecem mazelas
trazidas pelo coronavírus, aumen-
tos relacionados à calamidade
estão permitidos”, disse o secre-
tário especial de Fazenda do Mi-
nistério da Economia, Waldery
Rodrigues. “Se o governador de-
sejar dar uma compensação a
um médico, bombeiro, profissio-
nal de segurança, será possível.”
Segundo o secretário, é preci-
so separar o que é conjuntural de
fatores estruturais. “No pós-coro-
navírus, é importante que haja
equilíbrio fiscal”, disse. / IDIANA
TOMAZELLI e ANDRÉ ÍTALO ROCHA

lCofre


Empresas tentam passar custo de demissão a Estados. Pág. B5}


Congelamento não


proíbe concessão de


bônus temporários


MARCOS CORREA/PR

Bolsonaro


pede apoio


para vetar


reajustes


R$ 60 bi
é a ajuda que o governo federal
promete repassar a Estados
e municípios para superar
as perdas com a pandemia
do novo coronavírus


Presidente defende ação com governadores


para evitar a derrubada do veto no Congresso


Acordo. Alcolumbre (E), Bolsonaro (C) e Maia (D) em reunião
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