O Estado de São Paulo (2020-05-22)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-2:20200522:
A2 Espaçoaberto SEXTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






Autoridades da cidade de Wu-
han, capital da província de
Hubei, na China, onde a pande-
mia do novo coronavírus co-
meçou, proibiram a caça e o
consumo de animais silves-
tres, em uma medida para
frear o comércio ilegal dessas
espécies. O documento gover-
namental estabelece padrões


para a criação dos animais per-
mitidos, reforça a supervisão
e a inspeção do consumo. É co-
mum encontrar em mercados
de animais silvestres espécies
como cobras vivas, morcegos,
tartarugas, ouriços e até mes-
mo filhotes de lobo.

http://www.estadao.com.br/e/wuhan

A


lguns países já estão
saindo da covid-19. Ou-
tros, como nós, estão
apenas entrando. O número
de óbitos e a destruição de ri-
queza são assustadores. En-
quanto não houver uma vaci-
na para impedir o contágio ou
um remédio para curar a en-
fermidade, permaneceremos
na incerteza. Não existe ainda
uma luz no fim do túnel.
A crise do coronavírus não
traz necessariamente fatos no-
vos, mas acelera processos de
mudança em curso, que apon-
tam para um novo cenário glo-
bal e uma nova agenda, que de-
verá incluir cinco tópicos prio-
ritários: o Estado, o neopopu-
lismo, a desigualdade, o bem
comum e a solidariedade.
O pêndulo da História está-
se movendo de um ponto de
mais globalização e menos Es-
tado para outro de menos glo-
balização e mais Estado. Isso
não quer dizer que globaliza-
ção volte para trás, mas que o
Estado será chamado a disci-
plinar os seus excessos e a as-
sumir novas responsabilida-
des. Há vários sinais nesse
sentido.
A própria pandemia mos-
trou que os governos terão
um papel mais ativo nos servi-
ços de saúde. Na economia, a
crescente rejeição ao estran-
geiro, sob a forma de bens ou
imigrantes, levou à interven-
ção do Estado, quer sob a for-
ma do protecionismo comer-
cial, quer pelo bloqueio da
imigração. Em vários países,
como no Chile, expressivas
demonstrações de rua clama-
ram por mais participação do
governo na previdência so-
cial, na saúde, na educação e,
por vezes, na própria indução
ao desenvolvimento. Por fim,
o Brexit mostrou a resistência
do Estado nacional diante da
transferência de poderes para
um ente supranacional.
O neopopulismo tornou-se
um ingrediente corrosivo da
democracia. Governantes e
partidos políticos não soube-
ram entender, assim como
dar uma resposta apropriada
e tempestiva aos profundos
deslocamentos provocados

pela globalização. Sem ter a
quem recorrer, a população
buscou em líderes populistas
as respostas simples, por ve-
zes falsas, para problemas
complexos, mediante uma co-
municação com as mídias so-
ciais. Mas, se é possível ele-
ger-se por meios digitais, é
impossível governar sem os
partidos políticos, sem a con-
ciliação de interesses e articu-
lação política que lhes são
próprias.
As transformações propor-
cionadas pela globalização
trouxeram, é verdade, pro-
gresso e prosperidade. Mas
acentuaram a distância entre
segmentos sociais, assim co-
mo entre nações ricas e po-
bres. A crise do coronavírus
explicitou a correlação entre
pobreza e contágio. Nos Esta-
dos Unidos, o salário real das
classes médias manteve-se es-

tagnado desde a década de


  1. As pesquisas de Tho-
    mas Piketty, nos arquivos fis-
    cais na França, revelaram que
    a desigualdade ao início do sé-
    culo atual é comparável à que
    existia em princípio do sécu-
    lo 19. Ou seja, em mais de
    dois séculos não se havia alte-
    rado a distribuição da riqueza
    entre os mais pobres e os
    mais ricos.
    O presidente Emmanuel
    Macron, em entrevista recen-
    te ao Financial Times, distin-
    guiu, na nova ordem em gesta-
    ção, duas esferas distintas.
    Uma é a da articulação entre
    os Estados em temas interde-
    pendentes, como saúde, edu-
    cação, mudanças climáticas,
    segurança, que chamou de
    bens comuns da humanidade.
    Esses temas serão objeto da
    cooperação entre os Estados,
    no âmbito de um sistema mul-
    tilateral revitalizado. A outra
    esfera se refere ao exercício
    da soberania e reflete a volta
    do Estado nacional e da geo-
    política, assim como à dispu-


ta hegemônica, em vários
campos, entre Estados Uni-
dos e China. Por isso defende
o fortalecimento da soberania
europeia, especialmente em
agricultura, em indústria de
ponta e tecnologia.
Por fim, como uma nota po-
sitiva, a nova agenda poderá
trazer de volta a solidarieda-
de para com o sofrimento e o
desemprego, agravados pela
pandemia. É crucial que a ge-
nerosidade seja canalizada pa-
ra efetivos programas sociais,
e não se esgote em compai-
xão e filantropia apenas.
Resta uma pergunta cen-
tral: como tais demandas ou
aspirações, algumas ainda em-
brionárias, poderão plasmar a
reorganização do mundo pós-
covid-19?
Os olhos voltam-se natural-
mente para as Nações Uni-
das. As circunstâncias, entre-
tanto, não são propícias para
replicar a experiência de êxito
da ONU. Não existe uma coa-
lização de países, como a que
se formou após a 2.ª Guerra
Mundial, sob a liderança de
Washington. Tampouco exis-
te uma visão de mundo com-
partilhada, nem mesmo para
a reforma do sistema atual.
Ao contrário, as duas gran-
des potências parecem movi-
das por um disputa hegemôni-
ca em torno de dois propósi-
tos, por enquanto irreconciliá-
veis : a China busca o reconhe-
cimento de sua emergência
econômica e tecnológica; os
Estados Unidos, pelo menos
sob Donald Trump, mostram-
se determinados a conter essa
emergência.
O novo momento sinaliza,
assim, uma tensão entre uma
cooperação multilateral volta-
da para temas de interesse co-
mum e interdependente e o ei-
xo bilateral da disputa de po-
der entre as duas grandes po-
tencias. A questão está em sa-
ber em que medida o eixo he-
gemônico bilateral abrirá es-
paço para a consolidação da
cooperação multilateral.

]
EMBAIXADOR, CONSELHEIRO
DE FELSBERG E ADVOGADOS

Ex-técnico cobra valores de
rescisão da última passagem
dele pela equipe mineira.

http://www.estadao.com.br/e/cruzeiro

CHINA


Wuhan veta venda de animal silvestre


A quarentena despertou o
padeiro que vive dentro de
nós. Para fugir do estresse
do isolamento, muitos colo-
cam a mão na massa.

http://www.estadao.com.br/e/podcast

l“O protocolo do Ministério da Saúde é tão bom que não foi assinado
por nenhum médico.”
DÉBORA ROCHA

l“Conheço amigos que tomaram e tiveram uma recuperação mais rápi-
da. Eu quero usar se for preciso.”
KIKA FRANKLIN

l“Enquanto isso, quem tem lúpus, como eu, e faz uso contínuo do
remédio não o encontra nas farmácias. Como a gente faz?”
PATRICIA MACHADO

l“É melhor tentar sobreviver ou morrer? E se for você ou alguém da
sua família? O presidente está completamente certo.”
LUZINETE OLIVEIRA

INTERAÇÕES

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

Crítico de cinema do Esta-
dão faz um passeio pelos
principais pontos turísticos
da cidade por meio de cenas
retratadas nas telas.

http://www.estadao.com.br/e/ny

Espaço Aberto


O


uso da cloroquina e da
hidroxicloroquina –
substâncias que
compõem medicamentos re-
gistrados na Anvisa para trata-
mento de outras doenças – no
combate à covid-19 vem provo-
cando intensa polêmica. Con-
tudo uma coisa é a discussão
científica, pautada no confron-
to entre modelos – que se de-
senvolve na base de argumen-
tos cuja conclusão depende de
evidências –, e outra, a discus-
são apaixonada, que se faz
com o emprego, deliberado ou
não, do discurso falacioso.
Muitos se valem de exem-
plos isolados de cura, fazendo
indevida generalização, sem
lastro indutivo, ou se utilizan-
do de dados que, por não te-
rem sido coletados aleatoria-
mente, acabam por compro-
meter a representatividade da
amostra, com igual prejuízo da
correção indutiva. Outros, a
partir de supostas evidências –
na verdade, simples coincidên-
cias entre o uso da substância
e a cura –, estabelecem indevi-
das relações causais, tudo para
justificar a utilização do medi-
camento fora da esfera de apli-
cação aprovada pela Anvisa.
Só mesmo no âmbito da ra-
cionalidade é que se pode bus-
car orientação segura para o
enfrentamento da pandemia,
que já matou cerca de 20 mil
brasileiros, condenando à mi-
séria expressiva parcela da po-
pulação. Deste ponto de vista,
há que ter em conta que a in-
serção dos medicamentos que
contêm a cloroquina e a hidro-
xicloroquina nos Protocolos
Clínicos e Diretrizes Terapêu-
ticas do SUS, visando ao trata-
mento da covid-19, depende
da prévia aprovação da Anvisa.
De fato, cabe à vigilância sa-
nitária o registro de droga ou
medicamento, o que depende
da comprovação científica e
da análise da segurança e eficá-
cia para o uso a que o fármaco
se propõe. Apenas produtos
médicos submetidos a pesqui-
sa aprovada pela Anvisa estão
dispensados do registro, o que
tem em conta o princípio da
beneficência: possíveis riscos
para o sujeito de pesquisa so-


mente se justificam à vista dos
benefícios do tratamento expe-
rimental. Razões bioéticas tam-
bém orientam o uso compassi-
vo, regulado pela Anvisa (RDC
n.º 38, de 12/8/2013), agência
que autorizou o emprego da
cloroquina e da hidroxicloro-
quina nas formas graves de co-
vid-19, a critério médico.
Ainda não há comprovação
científica nem análise de segu-
rança e eficácia no tratamento
da covid-19 quer da cloroquina
quer da hidroxicloroquina. A
avaliação da Anvisa, orientada
por metodologia científica, exi-
ge a indicação da finalidade e
do uso a que se destina o pro-
duto (o que inclui informações
sobre o desempenho que o fa-
bricante a ele atribui), assim
como de seus efeitos secundá-
rios, colaterais e contraindica-
ções, exame que se faz à vista
de dados de pesquisas clínicas

e inspeções feitas desde a pro-
dução até a comercialização do
produto (RDC 56, 6/4/2001).
Com isso se quer dizer que
não basta a convicção pessoal
sobre a segurança e eficácia da
cloroquina ou da hidroxicloro-
quina no tratamento da covid-
19, cabendo alertar que o uso
não autorizado poderá trazer
consequências na esfera da res-
ponsabilidade civil, no caso de
eventual insucesso ou de gra-
ves efeitos resultantes do uso
dessas substâncias. Diga-se
mais, se o tratamento não auto-
rizado pelas instâncias sanitá-
rias competentes for ministra-
do pelo poder público, respon-
derá o Estado, em tese, no caso
de agravamento ou morte (arti-
go 37, § 6.º, da Constituição).
No que respeita às relações
entre a administração pública
e seus agentes, pode configu-
rar-se, nas hipóteses menciona-
das, a prática de improbidade
administrativa, com uma série
de consequências jurídicas que
vão da imposição de multa, pas-
sando pela impossibilidade de

contratar com o poder públi-
co, até a perda da função públi-
ca e suspensão dos direitos po-
líticos. Não por acaso a preocu-
pação revelada na edição da
MP 966, de 13/5/2020, ao isen-
tar de responsabilidade o admi-
nistrador público que venha a
adotar determinada orienta-
ção técnica no enfrentamento
da emergência decorrente da
pandemia (exceção feita à hipó-
tese de dolo, erro grosseiro ou
conluio), independentemente
do resultado da conduta admi-
nistrativa, o que abre caminho
para a aprovação do uso da clo-
roquina e da hidroxicloroquina
também por medida provisó-
ria, com o que o SUS seria leva-
do a utilizá-las no tratamento
da covid-19.
A relação entre racionalida-
de científica e racionalidade
política, um dos temas cen-
trais da sociologia do conheci-
mento, compõe o pano de fun-
do dessa discussão. É preciso
entender o que move a defesa
intransigente do uso da cloro-
quina e da hidroxicloroquina
no tratamento da covid-19, so-
bretudo quando se sabe que,
se se confirmar a tendência de
aumento exponencial do nú-
mero de enfermos, muitos não
terão efetivo acesso ao siste-
ma de saúde, situação que se
pode agravar com o uso indis-
criminado daquelas substân-
cias, que comprovadamente
têm risco de sérios efeitos se-
cundários ou colaterais.
O certo é que a ciência,
quando se submete a injun-
ções de ordem política ou a de-
terminado projeto político, ca-
pitula. As sucessivas exonera-
ções no Ministério da Saúde
talvez possam ser interpreta-
das nesse contexto. É inegável
também – para repetir frase
atribuída a Galileu Galilei –
que a verdade é filha do tem-
po, e não da autoridade. Suce-
de que o tempo, neste período
de imagens sombrias e narrati-
vas distópicas, conspira contra
todos nós, brasileiros.

]
MESTRE E DOUTOR EM DIREITO
(USP), PROFESSOR DA PUC-SP,
É DESEMBARGADOR DO TJSP

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
JOSÉ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1988)
JULIO DE MESQUITA NETO (1948-1996)
LUIZ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1997)
RUY MESQUITA (1947-2013)

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]
Luiz Sergio Fernandes de Souza


Tema do dia


Jogadores dos rivais argenti-
nos doaram camisas para
nova campanha.

http://www.estadao.com.br/e/camisas

Cloroquina,


ciência e poder


Somente no âmbito
racional se pode buscar
orientação segura para
enfrentar a pandemia

A agenda global


pós-covid-


Tópicos prioritários:
Estado, neopopulismo,
desigualdade, bem
comum e solidariedade

AMÉRICO DE CAMPOS (1875-1884)
FRANCISCO RANGEL PESTANA (1875-1890)
JULIO MESQUITA (1885-1927)
JULIO DE MESQUITA FILHO (1915-1969)
FRANCISCO MESQUITA (1915-1969)

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R$ 5,50 (SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 8,00 (DOMINGO).
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E R$ 9,50 (DOMINGO). BA, SE, PE, TO E AL: R$ 8,
(SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 10,50 (DOMINGO). AM, RR,
CE, MA, PI, RN, PA, PB, AC E RO: R$ 9,00 (SEGUN-
DA A SÁBADO) E R$ 11,00 (DOMINGO)
PREÇOS ASSINATURAS: DE SEGUNDA A DOMINGO


  • SP E GRANDE SÃO PAULO – R$ 134,90/MÊS. DEMAIS
    LOCALIDADES E CONDIÇÕES SOB CONSULTA.
    CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL: 3,65%.


Cloroquina: 8 Estados


devem resistir ao


novo protocolo


Documento do Ministério da Saúde
permite uso do medicamento em
pacientes com quadro leve de covid-

]
Sergio Amaral

GIULIA MARCHI/THE NEW YORK TIMES CINEMA

No estadao.com.br


FUTEBOL

Mano pede R$ 5,3 mi
ao Cruzeiro na Justiça

ARGENTINA

Camisas de Boca e
River viram máscaras
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