O Estado de São Paulo (2020-05-22)

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B8 Economia SEXTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


PEDRO


DORIA


O


Senado Federal realiza hoje
sua reunião de líderes para de-
finir a pauta da semana que
vem. Um dos projetos que deve en-
trar é o PL 1429/2020. Uma Lei das
Fake News. De um lado, propondo o
texto, estão o senador Alessandro
Vieira (Cidadania-SE) e os deputa-
dos Tábata Amaral (PDT-SP) e Feli-
pe Rigoni (PSB-ES). Fazem parte da
nova e badalada geração de políticos,
todos muitos bem formados e dispos-
tos a trabalhar duro, estudando e se

dedicando à atividade parlamentar. Do
outro, críticos da lei, estão os irmãos Bol-
sonaro e seus parceiros, eleitos por um
movimento político que tem a desinfor-
mação no centro de sua estratégia. Não
parece difícil saber em que lado ficar.
Mas a Lei das Fake News, como está, é
uma ideia terrível. O primeiro problema
dela é que o texto foi escrito de forma
apressada. Na Câmara dos Deputados,
Tábata e Rigoni abriram para consulta
pública. No Senado, Vieira decidiu me-
ter o pé no acelerador. E, neste momen-

to, o Congresso Nacional está funcio-
nando sem comissões: os projetos vão
direto a plenário. Se os líderes o puse-
rem na pauta da semana, não terá havido
consulta pública nem debate interno.
Piora.
Boa parte dos parlamentares são víti-
mas de notícias falsas. Os Bolsonaro e
seus aliados não são benquistos. Eles
são daquele tipo de gente que recusa o
diálogo, que pede fechamento do Con-
gresso, e todos sabem que operam uma
máquina de criar estas notícias falsas.

A intenção dos autores é a melhor pos-
sível: afinal, o problema que enxergam é
real. A máquina de desinformação cria-
da por grupos políticos, que já cria um
ambiente de dano real à democracia,
em tempos de pandemia é pior. Ao con-
fundir desorienta as pessoas. Mata.

Só que o problema não é só brasilei-
ro – é mundial. Grupos populistas e
nacionalistas, em geral de direita, mas
nossos vizinhos venezuelanos lem-
bram sempre que também existem na
esquerda, estão tomando de assalto as
democracias por toda parte. E todos
têm por estratégia explorar as fraque-
zas das plataformas de comunicação
digital. Geram confusão e, na confu-
são, se infiltram. Ainda assim, há um
motivo para nem a União Europeia,
nem os EUA, terem ainda uma lei que
tente regulamentar fake news. É por-
que o problema é complexo.
O projeto em discussão no Senado
altera o Marco Civil da Internet. Hoje,
as plataformas não são responsáveis pe-
lo que cada um publica nelas. Em todas
as democracias é assim. Se virar lei, pas-
sarão a ser. A definição de desinforma-
ção é vaga – “conteúdo em parte ou no
todo, inequivocamente falso ou enga-
noso, passível de verificação, colocado
fora de contexto, manipulado ou forja-
do, com potencial de causar danos indi-

viduais ou coletivos, ressalvado o
ânimo humorístico”. Quem definirá
é cada juiz em cada caso. As platafor-
mas terão um incentivo a, na dúvida,
impor uma censura draconiana.
Liberdade de expressão não tem na-
da de trivial – é matéria para filósofos.
Definir quando algo tirado do contex-
to é do jogo ou não é, quando houve
intenção de enganar, decidir o que é
verificável, cada passo desses mergu-
lha em debates mil. O que este projeto
periga fazer, em nome de uma causa
justa, é instaurar a censura na inter-
net brasileira. Precisa ser discutido.
As plataformas não têm nada de
inocentes, são pouco transparentes.
Mas se especialistas têm uma convic-
ção, é a seguinte: a melhor arma con-
tra desinformação digital é ir atrás
de quem a financia. Tem gente pa-
gando pela fraude. Até lá, o melhor
caminho para este projeto é jogar
luz nele e deixar que a democracia
atue. Que se permita o debate públi-
co e aberto com a sociedade civil.

Negócios


Fernando Scheller
Mônica Scaramuzzo


As montadoras foram atingi-
das em cheio pela crise causa-
da pelo coronavírus. No Brasil,
a demanda por veículos pode
cair até 40% este ano, para 1,8
milhão de unidades. “Vamos
retroceder 15 anos”, afirmou
ontem Antonio Filosa, presi-
dente da Fiat Chrysler Auto-
móveis (FCA) para a América
Latina, durante a série de en-
trevistas ao vivo Economia na
Quarentena, do Estadão.
O executivo também afir-
mou que o grupo não tem “ne-
nhuma intenção” de deixar o
mercado brasileiro. Segundo
ele, a montadora manterá os
investimentos de R$ 14 bilhões
em novas fábricas, produtos e
serviços no País. Esses apor-
tes, que estavam previstos pa-
ra ser concluídos até 2024, de-
verão ser esticados até 2025.
A cadeia automotiva está
em negociações com o gover-
no e o Banco Nacional do De-
senvolvimento Econômico e
Social (BNDES) para negociar
liberação de crédito às empre-
sas do setor. “A Anfavea (asso-
ciação que reúne as montadoras)
está trabalhando com o gover-
no (para recursos para reforçar
o caixa) e recebendo respostas
positivas”, afirmou.
Leia, a seguir, os principais
trechos da entrevista.


lComo o sr. vê a demanda por
carros no País? Não se corre o
risco de alta de estoques?
É o “x” da questão. Tivemos,
em abril, queda de 90%, en-
quanto o mês de maio caminha
para retração de 70% a 75%. No
terceiro trimestre, a demanda
deve cair entre 40% e 50% e, no
quarto, de 20% a 30%. Assim,
devemos fechar o ano com ven-
da de 1,8 milhão de veículos,
queda de 40% sobre 2019. Va-
mos retroceder 15 anos no nos-
so mercado, na soma do ano.
Outro dado interessante é o da
produção. A de abril foi menos

de 2 mil unidades na indústria
automobilística toda. Um dado
tão baixo que leva a 1957.

lOu seja, pré-industrial...
Talvez essa seja a definição
perfeita. Com a Medida Provi-
sória 936, temos flexibilizado a
jornada e os salários. Nós não
vamos produzir todos os dias
da semana. Teremos produ-
ções e paradas alternadas de
acordo com a demanda.

lAlgumas montadoras já come-
çaram a vender carros para pa-
gar a primeira parcela em 2021.

Isso ajuda?
Também temos programas co-
merciais nesse sentido, até por-
que essa é uma crise global. De-
pendendo dos estímulos de re-
tomada da demanda e de co-
mo o governo se posiciona, a
crise pode se arrastar mais,
por até um ano e meio. Por is-
so, esses programas comer-
ciais foram colocados. A gente
protege o caixa do consumidor
que precisa comprar o carro.

lAté agora, o BNDES só concre-
tizou a ajuda às aéreas, que vai
ser subsidiada. Como está a ne-

gociação com as montadoras?
No começo da crise, identifica-
mos dois problemas. O do tra-
balho e da flexibilização da jor-
nada e o de caixa. O problema
do trabalho foi resolvido. Já o
segundo problema está em
aberto. A receita caiu de forma
dramática. É problema das
montadoras, fornecedores e
concessionárias. É uma cadeia
de 7 mil empresas, que empre-
ga 1,2 milhão de pessoas.

lE o BNDES vai exigir contrapar-
tida das montadoras? A Fiat está
preparada para assumir compro-

missos?
O diálogo foi iniciado há mais
ou menos um mês e teremos
reuniões finais em alguns dias.
É uma situação sem preceden-
tes, porque empresas globais
não têm como compensar o ris-
co de um país com outra re-
gião do mundo. A Anfavea está
trabalhando com o governo e
recebendo respostas positivas.
Mas até agora não houve ne-
nhuma resposta concreta.

lO BNDES disse que vai exigir
que as empresas assumam o
compromisso de ficar no Brasil...
A FCA, independentemente
dessa mesa de negociação, nun-
ca teve objetivo de sair do Bra-
sil. Estamos no meio de um
plano de investimento de R$
14 bilhões para o Brasil e a
América Latina. Revimos o
tempo. Dentro do plano até
2024, já perdemos entre três e
seis meses. O plano, que come-
çou em 2018, continua em pé,
mas com o ‘timing’ postergado
entre 6 e 12 meses. Agora, esta-
mos pensando em terminar o
plano em 2025.

lComo é explicar para a matriz
o fato de o Brasil viver a crise do
coronavírus e uma crise política?
Eu tenho a vantagem de fazer
parte do conselho global de ad-
ministração da empresa, que
se reúne todos os meses. O
nosso acionista italiano tam-
bém viveu no Brasil e conhece
muito bem o País, incluindo a
capacidade única da economia
brasileira de se reinventar de-
pois de crises. E isso é associa-
do ao nosso histórico de bons
resultados tanto no Brasil
quanto na América Latina.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


A Caixa Econômica Federal te-
ve lucro líquido recorrente de
R$ 3 bilhões no primeiro trimes-
tre de 2020, cifra 7,5% inferior
em relação ao mesmo período
de 2019. A pandemia de corona-
vírus já se refletiu em pelo me-
nos um elemento dos resulta-
dos do banco público. Com for-


te atuação em ações de comba-
te à crise, a Caixa conseguiu re-
verter a trajetória da sua cartei-
ra de crédito, que apresentava
tendência de queda.
O saldo de empréstimos do
banco teve alta de 2% no primei-
ro trimestre ante um ano, totali-
zando R$ 699,6 bilhões. O ban-
co público informou que inje-
tou mais de R$ 154 bilhões na
economia desde o início da pan-
demia. Desse total, os dois maio-
res aportes foram para capital
de giro de micro, pequenas e mé-
dias empresas (R$ 60 bilhões) e
para o crédito imobiliário (R$

43 bilhões).
Como a Caixa detém quase
70% do crédito imobiliário no
País, o presidente do banco, Pe-
dro Guimarães, explicou que es-
se segmento acaba ditando o rit-
mo de expansão da carteira do
banco. Ele ressaltou, no entan-
to, que a crise interfere direta-
mente na modalidade, por cau-
sa do crescimento do desempre-
go. “É o mercado que define o
crescimento da carteira da Cai-
xa porque não vamos focar em
crédito para grandes empre-
sas”, disse o executivo.
O retorno sobre o patrimô-

nio líquido (ROE, na sigla em
inglês) do banco público foi de
14,4% ao fim de março, com cres-
cimento de 2 pontos porcen-
tuais em um ano. Já o seu índice
de Basileia, que mede quanto
um banco pode emprestar sem
comprometer o seu capital,
atingiu 18,7% ao fim de março,
ante 19% ao fim de dezembro,
recuo de 0,3 ponto porcentual.

Provisões. Ao contrário do
que fizeram os outros bancos, a
Caixa decidiu não reforçar suas
provisões para calotes por con-
ta da pandemia do novo corona-

vírus porque já havia construí-
do um “colchão” adicional de
R$ 3,2 bilhões. “Realizamos to-
das as provisões que acháva-
mos necessárias”, disse o vice-
presidente da Caixa, Gabriel

Dutra, depois da apresentação
de resultados da instituição fi-
nanceira.
As despesas com provisões
para devedores duvidosos da
Caixa totalizaram R$ 2 bilhões
no primeiro trimestre, redução
de 28,8% ante os três meses an-
teriores – também na contra-
mão da concorrência.
Em caso de emergência, o pre-
sidente da Caixa sinalizou que o
banco pode recorrer aos R$ 10
bilhões que receberá por parce-
rias com o setor de seguros. Se-
gundo Guimarães, somente
uma crise de dois ou três anos
afetaria o banco público. “Te-
mos receitas, mais de R$ 10 bi-
lhões a reconhecer. Somos con-
servadores.” / ALINE BRONZATI

ENTREVISTA


Executivo reafirmou


compromisso do grupo


com o País, mas disse


que cronograma de


investimento vai atrasar


lEstratégia

Caixa avança em crédito, mas vê lucro trimestral cair 7,5%


‘Crise do coronavírus fará o setor de


veículos retroceder 15 anos no Brasil’


Uma lei ruim para


fake news


A intenção dos autores da Lei
das Fake News é boa, mas ela
pode instaurar censura na rede

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PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

“É o mercado que define o
crescimento da carteira da
Caixa porque não vamos
focar em crédito para
grandes empresas.”
Pedro Guimarães
PRESIDENTE DA CAIXA

Ganhos foram de R$ 3 bi


de janeiro a março; na


contramão do mercado,
banco não ampliou


reservas para calotes


JOSE PATRICIO/ESTADÃO–6/11/2018

‘Queda dramática’. Filosa, da FCA, diz que vendas vão cair até 75% neste trimestre e devem fechar ano com baixa de 40%

Antonio Filosa, presidente da Fiat Chrysler Automóveis (FCA) para América Latina

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