O Estado de São Paulo (2020-05-22)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-6:20200522:
A6 Política SEXTA-FEIRA, 22 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ELIANE CANTANHÊDE
Excepcionalmente, a
coluna não é publicada hoje.

Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA


O Supremo Tribunal Federal
(STF) decidiu ontem impor li-
mites ao alcance da medida
provisória editada pelo presi-
dente Jair Bolsonaro que
criou um “salvo-conduto” pa-
ra gestores públicos por even-
tuais irregularidades em atos
administrativos relaciona-
dos à pandemia do coronaví-
rus, como contratações frau-
dulentas ou liberação de ver-
ba sem previsão legal. A deci-
são representa nova derrota
para o Palácio do Planalto.


Além disso, os ministros tam-
bém acompanharam o entendi-
mento do relator, ministro Luís
Roberto Barroso, e enquadra-
ram como “erros grosseiros”,
que podem ser punidos, medi-
das que contrariem critérios
científicos e técnicos estabeleci-
dos por organizações reconhe-
cidas nacional e internacional-
mente. Dessa forma, nada que
não seja comprovadamente se-
guro poderá ser executado.
A MP enviada pelo governo
prevê que agentes públicos, in-
cluindo o próprio presidente da
República, só poderão ser res-

ponsabilizados nas esferas civil
e administrativa se ficar com-
provada a intenção de fraude ou
“erro grosseiro”. Na prática, ao
reduzir o alcance da MP, o Su-
premo ampliou a possibilidade
de responsabilização de agen-
tes públicos. Ao agir assim, a
Corte descartou a hipótese de a
medida ser aplicada para atos
de improbidade administrativa.
“A Constituição não autoriza
ao presidente da República ou a
qualquer outro gestor público a
implementação de uma política
genocida na questão da saúde”,
disse na sessão o ministro Gil-

mar Mendes, em referência à
condução da crise causadao pe-
lo novo coronavírus.

Tubaína. Gilmar destacou a im-
portância de as decisões toma-
das por gestores se guiarem ao
máximo por padrões técnicos,
em especial por normas e crité-
rios científicos, entre eles as
orientações da Organização
Mundial da Saúde (OMS).
“Não podemos é sair aí a recei-
tar cloroquina e Tubaína. Não é
disso que se cuida. O relator dei-
xou isso de maneira evidente, é
preciso que haja responsabilida-
de técnica”, observou Gilmar.
Na última terça-feira, Bolsona-
ro brincou com o tratamento do
novo coronavírus. “Quem é de
direita toma cloroquina; quem é
de esquerda, Tubaína”, disse ele,
fazendo piada com o assunto.
A posição do STF, a favor de
critérios técnicos e científicos,
foi interpretada como um duro
recado contra o tratamento à ba-
se de cloroquina, defendido pe-
lo presidente no enfrentamen-
to da pandemia. Segundo a
OMS, o medicamento não tem
eficácia comprovada no comba-
te à covid-19.
Para o ministro Luiz Fux, o
“erro grosseiro” é “o negacionis-
mo científico voluntarista”.
“Temos diversos órgãos que

afirmam o que é eficiente e aqui-
lo que não é eficiente”, desta-
cou Fux.
O respeito à ciência também
foi defendido pelo ministro Ale-
xandre de Moraes. “A desconsi-
deração de tais critérios consti-
tui indício de erro grosseiro”,
afirmou Moraes. “Em que se pe-
se a incerteza existente da pan-
demia, pela novidade da covid-
19, (...) situação nunca vista nos
últimos 100 anos, há conceitos
científicos que estão sendo tra-
balhados. A ciência pesquisa pa-
ra balizar os gestores públicos”,
completou o magistrado.
Em maior ou menor grau, os
10 ministros que participaram
do julgamento votaram contra
os interesses do governo – o de-
cano da Corte, Celso de Mello,
não acompanhou a sessão. Mo-
raes e Cármen Lúcia defende-
ram a suspensão de trechos da
medida provisória, enquanto o
ministro Marco Aurélio Mello

foi o único que se posicionou
por derrubar todo o texto. Preva-
leceu, no entanto, o entendimen-
to de Barroso de dar uma inter-
pretação mais restritiva à medi-
da, sem anular trechos dela.

Estratégia. O julgamento mar-
cou uma mudança de estratégia
da Corte na análise de ações
consideradas sensíveis para o
Palácio do Planalto. Ao invés de
decidir sozinho, Barroso enca-
minhou os processos para julga-
mento pelo plenário, fazendo
com que o entendimento fosse
formado pelo colegiado.
Ao longo das últimas sema-
nas, ministros do STF impuse-
ram uma série de reveses ao go-
verno. Em um dos casos de
maior repercussão, Moraes sus-
pendeu a nomeação de Alexan-
dre Ramagem para a Polícia Fe-
deral, sob a alegação de “desvio
de finalidade”, já que o delegado
é amigo da família Bolsonaro.
Barroso, por sua vez, suspen-
deu um ato do presidente que
determinava a expulsão de fun-
cionários da Embaixada da Ve-
nezuela em Brasília. Antes, o mi-
nistro havia proibido o governo
de veicular campanha publicitá-
ria minimizando os riscos do co-
ronavírus ou sugerindo que a
população retornasse às suas
atividades.

Câmara do DF aprova


plano de saúde vitalício


Mateus Vargas / BRASÍLIA


A Câmara Legislativa do Distri-
to Federal aprovou anteontem
projeto de lei para estender a ex-
deputados distritais e parentes,
de forma vitalícia, a cobertura
do plano de saúde. O convênio é
da própria Câmara e atendia a
parlamentares por dois anos


após o fim do mandato. A medi-
da, aprovada por 16 votos a 24,
tornou o benefício permanente.
A emenda que permitiu o uso
vitalício do plano foi inserida pe-
la Mesa da Câmara Distrital em
projeto que tratava de mudan-
ças no custo e na forma de finan-
ciamento do convênio. A nova
regra prevê ampliar contribui-

ções dos beneficiários do Fun-
do de Assistência à Saúde da Ca-
sa. Conforme o texto aprovado,
têm direito ao benefício vitalí-
cio dependentes dos deputados
como cônjuge ou companheiro,
irmão, se portador de invalidez,
além de filhos e enteados.
Houve protestos de deputa-
dos após a votação e muitos dis-
seram que não tiveram acesso
ao texto. A análise do projeto já
havia sido adiada, mas, em ple-
na pandemia, voltou à pauta em
sessão que tratava de outros te-
mas. O fundo é alimentado com

6% do orçamento da Câmara pa-
ra despesas de “pessoal e encar-
gos sociais”. O valor equivale a
R$ 39 milhões em 2020, além de
contribuições de beneficiários.
Para ter direito à cobertura
após deixar a Câmara do DF, os
beneficiários devem ter ao me-
nos dois anos de contribuição.
Servidores comissionados po-
dem usar o plano por até um
ano após o desligamento.
Após críticas, quatro deputa-
dos distritais assinaram ontem
pedido de revisão da sessão que
aprovou a proposta.

Maia: eleição


pode ficar para


6 de dezembro


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Que classe é essa, companheiro?


l]
REGINA
DUARTE

BRASÍLIA

O presidente da Câmara, Rodri-
go Maia (DEM-RJ), disse on-
tem que há duas datas em dis-
cussão para o primeiro turno
das eleições municipais: 15 de
novembro ou 6 de dezembro.
Maia afirmou que deve conver-

sar sobre o assunto com o presi-
dente do Senado, Davi Alcolum-
bre (DEM-AP), no fim de sema-
na. Assim que houver maioria
para votar o adiamento, o Parla-
mento deverá definir a nova da-
ta com o Tribunal Superior Elei-
toral (TSE). “Sou radicalmente
contra prorrogação de manda-
to”, disse Maia. / CAMILA TURTELLI

l‘Política genocida’

Governo tem


sofrido derrotas


UE restringe bagagens, serviços de bordo e obriga uso de máscaras em voos. Pág. A8 }


A


o aceitar o convite do presi-
dente Jair Bolsonaro para
ocupar a Secretaria Especial
da Cultura, eu tinha plena cons-
ciência de que minha gestão seria
alvo de críticas. Essa certeza, no en-
tanto, nunca me desencorajou. Ao
contrário, assumi a missão com a
firme convicção de que, para contri-
buir com a cultura brasileira, teria
que enfrentar interesses entrin-
cheirados em ideologias cujo ana-
cronismo não parece suficiente pa-
ra sepultá-las.
Não são as críticas, portanto, que
me surpreendem. O que me causa
espanto, isto sim, é a total ausência
de substância das sentenças conde-
natórias que me dirigem na praça
pública das redes sociais – esse po-

tente megafone usado por grupos orga-
nizados dentro e fora da classe artística.
Não me vi no centro de um debate
acalorado sobre a relevância de uma po-
lítica pública voltada para as artes, o
que seria natural, dado o papel que de-
sempenhei como formuladora de dire-
trizes nessa área.
Em vez de uma discussão franca,
que seria saudável, por mais altos que
fossem os decibéis, o que identifiquei
foi só a ação coordenada de apedrejar
uma pessoa que, há mais de meio sécu-
lo, vem se dedicando às artes e à drama-
turgia brasileira.
Recuso-me a responder às manifes-
tações de desaprovação vociferadas
pelos mais exaltados. Há críticas que
são refratárias ao argumento racional
exatamente por extrapolarem qual-
quer juízo. Elas vicejam apenas no ter-
reno pantanoso da maledicência. Re-
cuso-me a adentrar essa arena onde
meus pretensos algozes se movimen-
tam com desenvoltura.

Minha resposta tem sido a serenida-
de que deriva de uma paz de espírito
que só pode ter quem age de acordo
com sua consciência, fiel a seus princí-
pios, sem se vergar diante de pressões,
sem se preocupar em agradar ou desa-
gradar a este ou àquele.
Não acredito que a campanha insi-
diosa que mirou a minha cabeça e o
meu coração tenha tido um componen-
te de ordem pessoal. Com o Brasil irre-
mediavelmente polarizado, o posto de
projeção que ocupei parece ter servido
de instrumento a enfurecidos gladia-
dores entrincheirados nos dois extre-
mos do espectro político.
Tenho sido criticada à esquerda e à
direita, o que me coloca numa posição
intermediária dessa régua imaginária.
Não é um lugar de conforto. Sei disso
porque foi onde sempre estive, inde-
pendentemente das circunstâncias.
Nos anos 80, na pele da Viúva Porci-
na e integrante do elenco da novela
Roque Santeiro, enfrentei a censura

nos primórdios da redemocratiza-
ção. Fui aplaudida.
Duas décadas mais tarde, não me abs-
tive de alertar a sociedade sobre a
ameaça que representaria para o País
um governo de matiz notoriamente so-
cialista. Fui vaiada.
O que mais lamento é a insistência
em querer separar os brasileiros, en-
quadrando-os em bastiões irreconci-
liáveis. Lamento não por mim, vítima
da vez dessa escaramuça empobrece-
dora. Lamento pelo Brasil.
Amo meu país, sim, e tenho deixado
isso sempre bem claro, a ponto de, nu-
ma recente entrevista à TV, ter canta-
do a conhecida marchinha dos anos
70, que fala de “todos ligados na mes-
ma emoção”. Nada a ver com defesa da
ditadura, como quiseram alguns, mas
com o sonho de brasilidade e união
que venho defendendo ao longo de to-
da a minha vida.
E me desculpo se, na mesma oca-
sião, passei a impressão de que teria

endossado a tortura, algo inominá-
vel e que jamais teria minha anuên-
cia, como sabem os que conhecem
minha história. Dito isso, não será o
veneno destilado nas redes sociais
que me fará silenciar nem renegar
amor à minha pátria.
O que mais me dói é ver o Brasil à
mercê de uma ignóbil infodemia,
termo cunhado para designar a
pandemia de informações tenden-
ciosas em que conta o viés de quem
as veicula e não o factual isento,
não a verdade.
O País precisa de uma política cul-
tural que transcenda ideologias. Foi
isso o que tentei colocar de pé quan-
do acedi colaborar diretamente
com o governo federal. Num país
que tivesse nas comunicações uma
elite pensante que não optasse pelo
“quanto pior, melhor”, esse era o tra-
balho que deveria estar sob os holo-
fotes da opinião pública – nunca a
minha pessoa.

]
ATRIZ E SECRETÁRIA ESPECIAL DA
CULTURA

Artigo


“A Constituição não
autoriza ao presidente ou a
qualquer gestor público a
implementação de política
genocida na Saúde.”
Gilmar Mendes
MINISTRO DO SUPREMO

Nas últimas semanas, deci-
sões individuais de minis-
tros do Supremo impuse-
ram reveses ao Planalto. Em
um deles, o ministro Alexan-
dre de Moraes suspendeu a
nomeação de Alexandre Ra-
magem – próximo da família
Bolsonaro – para o coman-
do da Polícia Federal. O mi-
nistro Luís Roberto Barro-
so, por sua vez, suspendeu
ato de Bolsonaro que deter-
minava a expulsão de funcio-
nários da embaixada da Ve-
nezuela em Brasília. Antes,
o próprio Barroso proibiu o
governo de veicular qual-
quer campanha contra o iso-
lamento social em meio à
pandemia do novo coronaví-
rus. Em outra derrota do go-
verno, a Corte decidiu que
Estados e municípios têm
autonomia para adotar medi-
das contra a covid-19.

PARA LEMBRAR

FELLIPE SAMPAIO /STF (21/05/2020)

Supremo é a favor


de limitar MP que


dá ‘salvo-conduto’


Corte impõe nova derrota ao Planalto; posição é vista como recado


contra tratamento à base de cloroquina, defendido por Bolsonaro


Plenário virtual.
Ministro Dias Toffoli
durante sessão por
videoconferência
Free download pdf