O Estado de São Paulo (2020-05-23)

(Antfer) #1

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O ESTADO DE S. PAULO SÁBADO, 23 DE MAIO DE 2020 Política A


Decano vê


possível


crime de


Weintraub


Durante reunião, ministro da Educação cita


Supremo ao dizer que ‘botava todos na cadeia’


O ministro do Meio Ambiente,
Ricardo Salles, afirmou na reu-
nião ministerial que é preciso
aproveitar a “oportunidade”
que o governo federal ganha
com a pandemia do coronavírus
para “ir passando a boiada e mu-
dando todo o regramento e sim-
plificando normas”. Segundo


Salles, a cobertura da imprensa
focada em covid-19 daria “um
pouco de alívio” para a adoção
de reformas infralegais de regu-
lamentação e simplificação.
“A oportunidade que nós te-
mos, que a imprensa não tá... tá
nos dando um pouco de alívio
nos outros temas, é passar as re-
formas infralegais de regula-
mentação, simplificação, todas
as reformas que o mundo intei-
ro nessas viagens que se referiu
o Onyx, certamente cobrou de-
le, cobrou do Paulo, cobrou da
Teresa, cobrou do Tarcísio, co-
brou de todo mundo, da... da se-

gurança jurídica, da previsibili-
dade, da simplificação, essa...
grande parte dessa matéria ela
se dá em portarias e norma dos
ministérios que aqui estão, in-
clusive o de Meio Ambiente.”
Segundo o ministro, o Meio
Ambiente é “o mais difícil” de
passar “qualquer mudança infra-
legal” porque “tudo que a gente
faz é pau no Judiciário, no dia
seguinte”. “Então pra isso preci-
sa ter um esforço nosso aqui en-
quanto estamos nesse momen-
to de tranquilidade no aspecto
de cobertura de imprensa, por-
que só se fala de covid e ir passan-

do a boiada e mudando todo o
regramento e simplificando nor-
mas”, afirmou. “De Iphan, de Mi-
nistério da Agricultura, de Minis-
tério de Meio Ambiente, de mi-
nistério disso, de ministério da-
quilo. Agora é hora de unir esfor-
ços pra dar de baciada a simplifi-
cação regulam... é de regulató-
rio que nós precisamos, em to-
dos os aspectos.”
Salles recomenda deixar a Ad-
vocacia-Geral da União (AGU)
de “stand by” para responder às
ações judiciais que podem ser
acionadas após a adoção das me-
didas de simplificação e descar-

ta a possibilidade de enviar as
propostas para o Congresso.
“Não precisamos de Congres-
so. Porque coisa que precisa de
Congresso, também, nesse fu-
zuê que está aí, nós não vamos

conseguir aprovar. Agora tem
um monte de coisa que é só pare-
cer, caneta. Sem parecer tam-
bém não tem caneta, porque dar
uma canetada sem parecer é ca-
na. Então, isso aí vale muito a
pena. A gente tem um espaço
enorme pra fazer.”

Desburocratizar. O Estadão
procurou o ministro. Salles dis-
se: “Sempre defendi desburocra-
tizar e simplificar normas, em to-
das as áreas, com bom senso e
tudo dentro da lei. O emaranha-
do de regras irracionais atrapa-
lha investimentos, a geração de
empregos e, portanto, o desen-
volvimento sustentável no Bra-
sil”. / R.M.M., J. L,, J.S., A.P., P.R.N.,
B.G., M.G., R.M. e P.O.

O ministro Celso de Mello,
do Supremo Tribunal Fede-
ral (STF), apontou na deci-
são em que levanta sigilo da
reunião ministerial do dia 22
de abril aparente “prática cri-
minosa” cometida pelo minis-
tro da Educação, Abraham
Weintraub. No trecho desta-
cado pelo decano, Weintraub
afirma: “Por mim, botava es-
ses vagabundos todos na ca-
deia. Começando no STF”.
Segundo o decano, a “gravíssi-
ma aleivosia” feita por Wein-
traub, “num discurso contume-
lioso e aparentemente ofensivo
ao patrimônio moral” dos mi-


nistros, põe em evidência que
tal afirmação configuraria possí-
vel delito contra a honra (como
o crime de injúria). Mello ainda
determinou que se oficie todos
os ministros do STF sobre o fa-
to, enviando a eles cópia de sua
decisão, para que possam, “que-
rendo, adotar as medidas que
julgarem pertinentes”.
No último mês de abril, Wein-
traub postou uma publicação
irônica contra a China, insi-
nuando que o país asiático sai-
ria “fortalecido” da crise causa-
da pelo coronavírus. Não foi só:
afirmou que a China segurou in-
formações sobre a pandemia pa-

ra vender respiradores e másca-
ras a preço de leilão. O ministro
também fez piada com o sota-
que dos chineses, comparan-
do-o ao do personagem “Ceboli-
nha”, criado por Maurício de
Sousa. Weintraub chegou a
usar uma imagem dos persona-
gens da Turma da Mônica am-
bientada na Muralha da China e
quase provocou uma crise diplo-
mática. Em razão disso, o STF
determinou a abertura de in-
quérito por racismo contra ele.
Desgastado no governo,
Weintraub ficou ainda mais en-
fraquecido com a divulgação do
vídeo. Ao se definir como um
ministro “do grupo mais ligado
com a militância”, Weintraub
admitiu que continuava “mili-
tando” e se queixou de “intrigas
palacianas”, além da “agenda
própria” de muitos colegas. Em-
bora não tenha dito a palavra
Centrão, ele não escondeu a
contrariedade com as negocia-
ções políticas em andamento.
“A gente tá conversando com
quem a gente tinha que lutar.
(...) Fico escutando esse monte
de gente defendendo privilé-
gio, teta (...) Negócio. Emprésti-
mos. A gente veio aqui para aca-
bar com tudo isso, não para
manter essa estrutura”, insistiu
o ministro da Educação. A cena
provocou mal-estar e constran-
gimento no Planalto, embora
Bolsonaro tenha concordado
ali com o raciocínio do auxiliar.
“O que o Weintraub tá falando


  • eu tô com 65 anos – (é que) a
    gente vai se aproximando de


quem não deve. Eu já tenho que
me policiar no tocante a isso
daí. São pessoas aqui em Brasí-
lia, dos três Poderes, que não
sabem o que é povo”, observou
presidente na reunião.

Ataques. Integrante da ala
ideológica do governo, que tem
o escritor Olavo de Carvalho co-
mo guru, Weintraub é alvo do
núcleo militar do Planalto. Nos
últimos dias, os ataques a ele au-
mentaram nas redes sociais
após sua resistência em adiar o
Exame Nacional do Ensino Mé-
dio (Enem). Na quarta-feira, po-
rém, o governo confirmou que
o Enem será postergado em um
ou dois meses – de novembro
para dezembro ou janeiro de
2021 –, por causa da pandemia
do novo coronavírus.
A decisão, porém, expôs mais
um capítulo da queda de braço
dentro do governo. Bolsonaro
teve de enquadrar Weintraub
após ser informado pelo presi-
dente da Câmara, Rodrigo Maia
(DEM-RJ), de que seria derrota-
do no Congresso se insistisse

em manter a data do Enem. O
episódio serviu para irritar ain-
da mais o presidente. Bolsonaro
tem se aborrecido com o minis-
tro da Educação há algum tem-
po, mas vem adiando uma deci-
são mais assertiva sobre o desti-
no do auxiliar. Um dos motivos
é porque tem apreço pessoal
por Weintraub e, principalmen-
te, pelo irmão dele, Arthur, que
é seu assessor na Presidência.
O problema é que Weintraub
tem comprado várias brigas den-
tro e fora do governo. O minis-
tro foi contra, por exemplo, en-
tregar a presidência e diretorias
do Fundo Nacional de Desenvol-
vimento da Educação (FNDE),
que tem orçamento de R$ 29,
bilhões neste ano, a partidos do
Centrão. Bateu o pé enquanto
pôde, obrigando Bolsonaro a
lhe dar um ultimato: ou aceitava
ou tinha de sair. Ele cedeu.
Ainda durante a reunião,
Weintraub diz que “odeia” o ter-
mo povos indígenas. “Ele tá que-
rendo transformar a gente nu-
ma colônia. Esse país não é...
odeio o termo ‘povos indígenas’,
odeio esse termo. Odeio. O ‘po-
vo cigano’. Só tem um povo nes-
se País. Quer, quer. Não quer, sai
de ré. É povo brasileiro. Pode ser
preto, pode ser branco, pode ser
japonês, pode ser descendente
de índio, mas tem que ser brasi-
leiro, pô! Acabar com esse negó-
cio de povos e privilégios”, afir-
mou. / AMANDA PUPO, RAFAEL
MORAES MOURA, JULIA LINDNER,
MARCELO GODOY, VERA ROSA,
PEPITA ORTEGA e RAYSSA MOTTA

N


as imagens da reunião ministerial de
22 de abril, revelou-se aquilo que pa-
recia o grande segredo da República,
o que deveria estar longe nos olhos de to-
dos, porque transparece processos muito
secretos, que colocariam o mandato presi-
dencial em risco. Uma reunião ministerial é
um espaço de tomada de decisão. O analista
organizacional John Forester nos ensina
que ao olharmos uma reunião de tomada de

decisão, sempre devemos verificar qual a
agenda dos participantes, suas motivações,
interesses, desejos e intenções. Queremos
também saber dos aspectos econômicos,
custos dos projetos, benefícios a serem ge-
rados e possíveis efeitos adversos. Porém,
queremos saber mais do que isso; das alian-
ças que são formadas e quem é leal a quem.
Os trechos veiculados pouco se parecem
com uma reunião ministerial que precisa
debater a maior crise sanitária da história
do Brasil. Em meio aos diversos assuntos,
parece que o grupo reunido está em uma me-
sa de botequim, com uma linguagem que
remete o tempo todo para uma figura cen-
tral: o presidente da República. Bolsonaro,
confunde o que seria a sua persona com o

próprio País. Usa uma linguagem muito au-
tocentrada, cobrando lealdades a si. Alguns
deles respondem no mesmo tom, como o da
Educação, que também se coloca como víti-
ma de todos e que está a serviço do presiden-
te, indiretamente cobrando a mesma postu-
ra de seus colegas, e sendo muito agressivo.
Mostra uma postura belicosa em relação
aos demais poderes, falando que não é para
haver diálogo, mas enfrentamento, não sen-
do desautorizado pelo presidente.
Para um governo que precisa ampliar
apoios para buscar sustentação política no
Congresso, que precisa dialogar com gover-
nadores e prefeitos – que também apare-
cem sendo xingados no vídeo – para juntos
combaterem o problema mais desafiador

do país, a covid-19, o vídeo joga governo ain-
da mais no isolamento e tem potencial para
diminuir a sua reputação tanto interna, jun-
to aos que ainda o apoiam; quanto externa,
pela forma em que as questões públicas e
em relação a outros países são tratadas. A
serenidade é exigida para buscar saídas pa-
ra uma crise cada vez mais extensa com
enorme potencial de dano à vida das pes-
soas e a democracia. Tudo que não precisá-
vamos era mergulhar nessa crise política
nebulosa que aponta um dilema entre o im-
peachment e a tensão constante como sen-
do o execrável “novo normal”.

]
PROFESSORES DA FGV EAESP

l’Cana’

lNa prisão

‘Vende essa porra’,


diz Guedes sobre


o Banco do Brasil


]
ANÁLISE: Mário Aquino Alves e Marco Antonio Carvalho Teixeira

Reunião mostra clima


hostil que deve isolar


o governo ainda mais


“Sem parecer também não
tem caneta, porque dar
uma canetada sem parecer
é cana. Então, isso aí vale
muito a pena.”
Ricardo Salles
MINISTRO DO MEIO AMBIENTE

Salles recomenda aproveitar pandemia e ‘ir passando a boiada’


Ministro diz que momento


é ‘oportunidade’ para


mudar regramento,


simplificando normas e


legislações ambientais


GABRIELA BILO/ESTADÃO–21/1/

“Por mim, botava esses
vagabundos todos na cadeia.
Começando no STF.”

“A gente veio aqui para
acabar com tudo isso,
não para manter.”
Abraham Weintraub
MINISTRO DA EDUCAÇÃO

Sem freio. Weintraub atacou os ministros do STF e também disse odiar o termo ‘povos indígenas’: ministro tem comprado brigas dentro e fora do governo


Na reunião de 22 de abril, o mi-
nistro da Economia, Paulo Gue-
des, defendeu a privatização do
Banco do Brasil. Segundo ele,
embora um liberal, Rubem No-
vaes, comande a instituição, o
governo “não consegue fazer
nada” lá. “Tem que vender essa
porra logo”, disse Guedes, no
encontro. O economista tam-
bém recorreu a palavrões ao fa-
lar sobre como a legalização do
jogo pode ajudar o turismo.
“Aquilo não atrapalha nin-
guém. Deixa cada um se foder.
do jeito que quiser. Principal-
mente se o cara é maior, vacina-
do e bilionário.”
Para Guedes, o Banco do Bra-
sil “não é tatu nem cobra, por-
que ele não é privado, nem pú-
blico”. “Se for apertar o Rubem,
coitado. Ele é super liberal, mas
se apertar ele e falar: ‘Bota o ju-
ro baixo’, ele: ‘Não posso, senão
a turma, os privados, meus mi-
noritários, me apertam’. Aí se
falar assim: “bota o juro alto”,
ele: ‘não posso, porque senão o
governo me aperta’. O Banco do
Brasil é um caso pronto de priva-
tização”, afirmou o ministro.
Em seguida, Bolsonaro brin-
cou que seria preciso dispensar
o presidente do Banco do Brasil
na próxima reunião. Novaes
afirmou que o povo vê o BB co-
mo um “porto seguro”. Duran-
te a conversa, Guedes também
brinca que o presidente do ban-
co deveria “confessar o seu so-
nho” de privatizar a estatal.
Essa não é a primeira vez que
o ministro ataca os bancos pú-
blicos. Em maio de 2019, afir-
mou então que a função de um
banco público era passar seu ex-
cesso de receita para taxas de
juros menores e não dar lucro
como uma instituição privada.
“Se é pra dar lucro, privatiza lo-
go. Pra que eu vou ter um banco
com 21 mil agências no Brasil
todo para dar lucro máximo? Se
for pra isso, privatiza, vende,
funde com o Banco do Brasil”,
disse Guedes, mencionando a
Caixa Econômica Federal.
Em sua fala, o ministro ainda
expôs desentendimentos com
integrantes do governo que de-
fendiam um programa de obras
para solucionar a crise da pande-
mia do coronavírus. Para Gue-
des, o Programa Pró-Brasil é
“um desastre”. Ele criticou go-
vernadores que estão “queren-
do fazer a festa”, e ministros
“querendo aparecer”. “E todo
mundo vem aqui: ‘Vamos cres-
cer, agora temos que crescer,
tem que ter a resposta imedia-
ta, porque o governo vai gastar’.
O governo quebrou.” / R. M.M., J.
L,, J.S., A.P., P.R.N., B.G., M.G., R.M. e
P.O
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