O Estado de São Paulo (2020-05-23)

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A18 SÁBADO, 23 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Puxada pelo Brasil, América do Sul é


novo epicentro mundial da pandemia


●OMS alertou para a situação da covid-19 na América do
Sul, que tem o Brasil como país mais afetado

COMPARAÇÃO

PAÍS CASOS CONFIRMADOS MORTES

Brasil
Peru

Chile
Equador
Colômbia

Argentina
Bolívia
Venezuela

Paraguai
Uruguai
Guiana

Suriname
TOTAL

111.

61.
35.
18.

9.
5.
882

838
749
127

11

21.
3.

630
3.
652

419
215
10

11
20
10

1

330.

576.328 29.

FONTES: JOHNS HOPKINS E MINISTÉRIO DA SAÚDE INFOGRÁFICO/ESTADÃO

MICHAEL DANTAS / AFP

Guilherme Bianchini
João Prata


Com o Brasil com quase 60%
do número de casos e mortes
na região, a América do Sul é
um novo epicentro da covid-
19, de acordo com a Organiza-
ção Mundial da Saúde
(OMS). Ontem, o País che-
gou à marca de 21.048 mortos
e 330.890 infectados pelo no-
vo coronavírus. O Brasil regis-
trou 1.001 novas mortes em
24 horas, segundo o balanço
mais recente do Ministério
da Saúde. De quinta para sex-
ta, houve registro de 20.
novos casos de infecção. O
Brasil só está atrás dos Esta-
dos Unidos em óbitos diários
(o CDC americano registrou
ontem 1.089 óbitos).
O Brasil liderou nesta sexta-
feira o ranking de novos casos
de covid-19 no mundo. De acor-
do com o Ministério da Saúde,
mais 20.803 contaminações fo-
ram confirmadas nas últimas
24 horas, mais do que nos Esta-
dos Unidos (20.522) e além do
dobro da Rússia (8.894). Com
os números, o Brasil passou a
ser o segundo em infecções por
covid-19 no mundo, posto que
era ocupado pela Rússia
(326.448 relatos).
Até ontem, o Brasil respondia
por 57,2% dos 578.329 infecta-
dos na região e por 71,8% dos
28.318 mortos. O diretor do pro-
grama de emergências da OMS,
Michael Ryan, destacou que o
País é o local mais afetado da
região, e alertou para a situação
específica de alguns locais, co-


mo o Amazonas, que registra
uma das maiores taxas de inci-
dência. O Estado possui 612 in-
fectados a cada 100 mil habitan-
tes, número inferior apenas ao
do Amapá (613,4), segundo o Mi-
nistério da Saúde. A taxa de inci-
dência nacional da covid-19 es-
tá na faixa de 150. Especialistas
internacionais, como os do Im-
perial College, já apontam o Bra-
sil como o principal ponto de
difusão da doença (mais infor-
mações nesta página).
Para Nacime Salomão Man-
sur, superintendente da Asso-
ciação Paulista para o Desenvol-
vimento da Medicina (SPDM),
entidade responsável pela admi-
nistração de parte dos leitos do
Hospital de Campanha do
Anhembi, na capital paulista, o
número de casos e de mortes
assusta, mas era esperado. “O
que estamos vivendo agora
acontece pelas grandes densida-
des populacionais, por grande
parte da população se manter
sem o isolamento social e pela
nossa péssima distribuição de
renda”, comentou.
Segundo ele, a crise demorou
a avançar até por algumas deci-
sões governamentais. “Falando
especificamente sobre São Pau-
lo (epicentro brasileiro da doen-
ça), o Estado de certa maneira
cumpriu com o papel na tentati-
va de achatar a curva a tempo de
aumentar o número de leitos
hospitalares”, acrescentou. O
total de pessoas mortas por co-
vid-19 em São Paulo cresceu
3,8% em 24 horas, chegando a
um total de 5.773 óbitos.
Mario Rubens Vianna, presi-

dente do Sindicato dos Médi-
cos do Estado do Amazonas, diz
que não aguenta mais pedir aju-
da para o governo federal para
minimizar a crise. “Já disse inú-

meras vezes que o Brasil deve-
ria ter alguma preocupação es-
pecial com o Amazonas pela ex-
tensão territorial e pelo acesso
difícil a muitas cidades.”
O principal problema no mo-
mento, segundo ele, está na difi-
culdade em atender à popula-
ção das cidades do interior.
“Em muitos municípios afasta-
dos não há saúde pública de ní-
vel mínimo, falta qualificação
dos profissionais, é uma tragé-
dia. A consequência disso é a su-
perlotação dos hospitais da ca-
pital. A população dessas cida-

des menores migra em busca de
atendimento.”

Saídas. O diretor-geral da Or-
ganização Mundial de Saúde
(OMS), Tedros Adhanom Ghe-
breyesus, destacou a necessida-
de de “unidade nacional e soli-
dariedade global”, na luta con-
tra a pandemia de coronavírus.
Ghebreyesus destacou o fato de
que os sistemas de saúde sobre-
carregados provocam um au-
mento “dramático” nas mortes
evitáveis.
Para especialistas, o cenário
de contenção da epidemia en-
volve manter ou ampliar restri-
ções. Mansur prefere aguardar
os números da próxima sema-
na, antes de dizer se o lockdown
(bloqueio total) seria o próxi-
mo passo a ser dado para tentar
tirar o País do epicentro da pan-
demia. “Os feriados prolonga-
dos (em São Paulo) foram inte-
ressantes, vieram a calhar. Foi
uma forma inteligente de me-
lhorar o isolamento social. Se
na próxima semana for manti-
do a crescente no número de ca-
sos, vai ser necessário (o lock-
down). Mas o mais importante
agora é começar a fazer testa-
gem em larga escala.”
A presidente do Conselho Re-
gional de Medicina de São Pau-
lo, Irene Abramovich, também
menciona a testagem como
uma forma de ter a dimensão da
pandemia no País e conseguir
salvar vidas. “Não vou dizer que
(a pandemia) pegou a gente de
surpresa, mas chegou muito
rápido.” / COLABORARAM ÉRIKA
MOTODA e BRUNO RIBEIRO

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


O Imperial College, instituição
britânica com foco em ciência,
engenharia e medicina, divul-
gou estimativas preocupantes
em relação ao coronavírus no
Brasil. A taxa de contágio (Rt),
que indica para quantas pes-
soas em média cada infectado
transmite a covid-19, foi calcula-


da em 1,3. Qualquer número aci-
ma de 1 indica que a transmis-
são está fora de controle.
Além disso, o centro de epide-
miologia da universidade, refe-
rência no acompanhamento de
doenças transmissíveis, calcula
que 6.980 mortes ocorram nes-
ta semana, variando de 5.850 a
8.070. O número estimado é o
maior entre os 54 países com
transmissão de coronavírus ati-
va (ao menos cem mortes regis-
tradas desde o começo da pan-
demia e pelo menos dez mortes
nas últimas duas semanas).
Em pesquisa apoiada pela Fa-

pesp, a equipe do Imperial Col-
lege ainda analisou os cinco Es-
tados do Brasil com o maior nú-
mero de mortes. A estimativa é
a de que os níveis de infecção
populacional variam de 3,3%
em São Paulo a 10,6% no Amazo-
nas. Swapnil Mishra, da Escola
de Saúde Pública, disse que a
análise “mostra claramente
que medidas governamentais
brasileiras afetaram a redução”
da transmissão. “No entanto,
ao mesmo tempo, vemos que a
epidemia ainda não está sob
controle no Brasil e está se espa-
lhando. Esperamos que, com

mais medidas em vigor, o Brasil
possa conter a disseminação da
pandemia.”
Um estudo anterior do Impe-
rial College sobre o País, publi-

cado no dia 8, estimou à época
que o chamado número de re-
produção já estava acima de 1
em 16 Estados analisados, o que
significava que cada pessoa in-
fectada estava transmitindo a
doença para mais de uma, o que
fazia com que o número de ca-
sos novos fosse sempre maior.
Os autores alertaram que era
preciso tomar medidas mais
dramáticas. O lockdown (blo-
queio total) começou a ser reco-
mendado na época por vários
pesquisadores, enquanto o go-
verno federal desejava afrouxar
mais as medidas de isolamento

social.
“O número de casos está do-
brando, em média, a cada 12
dias. Em dois meses, nesse rit-
mo, vai crescer 30 vezes”, disse
nesta semana ao Estadão o ma-
temático Renato Pedrosa, pro-
fessor do Instituto de Geociên-
cias da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp), que
trabalha com modelagens da ex-
pansão da doença.
O pesquisador também desta-
cou a possibilidade de superar
os Estados Unidos em casos diá-
rios. “Não temos política coesa
do governo federal com Esta-
dos e municípios, cada um faz
uma coisa diferente. A situação
pode sair do controle completa-
mente.”

País responde por mais da metade dos infectados e dois em cada três mortos na região; alguns Estados, como o Amazonas, são mais


críticos e preocupam a Organização Mundial da Saúde. Ontem, voltaram a ser registrados mais de mil óbitos em um período de 24 horas


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Vírus pressiona


os principais


sistemas de saúde


Maior estudo feito no mundo aponta que cloroquina amplia risco de morte. Pág. A19 }


lNível de infecção

“Não vou dizer que (a
pandemia) pegou a gente de
surpresa, mas chegou muito
rápido.”
Irene Abramovich
PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL
DE MEDICINA DE SÃO PAULO

Manaus. O Estado possui 612 infectados a cada 100 mil habitantes, número inferior apenas ao do Amapá (613,4), segundo dados do Ministério da Saúde


O avanço do coronavírus tam-
bém preocupa outros países da
América Latina. Há relatos de
hospitais cheios no Peru e pres-
são sobre o sistema de saúde no
Chile, que também registra pro-
testos. No Equador, a doença
atingiu o sistema carcerário.
Os hospitais de Lima estão
prestes a entrar em colapso e
faltam equipamentos, pessoal,
camas, ventiladores, oxigênio e
outros suprimentos. “É como
um filme de terror, dentro (do
hospital) parece um cemitério,
os pacientes morrem em cadei-
ras de rodas”, disse o enfermei-
ro Miguel Armas, do Hospital
Hipólito Unanue, de Lima. O Pe-
ru ultrapassou a marca de 111
mil infecções e 3 mil mortes.
O México, segundo país mais
populoso da América Latina
com 126 milhões de habitantes,
tem 54 mil casos e 5.560 mortos.
Com 9 milhões de habitantes, a
capital é a região mais afetada,
com 16.758 infectados e 1.
mortes. A chefe do governo da
capital, Claudia Sheinbaum, dis-
se que 80% dos leitos estão ocu-
pados na Cidade do México.
A Argentina registrou mais
de 700 novos casos ontem e
tem um total de 10 mil infec-
ções, segundo informou o go-
verno. Pelo menos 90% das in-
fecções estão concentradas na
cidade de Buenos Aires e seu en-
torno, que reúne cerca de 14 mi-
lhões de pessoas. O total acumu-
lado de mortes aumentou para
419 no país.
O Chile, que vivenciou seis
meses de crise social antes da
pandemia, já ultrapassou a mar-
ca de 60 mil casos e protestos
em Santiago se espalharam pa-
ra denunciar a falta de comida.
“É uma grande batalha da qual
ninguém pode se distanciar”,
disse o ministro da Saúde Jaime
Mañalich, que alertou sobre o
risco de “pressão na rede de saú-
de” nos próximos dias.
O Equador, gravemente afeta-
do com mais de 35 mil casos e 3
mil mortos, enfrenta novo pro-
blema: dois terços dos presos
de um presídio estão infecta-
dos. As cidades mais afetadas
são o porto de Guayaquil e a ca-
pital, Quito. Com mais de 18 mil
casos e 652 mortes, a Colômbia
impôs o confinamento geral
desde 24 de março, e vê o vírus
prejudicando diversos setores
da economia, como a colheita
do café. / REUTERS, AFP e EFE

Metrópole

Imperial College fala em transmissão fora de controle


3,3%
da população de São Paulo teria
sido infectada até agora, confor-
me os estudos científicos. No ex-
perimento prático mais recente,
com testagem em seis bairros, o
valor ficou em 5%.
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