O Estado de São Paulo (2020-05-23)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-20:20200523:
A20 Metrópole SÁBADO, 23 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


FERNANDO


REINACH


É


fato que a infecção pelo
SARS-CoV-2 (o vírus) tem
efeitos distintos em diferen-
tes pessoas. Enquanto algumas rapi-
damente desenvolvem casos graves
de covid-19 (a doença), precisam
ser internadas e demoram para se
recuperar, a maioria tem casos mais
leves que podem ser tratados em ca-
sa. Além disso, sabemos que há pes-
soas que nem sequer apresentam
sintomas. O que ainda não se sabe é
se existem pessoas que são resisten-
tes, nem sequer são infectadas pelo
vírus. Como o vírus é novo entre se-
res humanos, os cientistas têm tra-
balhado com a hipótese mais prová-
vel de que todas as pessoas são víti-
mas potenciais e estão sujeitas a se-
rem infectadas. Entretanto, ainda
não foi demonstrado que todas as

pessoas podem ser infectadas ou que
não há pessoas resistentes. Como exis-
tem vírus da família SARS-CoV-2 que
causam o resfriado comum e outras
doenças entre nós, não é impossível
imaginar que a infecção por esses vírus
tenha tornado algumas pessoas imu-
nes ao novo coronavírus.
Essa informação é importante. Caso
exista uma população resistente, o nú-
mero potencial de infectados e o núme-
ro potencial de mortes durante a pan-
demia pode ser menor, e a ajuda do
fenômeno de imunidade do rebanho
pode vir mais cedo, com menos infecta-
dos e menos mortes. Lembre que ao
atingirmos a chamada imunidade de
rebanho (com 60 a 70% da população
já infectada) o vírus deixa de se espa-
lhar, mas os efeitos desse fenômeno
começam a ocorrer muito antes, dimi-

nuindo a velocidade de propagação.
Mas como descobrir se existe uma fra-
ção da população resistente ao vírus
antes de ter contato com ele?
A maneira mais simples é selecionar
ao acaso um número significativo de
pessoas, inocular todas com o vírus e
observar se todos se infectam. O pro-
blema desse experimento é que ele é
eticamente inaceitável e nunca será fei-
to. A segunda maneira é observar o des-
fecho da pandemia em uma população
que não pratica o isolamento social ou
adota medida de proteção. Apesar da

população de alguns países ou regiões
pobres em cidades com alta densidade
populacional se encontrarem pratica-
mente nessa condição, esse dado só se-
rá obtido no fim da pandemia.
A terceira maneira é estudarmos ex-
perimentos naturais, situações em
que uma população restrita recebe
uma alta dose do vírus. O Centro de
Controle e Prevenção de Doenças dos
EUA recentemente estudou um caso

desses. Em 10 de março, 61 pessoas de
um coro que cantavam em uma peque-
na igreja em uma cidade nos EUA se
reuniram para ensaiar. Durante 2h
cantaram juntas, lado a lado, espalhan-
do perdigotos. Comeram um lanche,
confraternizaram e voltaram a cantar.
O que não sabiam é que um deles esta-
va com sintomas de gripe. Na verdade,
era covid-19.
Na semana seguinte, 53 membros do
coro (87%) ficaram doentes, 3 foram
hospitalizados e 2 morreram. Esse é
um dos casos conhecidos em que uma
única pessoa doente infecta dezenas
em um único evento. Esse fenômeno
já é bem conhecido. Estudos na China
mostram que 10% das pessoas infecta-
das são responsáveis por infectar 80%
dos novos casos. Essa infecção em mas-
sa em um único evento pode ser vista
de duas maneiras. Podemos, com ra-
zão, ficar impressionados com o fato
de uma fração tão grande das pessoas
ter sido infectada, ou podemos nos per-
guntar por que nem todas foram infec-
tadas. Será que entre elas estariam pes-
soas resistentes?
Experimentos como este só são in-
formativos quando todas as pessoas
presentes foram infectadas. Nesse ca-

so, o experimento sugere que não
existem pessoas resistentes e pode-
mos calcular a probabilidade de elas
existirem, mas não estarem repre-
sentadas no evento que foi analisa-
do. Quando nem todos foram infec-
tados, como no caso desse coro, a
explicação mais simples é que todos
são suscetíveis, mas nem todos fo-
ram infectados.
O fato é que até hoje não há evi-
dências de que existem pessoas re-
sistentes ao SARS-CoV-2, mas tam-
pouco temos certeza de que essas
pessoas não existem. Mas confesso
que gostaria que elas existissem. Se
elas existirem, o tamanho do reba-
nho a ser imunizado pelo vírus ou
pela vacina é menor e a pandemia
vai durar menos e será menos letal.

]
MAIS INFORMAÇÕES: HIGH SARS-COV-
ATTACK RATE FOLLOWING EXPOSURE AT
A CHOIR PRACTICE - SKAGIT COUNTY,
WASHINGTON, MARCH 2020. MMWR MORB
MORTAL WKLY REP 2020;69:606-
HTTP://DX.DOI.ORG/10.15585/MMWR.MM
19E

É BIÓLOGO

Belo Horizonte vai reabrir


comércio na segunda-feira


E-MAIL: [email protected]

Bruno Ribeiro
José Maria Tomazela


A taxa de isolamento social
na capital paulista na quinta-
feira ficou em 52%, melhor
índice para uma quinta desde
março. Os dados foram divul-
gados ontem pela Secretaria
Estadual de Desenvolvimen-
to Econômico e Social, e é re-
sultado do feriadão decreta-
do pelas autoridades munici-
pais para tentar frear o avan-
ço do coronavírus. O feriado
deve ir até segunda-feira – na
madrugada de ontem, a As-
sembleia Legislativa de São
Paulo aprovou projeto de lei
que antecipa para segunda o
feriado de 9 de Julho.
Enquanto a taxa de isolamen-
to da capital chegou a 52%, no
Estado, foi menor – de 49%, uma
vez que as demais cidades não
anteciparam o feriado, como foi
feito na capital. Os índices ainda
estão bem abaixo do que as auto-
ridades de saúde do Estado con-
sideram como ideal para evitar
um colapso do sistema de saú-
de: 70%.
A covid-19 se espalha pelo inte-
rior do Estado: dos 645 municí-
pios paulistas, 500 já têm regis-
tros da doença, o que equivale a
77,5% do território. O total de
pessoas mortas por covid-19 em
São Paulo cresceu 3,8% em 24 ho-
ras, chegando a um total de 5.
óbitos, segundo informou a Se-
cretaria Estadual da Saúde on-
tem. Foram mais 215 mortes re-
gistradas em um só dia. O total
de casos confirmados da doença
aumentou de 73.793 para 76.871.
O aumento do número de
doentes pressiona o sistema de
saúde. Ao todo, 74,7% dos leitos
em Unidades de Terapia Inten-
siva (UTIs) do Estado reserva-
dos para pacientes infectados
pelo novo coronavírus estão


ocupados. Na Grande São Pau-
lo, a situação é mais próxima da
lotação: 91,4% das vagas já estão
preenchidas, de acordo com a
secretaria. “Há 11,6 mil pacien-
tes internados em São Paulo,
sendo 4.433 em UTIs e 7.176 em
enfermaria. Até o momento, já
ocorreram 15.296 altas de pa-
cientes que tiveram confirma-

ção de covid-19 e foram assisti-
dos em hospitais”, informou o
governo estadual.

Feriado e litoral. Para tentar
conter o avanço da doença, a As-
sembleia Legislativa aprovou a
antecipação do feriado de 9 de
Julho para segunda-feira – a me-
dida vai valer para todo o Esta-
do. Na votação, deputados com
base política no litoral protesta-
ram contra a medida, sustentan-
do que feriados implementados
na capital levaram a um aumen-
to de fluxo em direção a estân-
cias turísticas nos últimos dias.
Com bloqueios em seus aces-
sos por terra e as praias fecha-
das por tapumes para barrar tu-

ristas durante o feriado na capi-
tal, a cidade de São Sebastião,
no litoral norte de São Paulo,
registrou ontem a morte de
uma pessoa pela doença – mas
em alto-mar.
A vítima, um homem de 47
anos, estava em um barco de pes-
ca com outros 23 pescadores e
tripulantes, quando passou mal.
A Marinha acionou o serviço mu-
nicipal de emergência, mas o pa-
ciente morreu na madrugada de
quarta-feira. A causa da morte
foi confirmada nesta sexta-fei-
ra. Esse é o terceiro óbito pela
doença na cidade, que tem 324
casos positivos.
De acordo com a prefeitura, o
barco pesqueiro Águia Dourada

IX, proveniente de Itajaí, litoral
de Santa Catarina, estava a três
horas da costa de São Sebastião,
quando o Serviço de Atendimen-
to Móvel de Urgência (Samu)
foi acionado pela Marinha, às 23
horas de terça-feira.
Ao chegar para atendimento,
os profissionais do Samu cons-
tataram que o tripulante tinha
morrido e, como ele havia apre-
sentado sintomas gripais, o ca-
so foi tratado como suspeito da
doença. “A equipe de saúde rea-
lizou todo procedimento reco-
mendado para situações rela-
cionadas à covid-19”, infor-
mou a prefeitura.
Como os demais tripulantes
não apresentavam quadro de sín-

drome gripal ou outros sinto-
mas, após videoconferência
com a Marinha, Vigilância Epide-
miológica e Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa), foi
decidido pelo retorno do barco e
tripulação para a cidade catari-
nense. Em São Sebastião, o óbi-
to foi registrado como o primei-
ro importado – os dois anterio-
res foram de moradores locais.
A cidade, que tem um dos
maiores índices de isolamento
do Estado, instalou bloqueios
nos acessos desde a quarta-feira
para coibir a entrada de turistas.
O acesso de veranistas está proi-
bido em todas a praias – e algu-
mas estão fechadas com cercas e
tapumes.

Leonardo Augusto
BELO HORIZONTE
ESPECIAL PARA O ESTADO

Mais de dois meses depois de
ter a atividade econômica redu-
zida por causa da pandemia do
novo coronavírus, Belo Hori-
zonte vai reabrir o comércio na
segunda-feira, com horário pre-
fixado de funcionamento de lo-
jas para controlar a circulação
de pessoas pela cidade, restri-
ção no número de clientes nos
estabelecimentos e obrigatorie-
dade do uso de máscaras.
O retorno envolve salões de
beleza, com horário marcado,
lojas do setor de varejo, como
móveis, shoppings populares e
papelarias. Bares e restauran-

tes estão fora da fase inicial de
reabertura, assim como shop-
pings. O anúncio foi feito on-
tem pelo comitê de infectologis-
tas da prefeitura. O fechamento
do comércio ocorreu em 18 de
março.
O prefeito Alexandre Kalil
(PSD) não participou da apre-
sentação do programa de rea-
bertura. O médico Jackson Ma-

chado, que integra o comitê, ad-
mitiu temor em relação à reto-
mada. “O momento me traz um
pouco de medo. Não sabemos o
que vai acontecer.”
O acompanhamento para
manter a reabertura ou para in-
terrompê-la, caso necessário,
vai considerar o nível de trans-
missão da doença e o número
de leitos específicos para pa-
cientes de covid-19 em UTI e en-
fermaria. Segundo Machado, ca-
so os índices levados em conta
para o plano de reabertura pio-
rem, pode ocorrer até lock-
down (bloqueio total).
Atualmente, o nível de trans-
missão é de 1,09. O alerta, para
esse índice, ocorre quando o pa-
tamar chega a 1,20. Os outros
dois indicadores, leitos de UTI
e de enfermaria específicos pa-
ra covid-19, estão hoje em 40%
e 34%, respectivamente. A cida-
de tem hoje 1.280 casos de co-
vid-19 e 36 mortes.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


UFRJ recomenda


bloqueio total no Rio


Foi a melhor taxa para uma quinta, mas ainda inferior à necessária para evitar um colapso do sistema de saúde; 91,4% dos leitos estão cheios


lGrupo de risco
Funcionários dos estabelecimen-
tos com retorno autorizado que
têm mais de 60 anos, são diabéti-
cos, hipertensos, ou seja, que
fazem parte do grupo de risco,
estão proibidos de retornar.

lQuarentena
Na semana que vem, após o feria-
dão, a Prefeitura de São Paulo e
o governo do Estado devem anun-
ciar as mudanças da atual qua-
rentena, prevista para terminar
no dia 31 de maio.

Estrangeiros no Brasil esperam meio de voltar para casa. Pág. A21 }


Roberta Jansen/ RIO


Pesquisadores do Instituto Al-
berto Luiz Coimbra de Pós-Gra-
duação e Pesquisa de Engenha-
ria, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ),
estimam que o pico da epide-
mia no Rio será no início de ju-
nho e recomendam lockdown
(bloqueio total) no Estado para
evitar um colapso total do siste-


ma de saúde. A conclusão foi al-
cançada com base em um mode-
lo matemático desenvolvido na
Coppe/UFRJ.
Segundo os pesquisadores, o
número de infectados no Esta-
do poderá chegar a 40 mil no
pico da pandemia, previsto pa-
ra a primeira quinzena de ju-
nho. O modelo foi configurado
levando em conta que cada pes-
soa infectada pode transmitir o
vírus para outras 2,46 pessoas,
em média. O estudo inclui so-
mente os casos de covid-19 con-
firmados pela Secretaria de Es-
tado de Saúde do Rio de Janei-
ro. O modelo estima que o nú-
mero de casos de covid-19 con-
firmados no período de pico de-

verá chegar a cerca de 40 mil
casos notificados, levando em
consideração que apenas 9%
dos casos são notificados. O nú-
mero de óbitos poderá chegar a
30 mil ao fim da pandemia, caso
se mantenha o cenário atual, no
qual apenas cerca de 50% da po-
pulação fluminense segue as
orientações de confinamento.

O que ainda não se sabe é
se existem pessoas que são
resistentes ao vírus

Marginal do Pinheiros. Municípios do litoral temem fluxo de turistas da capital durante o feriado prolongado; cidade teve aumento da taxa de isolamento

Isolamento fica em 52%; SP terá feriado


Distanciamento. ONG doa
botijões de gás na Rocinha

PILAR OLIVARES/REUTERS

Pesquisadores estimam


pico no início de junho e
preveem 40 mil


infectados no Estado no


auge da epidemia


O tamanho do rebanho


FELIPE RAU/ESTADÃO
Free download pdf