O Estado de São Paulo (2020-05-23)

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O ESTADO DE S. PAULO SÁBADO, 23 DE MAIO DE 2020 Especial H3


Marca romena que pertence à francesa Renault é focada em


carros de baixo custo, como Sandero, Logan e Duster


A SIMPLICIDADE


QUE DEU CERTO


DACIA,


1 livro por semana*


JornaldoCarro


MARIA FERNANDA RODRIGUES ESCREVE AOS SÁBADOS

l]


U


ma das grandes crueldades
do nosso tempo é a impossi-
bilidade de uma despedida
aos nossos mortos. E isso me faz lem-
brar de uma passagem de A Mulher
dos Pés Descalços, livro que Scholasti-
que Mukasonga escreveu em home-
nagem à mãe. “Quando eu morrer,
quando vocês perceberem que eu
morri, cubram o meu corpo. Nin-
guém deve ver o corpo de uma mãe”,
costumava dizer Stefania às filhas.
As que estavam com ela durante um
dos maiores genocídios da história
não puderam fazer isso nem enter-
rá-la. Morreram junto. Da família de
Scholastique, de etnia tutsi, foram
assassinadas 37 pessoas, incluindo
ao menos duas dezenas de crianças.
O genocídio de Ruanda deixou cerca
de um milhão de mortos. Isso tudo
aconteceu dia desses, em 1994.
Scholastique e um de seus irmãos
não estavam mais lá. Eles tinham si-

do ‘escolhidos’ para sobreviver e para
manter viva a história de uma família
que existiu sob a sombra de uma morte
que, era certo, chegaria violenta.
Vivendo na França, Scholastique
Mukasonga estreou na literatura em
2006 com Baratas. Autobiográfico, o li-
vro foi publicado aqui em 2018, um ano
depois que ela emocionou a plateia da

Flip. Baratas, cujo título remete ao mo-
do como os hutus chamavam os tutsis,
faz um bom panorama da vida em Ruan-
da. Cronológica, a obra, que ela chamou
de seu “túmulo de papel”, retrata não só
o terror que pairava sobre as pessoas (e
os treinamentos feitos pela mãe para
tentar garantir a sobrevivência dos fi-
lhos), mas a miséria, a humilhação, os

deslocamentos a pé ou como gado em
caminhões, a sede, a fome, o medo e a
dor. Conta também sobre sua volta ao
país natal e, apesar de supertriste, tem
momentos de humor. “No gueto de Nya-
mata também conheci dias felizes du-
rante minha infância. E eles devem ser
preciosamente preservados”, disse em
entrevista à época do lançamento aqui.

Sóbrios. Os modelos da fabricante tinham linhas conservadoras, caso do sedã 1300 (à esquerda e à direita), que evoluiu muito pouco ao longo dos anos; o SuperNova (centro) é de 1999


NOOR KHAMIS/REUTERS

Igor Macário


No Brasil, a Dacia começou a fi-
car conhecida com o lançamen-
to do Logan, vendido aqui com
o emblema da Renault desde



  1. Mas a marca romena tem
    muita história. Ela surgiu em
    1966, batizada como Uzina de
    Autoturisme Pitesti, uma alu-
    são ao nome da cidade escolhi-
    da para a instalação da fábrica,
    localizada nas proximidades de
    Bucareste, capital da Romênia.
    Desde a fundação, a marca já
    tinha relações próximas com a
    Renault. O primeiro modelo, o
    Dacia 1100, era, na verdade, um
    Renault 8 produzido sob licen-
    ça. Da mesma forma, na sequên-
    cia a fabricante adquiriu da em-
    presa francesa o maquinário pa-
    ra fabricação do 1130, que nada
    mais era que o Renault 12 ligeira-
    mente reformulado. A propósi-
    to, o Renault 12 serviu como ba-
    se também para o primeiro
    Ford Corcel produzido no País.
    O 1300 seria a espinha dorsal
    da Dacia nas décadas seguintes.
    O modelo foi passando por di-
    versas modificações, e ganhou
    variações como uma perua e
    uma picape. Esta última se cha-
    mava 1302 e teve pouco mais de


2 mil unidades produzidas en-
tre 1975 e 1982.

Carro ‘comunista’. Nos anos
1980, a marca chegou a produ-
zir o Dacia 2000, uma versão
própria do Renault 20, mas em
quantidades limitadas. O Da-

cia 2000 foi vendido apenas
nas cores azul ou preta, e todas
as unidades foram destinadas à
elite do Partido Comunista ro-
meno. A Dacia chegou a fechar
contrato para produzir tam-
bém o Renault 18, mas o negó-
cio foi desfeito.

Na segunda metade dos anos
1980, a fabricante romena encer-
rou os contratos com a Renault e
manteve a produção apenas das
variantes do 1300. Nessa época,
a empresa chegou a desenvolver
até uma perua com oito lugares
baseada na mesma plataforma.

Uma das características do mo-
delo, batizado de 1310 Maxi-
Break, era a enorme distância en-
tre as portas dianteira e traseira,
separadas por cerca de meio me-
tro. Mas também não teve suces-
so comercial: apenas 12 unida-
des foram produzidas.
A Dacia só iria mostrar um no-
vo veículo em 1994, com o lança-
mento do Nova, seu primeiro
projeto próprio. Como o carro
teve um lento processo de de-
senvolvimento, iniciado em
1983, ao ser lançado o modelo
chegou defasado e ficou em pro-
dução apenas até 1999.
Nesse mesmo ano, a empresa
apresentou o SuperNova. Ele
foi o primeiro carro lançado pe-
la marca depois da compra da
Dacia pela Renault, efetivada
em 1999. O modelo ainda seria
atualizado em 2003 e rebatiza-
do como Solenza, mas só vive-
ria até 2005. O Solenza já com-
partilhava alguns itens com o
Clio, como as rodas de algumas
versões e partes da cabine. Uma
curiosidade é que o motor 1.9 a
diesel era incompatível com o
sistema de ar-condicionado.
Por isso, nenhuma versão era
equipada com o item.

Revolucionário. Ainda em
2005, a Dacia lançou o Logan,
carro que revolucionou a histó-
ria da montadora. O modelo ha-

via sido projetado pela Renault
para ser produzido pela Dacia,
que virara marca de baixo custo
do grupo. O projeto empregava
a plataforma B0, a mesma do
Clio, mas trazia simplificações
com o objetivo de torná-lo mais
barato. O enfoque estava no me-
lhor aproveitamento de espaço


  • até hoje um dos pontos fortes
    não apenas do sedã, mas de to-
    dos os seus derivados.
    Inicialmente, a Renault não
    pretendia vender o Logan na Eu-
    ropa Ocidental, mas o sucesso
    foi tanto que os planos foram
    revistos. O carro ganhou o mun-
    do, sendo produzido também
    em países como Brasil, Índia,
    Irã, Colômbia, Rússia e África
    do Sul.
    Depois do Logan, vieram o
    hatch Sandero e o SUV Duster,
    todos também muito bem-suce-
    didos ao redor do mundo e pro-
    duzidos no Brasil. Em outros
    países, a base deu origem ainda
    à perua MCV, à minivan Lodgy
    e ao furgão Dokker. Todos são
    baseados na mesma platafor-
    ma, mas em configurações espe-
    cíficas para cada aplicação.
    O sucesso colocou a marca
    sob os holofotes mundiais. Atual-
    mente, os veículos da Dacia vêm
    recebendo motores novos e a
    marca se prepara para lançar seu
    primeiro elétrico, o Spring, ba-
    seado no Renault Kwid.


Emblema original.
Na Europa, Duster
não tem o losango
da Renault

Nyamata. Homenagem aos mortos 20 anos depois do massacre

BARATAS
Autora:
Scholastique
Mukasonga
Trad.: Elisa
Nazarian
Editora: Nós
(192 págs.;
R$ 40; em breve
em e-book)

BABEL

l Os últimos dias de Beckett
A Nós adquiriu os direitos de ‘Le Tiers
Temps’, romance de estreia de May-
lis Besserie que ganhou o Goncourt
este ano e que conta de forma ficcio-
nalizada os últimos tempos de vida
de Samuel Beckett, quando ele mo-
rou em um asilo em Paris.

l No calor da hora
Oficina Raquel lança em agosto livro
de produções ficcionais e poéticas
sobre a quarentena. Entre os 30 auto-
res estão Silviano Santiago, José Ro-
berto Torero, Maria Teresa Horta, Hen-
rique Rodrigues e Leonardo Tonus.

l O leitor como protagonista
A FTD apresenta na próxima semana
três títulos e sua parceria com a star-
tup Dentro da História: ‘Agora Eu Sou’
(Januária Cristina Alves), ‘Que Confu-
são! Perdi Meu Bicho de Estimação’
(Tino Freitas) e ‘Uma Amizade Assus-
tadora’ (Maria Amália Camargo).

Túmulo de papel


FOTOS DACIA
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