O Estado de São Paulo (2020-05-23)

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A8 Política SÁBADO, 23 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


REUNIÃO COM


DESTEMPERO


VERBAL E PITOS


‘Tirem as conclusões de como falo com
ministros’, disse Bolsonaro, antes do vídeo

BRASÍLIA


O vídeo da reunião no Palácio
do Planalto, divulgado por de-
cisão do ministro do Supre-
mo Tribunal Federal (STF)
Celso de Mello, é considera-
do uma peça-chave nas inves-
tigações que apuram as acusa-
ções, feitas pelo ex-juiz Sér-
gio Moro, de que o presidente
Jair Bolsonaro tentou interfe-
rir na Polícia Federal. Entre
ameaças, ofensas e pala-
vrões, as imagens mostram o
chefe do Executivo cobrando
mudanças no governo e fazen-
do pressão sobre Moro e os
demais auxiliares.
Na reunião, ocorrida no mês
passado, Bolsonaro afirmou
que já havia tentado trocar “gen-
te da segurança nossa no Rio de
Janeiro”, e que não teria conse-
guido. “E isso acabou. Eu não
vou esperar foder a minha famí-
lia toda, de sacanagem, ou ami-
gos meu, porque eu não posso
trocar alguém da segurança na
ponta da linha que pertence à
estrutura nossa. Vai trocar! Se
não puder trocar, troca o chefe
dele! Não pode trocar o chefe
dele? Troca o ministro! E ponto
final! Não estamos aqui pra
brincadeira”, disse o presiden-
te da República.
Bolsonaro alega que se referia
à sua segurança pessoal, que é
feita pelo Gabinete de Seguran-
ça Institucional (GSI), e não pe-
la PF. De acordo com a transcri-
ção feita pela PF, o ministro do
GSI, Augusto Heleno, não fez ne-
nhuma intervenção nesse mo-
mento. Reportagem do Jornal
Nacional, veiculada na semana
passada, mostrou que o presi-
dente fez alterações – e até pro-
moveu servidores – em sua segu-
rança pessoal semanas antes da
reunião sem dificuldade.
Moro, por sua vez, afirma que
a reunião seria uma prova da ten-
tativa de Bolsonaro de interferir
no órgão. O ex-ministro também


entregou aos investigadores tro-
ca de mensagens no celular.
Ao levantar o sigilo do vídeo,
Celso de Mello não fez juízo de
valor sobre esse trecho da reu-
nião. O ministro, por outro lado,

apontou “aparente prática crimi-
nosa” na fala do ministro da Edu-
cação, Abraham Weintraub, que
disse que “botava esses vagabun-
dos todos na cadeia. Começando
no STF”.

De acordo com a transcrição,
Moro falou pouco no encontro,
não questionou as declarações
do presidente e limitou-se a pe-
dir que o plano de recuperação
social e econômica Pró-Brasil
também abordasse questões de
segurança pública e de controle
de corrupção.
Durante a reunião com o pri-
meiro escalão do governo, Bol-
sonaro reclamou que não pode
ser “surpreendido com notí-
cias”. “Pô, eu tenho a PF que
não me dá informações”, recla-
mou o presidente na ocasião.
No encontro, o presidente
afirmou que não esperaria o
“barco começar a afundar pra
tirar água” e que, portanto, iria
interferir em todos os ministé-
rios. “A pessoa tem de enten-

der. Se não quer entender, pa-
ciência, pô! E eu tenho o poder e
vou interferir em todos os mi-
nistérios, sem exceção”, disse
Bolsonaro. “E não dá pra traba-
lhar assim. Fica difícil. Por isso,
vou interferir! E ponto final, pô!
Não é ameaça, não é uma extra-
polação da minha parte. É uma
verdade”, completou o presi-
dente, olhando para o lado on-
de estava Moro.

Próximos passos. Com a divul-
gação do vídeo, a investigação
vai se concentrar agora em no-
vos depoimentos que serão reco-
lhidos na semana que vem. O em-
presário Paulo Marinho presta-
rá depoimento na terça-feira, às
9 horas, no Rio de Janeiro. O em-
presário acusa o senador Flávio

Bolsonaro (Republicanos-RJ)
de ter recebido informações va-
zadas da Operação Furna da On-
ça. Ele já depôs à PF e ao Ministé-
rio Público Federal, mas no âm-
bito de outra investigação.
Bolsonaro deverá ser o último
a prestar depoimento no proces-
so e, por ser presidente da Repú-
blica, pode enviar as respostas
por escrito. Caberá ao procura-
dor-geral da República, Augusto
Aras, decidir se vai apresentar
ou não uma denúncia contra o
chefe do Executivo. O STF preci-
sa de aval da Câmara para anali-
sar uma eventual denúncia con-
tra o presidente. /AMANDA PUPO,
JUSSARA SOARES, RAFAEL MORAES
MOURA, FAUSTO MACEDO, PEPITA
ORTEGA, PAULO ROBERTO NETTO,
JULIA LINDNER, BIANCA GOMES

Ao criticar o isolamento social
como medida de combate ao no-
vo coronavírus, o presidente
Jair Bolsonaro chamou o gover-
nador de São Paulo, João Doria
(PSDB), de “bosta”, e o governa-
dor do Rio, Wilson Witzel
(PSC), de “estrume”.
“O que esses caras fizeram
com o vírus, esse bosta desse
governador de São Paulo, esse
estrume do Rio de Janeiro, en-


tre outros, é exatamente isso”,
disse Bolsonaro durante a reu-
nião ministerial do dia 22.
No Twitter, Doria criticou o
tom da reunião ministerial e os
ataques de Bolsonaro. “O Brasil
está atônito com o nível da reu-
nião ministerial. Palavrões, ofen-
sas e ataques a governadores, pre-
feitos, parlamentares e ministros
do Supremo demonstram desca-
so com a democracia, desprezo

pela Nação e agressões à institu-
cionalidade da Presidência da Re-
pública”, afirmou. “Lamentável
exemplo em meio à maior crise
da saúde da história do País e
diante de milhares de vítimas.”
Chamado de “estrume” por
Bolsonaro, Witzel reagiu, tam-
bém com mensagem postada
nas redes sociais. Ele disse que o
presidente o chama em vídeo do
ele “próprio se vê.” “A falta de

respeito de Bolsonaro pelos po-
deres atinge a honra de todos.
Sinto na pele seu desapreço pela
independência dos poderes. E
espero que num futuro breve o
povo brasileiro entenda que, do
que ele me chama, é essencial-
mente como ele próprio se vê.”
Aliados durante a eleição de
2018, Witzel e Bolsonaro rom-
peram no ano passado, depois
que o presidente passou a dizer

que o governador quer ser can-
didato em 2022.
Anteontem, Bolsonaro fez
uma reunião com os 27 governa-
dores para discutir a ajuda do
socorro emergencial aos Esta-
dos e municípios. Ninguém fa-
lou sobre as medidas de isola-
mento. Na semana passada, no
entanto, Bolsonaro havia pedi-
do para empresários de São Pau-
lo “jogarem pesado” contra Do-

ria para o fim da quarentena.
Na reunião ministerial, o pre-
feito de Manaus, Arthur Virgílio
Neto (PSDB), também foi ataca-
do por Bolsonaro. A capital do
Amazonas teve um colapso no
atendimento de Saúde pelo ele-
vado número de casos da covid-


  1. “Aproveitaram o vírus, tá um
    bosta de um prefeito lá de Ma-
    naus agora, abrindo covas coleti-
    vas. Um bosta. Que quem não
    conhece a história dele, procura
    conhecer, que eu conheci den-
    tro da Câmara, com ele do meu
    lado! Né?”, disse o presidente.


Vera Rosa / BRASÍLIA

O


vídeo da reunião mi-
nisterial de 22 de
abril, divulgado on-
tem, expôs um governo total-
mente desgovernado e com-
plicou ainda mais a situação
do presidente Jair Bolsona-
ro. No encontro, convocado
para expor o programa Pró-
Brasil de investimentos, Bol-
sonaro saiu do sério várias ve-
zes, chamou governadores,
como João Doria (São Pau-
lo), de “bosta” e disse que
quer “todo mundo armado”
no País para “impedir” uma
“ditadura”. Palavrões, ofen-
sas, pitos e alfinetadas não
faltaram naquela reunião no
Palácio do Planalto.
“É fácil impor uma ditadu-
ra aqui, o povo está dentro de
casa. Aí vem um bosta de pre-
feito que faz uma bosta de
um decreto, algema e deixa

todo mundo dentro de casa”, re-
clamou o presidente. Não foi a
única frase na qual ele escanca-
rou, com termos chulos, a diver-
gência com governadores e pre-
feitos sobre a validade do isola-
mento social para combater a
pandemia do coronavírus.
A gravação integra o inquéri-
to aberto pelo ministro do Su-
premo Tribunal Federal Celso
de Mello para investigar denún-
cia feita pelo então titular da
Justiça Sérgio Moro de que Bol-
sonaro tentava interferir na Po-
lícia Federal. Seis dias depois da
reunião, e com Moro já fora do
governo, Bolsonaro disse que
queria divulgar o vídeo para pôr
tudo em pratos limpos.
“Vocês vão ver lá. Tirem as
conclusões de como eu conver-
so com os ministros”, argumen-
tou, ao parar para cumprimen-
tar apoiadores, na portaria do Al-
vorada, no dia 28 de abril. “Man-
dei até legendar.” Ao ser alerta-

do por advogados, depois, de
que o vídeo poderia ter efeito
bumerangue e se voltar contra
ele, além de ampliar a crise, Bol-
sonaro desistiu da divulgação.
Moro, no entanto, citou parte
do conteúdo no depoimento à
PF, como prova da tentativa de
interferência de Bolsonaro na
corporação. Relator do inquéri-
to, Celso de Mello levantou o
sigilo do vídeo – retirando ape-
nas passagens com referências
desairosas a países como China
–, não sem antes admitir perple-
xidade com o tom da reunião.
Sem papas na língua e bastan-
te exaltado, Bolsonaro abordou
ali os assuntos mais polêmicos
da República: foi de mudanças
na Polícia Federal às armas, pas-
sando pela ditadura, problemas
com o Supremo Tribunal Fede-
ral, ameaças de trocar ministros
até chegar à agenda de costumes.
“Quem não aceitar (...) as mi-
nhas bandeiras (como) família,
Deus, Brasil, armamento, liberda-
de de expressão, livre mercado,
quem não aceitar isso está no go-
verno errado. Esperem para 22,
né?”, disse o presidente, numa
alusão à disputa eleitoral de 2022.
Em vários momentos, Bolso-
naro não deixou dúvidas sobre
sua insatisfação com a falta de
acesso a informações de inteli-
gência. “Já tentei trocar gente da
segurança nossa no Rio de Janei-
ro, oficialmente, e não consegui.
E isso acabou. Eu não vou espe-
rar foder minha família toda de

sacanagem, ou amigo meu, por-
que eu não posso trocar alguém
da segurança na ponta da linha
(...). Vai trocar, se não puder tro-
car, troca o chefe dele. Não pode
trocar o chefe, troca o ministro.
E ponto final. Não estamos aqui
para brincadeira”, avisou.
O tom era de cobrança, no es-
tilo “quem manda sou eu”. Nes-

sa toada, Bolsonaro chegou a di-
zer que ministro elogiado pela
imprensa perderia o cargo. Foi
um constrangimento geral.
“Tem certos blogs aí que só
tem notícia boa de ministro. Eu
não sei como! O presidente leva
porrada, mas o ministro é elogia-
do. A gente vê por aí “Ah (...), o
ministério tá indo bem, apesar
do presidente”. Vai pra puta que
pariu, porra! Eu que escalei o ti-
me, porra!”, afirmou Bolsonaro.
O encontro mostrou um pre-
sidente descontrolado, cerca-
do de auxiliares que batiam bo-
ca, como Paulo Guedes (Econo-
mia) e Rogério Marinho (Desen-
volvimento Regional). A dispo-
sição de intervir em ministérios
para salvaguardar a família e os

amigos e de armar o povo pa-
ra se contrapor a autoridades
e investir contra a quarente-
na ficou explícita.
“Por exemplo, quando se
fala em possível impeach-
ment, ação no Supremo, ba-
seado em filigranas, eu vou
em qualquer lugar do territó-
rio nacional e ponto final! O
dia que for proibido de ir pra
qualquer lugar do Brasil, pe-
lo Supremo, acabou o manda-
to”, esbravejou. “(...) E eu
não vou meter o rabo no
meio das pernas”.
Integrante da ala ideológi-
ca do governo, o ministro da
Educação, Abraham Wein-
traub, também dirigiu ata-
ques à Corte. “Eu, por mim,
botava esses vagabundos to-
dos na cadeia. Começando
no STF”, insistiu. Weintraub
comparou Brasília a um “can-
cro de corrupção” e recla-
mou de só levar “bordoada”,
sendo alvo da Comissão de
Ética da Presidência.
“Ao assistir ao vídeo em
questão e ao ler a transcrição
integral do que se passou em
referida assembleia ministe-
rial (...), constatei que, nela,
parece haver faltado a alguns
de seus protagonistas aquela
essencial e imprescindível vir-
tude definida pelos romanos
como ‘gravitas’”, escreveu o
ministro Celso de Mello na de-
cisão que liberou o vídeo do
fatídico encontro no Planalto.

l O ex-ministro Sérgio Moro afir-
mou ontem que a “verdade foi
dita, exposta em vídeo” divulga-
do após o ministro Celso de Mel-
lo, do STF, liberar a gravação da
reunião do dia 22 de abril. “A ver-

dade foi dita, exposta em vídeo,
mensagens, depoimentos e com-
provada com fatos posteriores,
como a demissão do Diretor Ge-
ral da PF e a troca na superinten-
dência do RJ”, afirmou Moro, em
mensagem publicada na sua
página pessoal no Twitter. “Quan-
to a outros temas exibidos no ví-
deo, cada um pode fazer a sua
avaliação”, completou o ex-minis-
tro da Justiça.

lReunião

Acusado de interferir na PF, presidente cobra ex-ministro da Justiça e auxiliares sob alegação de que não vai esperar atingir sua família


Presidente chama Doria de ‘bosta’ e Witzel, de ‘estrume’


Ex-juiz afirma que


a ‘verdade foi dita’ e


ficou ‘exposta’


MARCOS CORRÊA/PR–22/4/

“Quem não aceitar minhas
bandeiras ‘família, Deus,
Brasil, armamento, liberdade
de expressão, livre mercado’
está no governo errado”
Jair Bolsonaro
PRESIDENTE

Tensão. Reunião ministerial teve um presidente exaltado

Palavrões, ofensas...

MARCOS CORRÊA/PR–22/4/

Em vídeo, Bolsonaro pressiona Moro


Interferência. Bolsonaro, Mourão e Moro, durante reunião ministerial realizada no dia 22 de abril, na qual ex-ministro acusa presidente de interferir na PF
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