O Estado de São Paulo (2020-05-24)

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O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 24 DE MAIO DE 2020 Economia B3


A pandemia de Covid-19, causada pelo novo
coronavírus, surpreendeu o mundo provocando
impactos não somente nas áreas da saúde,
mas também nos campos social, político e
econômico. Não se passa impunemente por uma
crise dessa magnitude. Globalmente notamos o
empenho dos governos no controle do avanço
epidêmico e no planejamento da retomada
econômica, com medidas que possam estimular
o desenvolvimento de cada país.

No Brasil, a volta à pauta econômica também
precisa ser elaborada para que, em paralelo às
questões de saúde, retomemos as iniciativas
que visem ao ajustefiscal. Com a gravidade
trazida pela Covid-19, o governo foi obrigado
aflexibilizar sua trajetória rumo à estabilidade.
O País estava trilhando um bom caminho com
a aprovação da Reforma da Previdência, que
vai gerar uma economia R$ 800 bilhões nos
próximos 10 anos.

A pandemia mudou os planos e tornou-se
imperativo o foco em investimentos destinados
ao combate à nova doença e na estruturação
de uma rede de apoio à sociedade no
enfrentamento do problema. De acordo com
os anúncios do governo, os gastos giram, até o
momento, em torno de R$ 275 bilhões, o que
representa 3,7% do nosso PIB (Produto Interno
Bruto). Atualmente, a dívida bruta representa
76% do PIB e, de acordo com projeções do
Goldman Sachs, esse valor pode chegar a 91%
nos próximos anos. Isso não é bom sinal, pois
irá aumentar os juros no futuro e prejudicar
os investimentos no País. Estudo divulgado
recentemente pela FGV (Fundação Getulio
Vargas) mostra que o novo coronavírus pode
provocar um recuo de 4,1% no PIB do Brasil.

É inevitável o impacto negativo na taxa de
desemprego, dado que aos poucos começava
a ser revertido. Segundo o IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa
de desemprego no Paísficou em 12,2% no
primeiro trimestre deste ano: 1,2% acima do
percentual registrado no mesmo período do
ano passado, número que vem aumentando a
cada semana. Frear a retração, voltar a crescer
e estimular os investimentos são pautas
prioritárias para o Brasil no momento.

É urgente que, na mesma esteira de foco
às questões da saúde, possamos também
retomar o compromisso com o ajustefiscal, e o
controle dos gastos públicos é fundamental. A
recomendação do ministro da Economia Paulo
Guedes de congelar o salário dos servidores
públicos por dois anos é estritamente
necessária para contribuir com essa pauta.

Cada setor da sociedade está sendo obrigado
a fazer ajustes. Tanto empresas quanto pessoas
físicas estão reduzindo gastos e alterando
hábitos. Também o servidor público precisa
ser sensível ao que o País vive e entender
que a proposta do governo lhe trará poucas
perdas, pois estamos num momento de baixa
inflação - segundo o Boletim Focus, a previsão
de inflação de 2020 é de apenas 1,7% -, e ele
goza de estabilidade, o que os colaboradores
do setor privado não têm.

É importante ressaltar que os índices de
desemprego afetam em quase sua totalidade
o trabalhador do setor privado, que possui taxa
de rotatividade muito acima do funcionário
público. Além disso, o salário dos servidores
públicos cresceu nas últimas três décadas,
segundo dados publicados pelo Ipea (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada), 23% acima
dos trabalhadores do setor privado.

A combinação da austeridade no gasto
público com os juros baixos e a retomada das
privatizações serão os pilares para promover
a recuperação econômica e a geração de
empregos, para certamente colhermos bons
frutos a partir de 2020.

abrainc.org.br

PRECISAMOS RETOMAR


O AJUSTE FISCAL


LUIZ FRANÇA, PRESIDENTE DA ABRAINC

INFORME PUBLICITÁRIO

WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

Luiz Carlos Mendonça de Barros, economista


Além do aumento dos gastos
públicos já anunciados, o go-
verno terá de fazer um pacote
fiscal para estimular a econo-
mia no pós-pandemia, segun-
do o economista Luiz Carlos
Mendonça de Barros. Se agora
há certa condescendência dos
investidores com a alta da dívi-
da brasileira, dado que o movi-
mento é global, o mesmo não
ocorrerá quando esse pacote
sair. Aí, a solução será elevar
impostos para mudar a trajetó-
ria da dívida, diz. A seguir, tre-
chos da entrevista.


lQue impacto o aumento da dívi-
da terá no crescimento do País?
A questão do endividamento
continua sendo um problema.
A razão é simples: o Brasil tem
pouca poupança. Nós precisa-
mos da poupança externa para
investir. Lá fora, um dos itens
que os investidores olham é a
tendência da dívida. Portanto,
vamos ter de tratar, um pouco
mais à frente, da estabilização
da dívida e de transformá-la


em uma curva descendente.
Não precisa ser uma tendência
muito forte. Até porque tem
uma mudança hoje no Brasil
que afeta muito a dívida públi-
ca, que é a taxa de juros real.
Quanto menor o juro real,
maior pode ser a relação entre
dívida e PIB. Enquanto prevale-
cer essa política monetária (de
juro baixo), temos um tempo
para tratar a questão da dívida
pública.

lOs investidores serão mais con-
descendentes com dívidas eleva-
das, dado que elas estão aumen-
tando globalmente?
Essa postura mais condescen-
dente começará a mudar no
ano que vem. O protocolo pa-
ra lidar com a crise, tanto no
Brasil como fora, é que, passa-
da a epidemia, as economias
estarão tão frágeis que será ne-
cessário outro pacote fiscal.
Um pacote para colocar a eco-
nomia na rota de crescimento.
Todos os países farão isso. Os
EUA aprovaram um pacote de
US$ 3 trilhões para ser usado
lá na frente. Teremos de fazer
o mesmo. Se essa primeira ro-
dada de déficit já mexe com a
dívida, vamos ter outra roda-
da. Menor que essa, mas a dívi-
da pode realmente ir para
100% do PIB. Essa segunda ro-

dada não terá a condescendên-
cia que teve a primeira. O que
vamos ter de fazer é um au-
mento de impostos para lidar
com a curva da dívida.

lQuais impostos será possível
aumentar?
Esse aumento de imposto cer-
tamente vai ter uma caracte-
rística diferente da nossa estru-
tura tributária. Deverá ser so-
bre ricos. A primeira coisa que
vai sair é tributação de dividen-
do pago pelas empresas. Uma
tributação maior para bancos
também vai ser necessária. Tal-
vez, finalmente, algum tipo de
contribuição sobre movimenta-
ção financeira, mas com um li-
mite mínimo para movimenta-
ções sobre a qual o imposto vai
rescindir.

lAlguns economistas falam de
aumento no Imposto de Renda...
Já é alto no Brasil e pegaria
muito a classe média. Dessa
vez, tem de ser no capital. Até
porque o argumento político
é que boa parte do déficit foi
feito para ajudar empresas, o
que é verdade. Mas esse au-
mento tributário deve ser ape-
nas por um período para mu-
dar a tendência da curva da
dívida.

lCom o aumento da dívida, será
possível manter a taxa de juros
no atual patamar?
Como vamos ter recessão nes-
te ano e um crescimento mui-
to baixo ano que vem, dá para
manter baixa. Vai subir um
pouco, mas nada comparado
ao que já tivemos.

lUm ajuste fiscal também será
necessário, no futuro, para mu-
dar a trajetória da dívida?
Não tem como fazer isso. Co-
mo você inverte a curva? Com
crescimento econômico. Não
tem outro jeito./L.D.

“Em um momento como este, é preciso agilidade e liderança.”


ENTREVISTA


‘Será necessário um pacote fiscal


para economia voltar a crescer’


Aumento de gastos vai


demandar mais tributos,


como taxação de


dividendos, afirma


ex-presidente do BNDES


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Luciana Dyniewicz


O impacto do aumento da
dívida no futuro da economia
dependerá de dois pontos cru-
ciais. O primeiro é que a am-
pliação dos gastos públicos
seja temporária e restrita a
medidas relacionadas à co-
vid-19 – a história brasileira,
no entanto, indica uma certa
dificuldade do País em pôr
fim a benefícios concedidos
em tempos de crise. Outra
questão relevante neste mo-
mento é a crise política, que
pode fazer com que o gover-
no perca o controle da trajetó-
ria da dívida.
“O mais importante para ter-
mos crescimento depois dessa
crise é a manutenção dos juros
baixos. Para isso, é preciso sina-
lizar que o aumento dos gastos
é transitório”, diz o economista
Pedro Schneider, do Itaú Uni-


banco. Um incremento dos gas-
tos públicos permanentes pode
elevar a dívida brasileira a pata-
mares que investidores conside-
rem que há risco de insolvência,
o que elevaria a taxa de juros
pedida por eles para empresta-
rem ao País.
Segundo cálculos de Schnei-
der, o déficit primário (despe-
sas do governo menos receitas,
excluindo gastos com juros)
deste ano deve chegar a 10,2%
do PIB – a meta inicial era 1,6%.
Com o aumento dos gastos e a
queda prevista de 4,5% da ativi-
dade econômica, a dívida alcan-
çará 92% do PIB, indicam esti-
mativas do Itaú.
O economista acrescenta
que, se a trajetória da dívida con-
tinuar avançando de forma ace-
lerada em 2021, o risco para o
crescimento econômico au-
menta consideravelmente, so-
bretudo se outros países conse-

guirem estancar a pandemia
agora e não precisarem ampliar
os gastos no ano que vem. Isso
porque, na comparação com ou-
tros mercados, o Brasil estaria
em uma situação de ainda
maior deterioração.
“Até agora, os gastos aprova-
dos são transitórios. Mas quan-
to mais tempo durar o surto da
doença, maior vai ser a pressão

para o governo continuar aju-
dando em 2021. Aí o risco au-
menta, principalmente se ou-
tros países lidarem bem com a
crise da saúde e não continua-
rem elevando gastos no ano que
vem. É importante tomar medi-
das adequadas para o surto não
se prolongar.”

Reformas. Economista-chefe
da BNP Paribas Asset Manage-
ment, Tatiana Pinheiro concor-
da que, por ora, os gastos anun-
ciados não “parecem abusi-
vos”, mas destaca ser importan-
te sinalizar “de modo crível”
que a agenda de reformas conti-
nuará após a pandemia. “Se não
tem uma sinalização e se não se
otimizam os gastos, vamos re-
duzir o capital interessado em
investir aqui”, diz ela, que proje-
ta que a dívida chegue a 96% do

PIB neste ano.
A crise política no governo é
outro item, segundo os econo-
mistas, que pode causar uma ex-
plosão da dívida e frear o cresci-
mento ainda mais. Para Silvia
Matos, do Instituto Brasileiro
de Economia (Ibre-FGV), a fal-
ta de uma coordenação no pla-
no econômico de combate à cri-
se pode fazer com que os gastos
agora sejam pouco efetivos. “Es-
tamos perdendo um pouco da
noção da magnitude (dos gas-
tos). Em um momento como es-
se, é preciso agilidade e lideran-
ça. Quando se tem essa confu-
são, a conta pode sair mais cara.
Isso se reflete em aumento do
risco país e da taxa de ju-
ros”, diz Silvia.
Fontes próximas ao
Ministério da Econo-
mia já enxergam risco

de o governo estar perdendo a
chamada “ancoragem fiscal”,
conjunto de regras e ajustes ca-
paz de permitir a sustentabilida-
de das contas públicas (ler mais
na pág. B5)
O economista-chefe da MB
Associados, Sergio Vale, tam-
bém destaca que a crise política
deve tem um impacto negativo
na economia. Segundo ele, o au-
mento dos gastos agora vai exi-
gir reformas no futuro que o pre-
sidente Jair Bolsonaro não terá
condições de liderar.
“O nível de dívida desse tama-
nho exigirá um grau elevado de
articulação política para colo-
car a trajetória (da dívida) no ca-
minho. E isso não vamos
ter”, afirma. Vale projeta
que a dívida atinja
93,7% do PIB neste
ano e 98% em 2021.

Como será o futuro dos escritórios. Pág. B4 }


lAlta dos gastos

Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre)

VELSON DE FREITAS/ESTADÂO

Sem espaço. Não é possível cortar gastos, diz economista


ARTHUR SOUZA/LEIAJÁIMAGENS

Crise política


é risco para


controle


da dívida


10,2%
deverá ser o déficit primário
neste ano, segundo cálculos
do Itaú Unibanco

1,6%
era a meta inicial para o déficit

Analistas também alertam que ampliação


de gastos precisa ser temporária e restrita


Crise. Gastos com auxílio emergencial, pago pela Caixa, são vitais para enfrentar pandemia, mas elevarão endividamento
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