O Estado de São Paulo (2020-05-24)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:C-9:20200524:
O ESTADO DE S. PAULO DOMINGO, 24 DE MAIO DE 2020 Especial H9


Hairton Ponciano


Todos os dias, às 16h58, o geren-
te sênior da área de engenharia
experimental da Fiat, Robson
Cotta, encerra a jornada de tra-
balho. A diferença é que ele não
precisa ir embora para casa. Co-
mo a maioria dos funcionários
de montadoras ao redor do
mundo, Cotta também está tra-
balhando totalmente em regi-
me de home office.
A adaptação à nova rotina, no
entanto, não foi tão simples. O
engenheiro mecânico de 63
anos chefia uma divisão em que
o trabalho em campo é essen-
cial. A engenharia experimental
testa no mundo real o carro pro-
jetado do lado de dentro dos
muros das fabricantes.
“O trabalho não para”, garan-
te Cotta. Montadoras estão
sempre testando algo novo, seja
um carro inteiramente reproje-
tado (como a picape Strada, no
caso da Fiat), seja alguma nova
solução técnica. Por isso, no de-
partamento chefiado por Cot-
ta, às vez o home office não subs-
titui o “road office”. Carros são
testados nas ruas e estradas. E
ele coordena essas operações
sem sair de seu apartamento,
no centro de Belo Horizonte.
“Quando alguém precisa en-
trar na fábrica para algum traba-
lho específico, temos de justifi-
car quem vai e por que vai”, diz.
Mesmo com a produção para-
da, Cotta afirma que às vezes é
necessário fazer um teste espe-
cífico, em um laboratório de
acústica ou no dinamômetro,
por exemplo. Nessas situações,
o engenheiro diz que a pessoa
deve realizar o trabalho sozi-
nho, e seguir as normas de segu-
rança e higiene. “Se um funcio-
nário vai passar um carro para
outro, há todo um procedimen-
to de higienização, que envolve
limpeza com álcool em gel.”
Ele lamenta não poder fazer
o que mais gosta, que é dirigir
enquanto experimenta um car-
ro. Mas garante que comandar
um departamento a distância
“aguçou a coordenação”. Entre
os pontos positivos que ele vai
levar dessa experiência inédita,
Cotta afirma que “a parte vir-
tual funcionou muito bem”. O
lado negativo é que ele não tem
saído para testar. “Quem traba-
lha com projeto pode não sentir
tanto, mas a gente tem prazer
em dirigir”, garante o engenhei-
ro, que não se incomodava em
viajar apenas para buscar man-
gas em alguma fazenda do inte-
rior de Minas Gerais.
Fora do horário de expedien-
te, Cotta tem aproveitado o tem-
po para organizar as coisas em
seu apartamento, entre as quais
as “pilhas” de publicações so-
bre automóveis, que mal tinha
tempo de ler. “Cada dia exploro
uma gaveta”, diz. Morando com
a esposa e um dos filhos, ele afir-
ma que a necessidade de isola-
mento acabou promovendo
maior interação familiar. O en-
genheiro só sai nos finais de se-
mana, para ir até o sítio localiza-
do em Nova Lima, na região me-
tropolitana da capital. Lá, seu
entretenimento é mexer em
dois de seus Alfa Romeo anti-
gos, um JK e um 2300.


Bugatti na garagem. A pande-
mia também alterou a rotina
dos funcionários da Bugatti, fa-
bricante de superesportivos lo-
calizada em Molsheim, na Fran-


ça. Mas, enquanto a maioria dos
trabalhadores levou para casa
um computador para o serviço
remoto, alguns levaram um Chi-
ron ou um Divo, os dois mode-
los superesportivos produzi-
dos atualmente pela empresa.
É o caso de Lars Fischer e
Sven Bohnhorst, responsáveis
pelos testes de chassi dos car-
ros produzidos pela marca. De
acordo com Fischer, engenhei-
ro de 48 anos, embora a fábrica
esteja fechada, o trabalho de de-
senvolvimento não para e eles
permanecem dirigindo diaria-
mente, em pistas de testes e
vias públicas.
Mas a pandemia impôs mu-
danças na rotina. Se anterior-
mente o planejamento das tare-
fas de testes era realizado sema-
nalmente, agora ele é feito a ca-
da dois dias, porque a situação
de emergência pode mudar rapi-
damente, como fechamento de
pistas, por exemplo.
Outra alteração importante é
que atualmente os testes são fei-
tos por apenas uma pessoa. O
padrão da Bugatti prevê ensaios
em dupla. Enquanto um enge-
nheiro dirige, o passageiro veri-
fica e armazena os resultados
no computador. Agora, para
manter o distanciamento so-
cial, os profissionais trabalham
isoladamente.
De acordo com Sven
Bohnhorst, de 31 anos, a mudan-
ça aumentou o tempo dos tes-
tes em 30%, porque algumas pis-
tas de têm poucos locais de para-
da. E o motorista deve estacio-
nar para realizar a tarefa que se-
ria feita pelo parceiro.
Cada jornada ao volante pode
durar até sete horas, mas
Bohnhorst, especialista em cali-
bração de direção e suspensão,
garante que, apesar do nível de
concentração exigida para reali-
zar testes com um carro de
1.500 cv, ele se diverte todos os
dias enquanto trabalha.
O lado negativo, segundo ele,
é a falta de contato direto com
os colegas. Fischer observa que,
embora muitas coisas possam
ser resolvidas por meio de tele-
conferência, a comunicação ca-
ra a cara é mais fácil para lidar
com temas mais complexos.

Enquanto viagens para pistas
de testes mais distantes não es-
tão sendo permitidas (já que
pernoites em hotéis não são au-
torizados no momento),
Bohnhorst encontrou tempo
para mexer em seu clássico
Porsche 911 Carrera. “É na mi-
nha pequena oficina que eu re-
carrego as baterias.”

Design. Um dos passatempos
do diretor de design da Bugatti,
Achim Anscheidt, é restaurar bi-
cicletas que ele adquire em mer-
cado de pulgas, apenas com a
finalidade de presentear ami-
gos. Para isso, ele mantém uma
pequena oficina em Berlim, na
Alemanha, onde mora. As bici-
cletas têm tomado mais tempo

livre do designer do que seu
Porsche 911 histórico, que foi
restaurado. Outra raridade na
garagem do profissional de 57
anos é um raro Bugatti Type 35
de 1920, à espera de peças para a
restauração.
Anscheidt tem coordenado
sua equipe de designers de sua
casa. Seu local de trabalho é um

aconchegante cômodo com pa-
redes de madeira que recebe
muita luz natural, localizado na
parte superior de sua residên-
cia, uma antiga casa em estilo
alpino na capital alemã. Ele diz
que o local é ao mesmo tempo
seu retiro e sua fonte de inspira-
ção – item indispensável em sua
profissão. É lá que ele experi-
menta novas linhas, desenvol-
ve ideias e lida com os desafio
de manter-se isolado.
Mas, como em sua visão o pro-
cesso criativo é fundamental-
mente baseado no contato dire-
to e na troca de experiências en-
tre colegas, esse é o ponto em
que seu cantinho ensolarado e
silencioso em Berlim deixa de
ser um benefício. Até porque no
momento ele está trabalhando
intensamente no desenvolvi-
mento tanto dos modelos
atuais como em futuros auto-
móveis da marca.
E isso sem contar que, em ca-
sa, não há como ter acesso a tec-
nologias como realidade vir-
tual, etapas que deverão espe-
rar pela volta à fábrica.

Mustang elétrico. Técnicos
em calibração e engenheiros da
Ford nos EUA também levaram
mais do que o laptop da empre-
sa quando tiveram de cumprir
isolamento social. Ao menos
uma dúzia deles foi para casa
dirigindo um Mustang Mach-E,
primeiro carro 100% elétrico da
marca. O Mach-E deveria che-
gar às lojas nos EUA ainda no
primeiro semestre, e a Ford to-
mou a decisão de que o trabalho
de ajustes finais continuasse
em casa, para não perder o pra-
zo estipulado.
Alguns profissionais são res-
ponsáveis pela programação
dos computadores do carro.
São eles que determinam como
os motores elétricos devem rea-
gir a cada circunstância, de acor-
do com variações do terreno.
Outros técnicos estão calibran-
do as funções da central multi-
mídia, que projeta uma infinida-
de de informações sobre o car-
ro na enorme tela vertical no
centro do veículo. Com um
Mustang Mach-E na garagem, o
isolamento passa mais rápido.

DESENVOLVENDO CARROS


JornaldoCarro


Luiz Carlos Merten


Em entrevista ao Estado, já
cumprindo quarentena em Ber-
lim – foi na estreia de Aeroporto
Central no streaming –, Karim
Aïnouz disse que estava come-
çando a cair a ficha e ele já conse-


guia falar com um pouco de dis-
tanciamento sobre o fenôme-
no A Vida Invisível. O filme ven-
ceu a mostra Un Certain Re-

gard no Festival de Cannes, em
maio do ano passado, e foi indi-
cado pelo Brasil para concorrer
a uma vaga no Oscar.
Não chegou lá e, mesmo que
tivesse sido indicado, não te-
ria levado, porque foi o ano de
Parasita, de Bong Joon-ho.
Além da exaustiva campanha
em Hollywood, Aïnouz enfren-
tou outra maratona no Brasil,
onde A Vida Invisível virou o
centro das comemorações
dos 90 anos de Fernanda Mon-
tenegro. O filme é a atração do
Canal Brasil neste domingo,
24, às 23h10.

Baseia-se no livro de Mar-
tha Batalha, A Vida Invisível
de Eurídice Gusmão. Duas ir-
mãs, separadas pelo pai de-
pois que uma delas engravi-
da, passam a vida tentando
se reencontrar. As cartas
não chegam à destinatária.
Só bem mais tarde, já idosa –
Fernanda –, a sobrevivente
tem notícias da irmã. Vive-
ram na mesma cidade. As
atrizes Júlia Stockler e Carol
Duarte são ótimas nos pa-
péis. E Fernanda é Fernan-
da. Faltam adjetivos para
exaltar seu imenso talento.

Sem intervalo


Enquanto alguns profissionais levaram computador para


o home office, outros técnicos partiram para o ‘road office’


EM CASA

O Espetacular
Homem-Aranha
(EUA, 2012). Dir. de Marc Webber, roteiro de
James Vanderbilt, Steve Kloves e Alvin Sar-
gent, com Andrew Garfield, Emma Stone.

Luiz Carlos Merten

Na Globo, nos canais Megapix,
às 12h50, e Warner, às 16h55, é só
escolher onde e a que horas ver a
fantasia de Marc Webb com An-
drew Garfield no duplo papel de
Peter Parker/Homem-Aranha.
O garoto picado pela aranha de
laboratório e que desenvolve ha-
bilidades especiais. Na TV paga,
na sequência do 1 será exibido o


  1. O jovem herói que busca o pai
    e encontra a si mesmo.
    GLOBO, 13H43. COLORIDO, 153 MIN.


Criatividade*


Em testes.
Na Bugatti,
ajustes não
pararam

Calma. O
ambiente
iluminado
pelo sol é o
local de
trabalho do
diretor de
design
Achim
Anscheidt
ARQUIVO PESSOAL

Antigos. Cotta, da Fiat, dá atenção a seus Alfa; Bohnhorst, da Bugatti, mexe em seu Porsche

A ARTE DE


FERNANDA


EM ‘A VIDA


INVISÍVEL’


DESTAQUE
SONY PICTURES

Filmes na TV


FOTOS: BUGATTI/DIVULGAÇÃO
Free download pdf