O Estado de São Paulo (2020-05-24)

(Antfer) #1

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A4 DOMINGO, 24 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


COLUNA DO


ESTADÃO


Política


»SINAIS
PARTICULARES.
Drauzio Varella,
médico e escritor

»Próximo. A respeito da
declaração de Abraham
Weintraub, os ministros se
dividem. Uns avaliam que
dispensá-lo seria um gesto
importante (já fizeram até a
mensagem chegar ao Planal-
to). Outro avalia ser o caso
de o presidente da Corte,
Dias Toffoli, pedir abertura
de inquérito à PGR.

»Fala solta. Weintraub
disse na reunião: “Eu, por
mim, botava esses vagabun-
dos todos na cadeia. Come-
çando no STF”. À Coluna,
Marco Aurélio Mello afir-
mou que ele “extravasou
limites” e “imaginou que
estivesse num bar”.

»Errou. Assessores palacia-
nos avaliaram que as decla-
rações de Ricardo Salles caí-
ram mal. Além de ele não
ter o apoio da militância
bolsonarista, como Wein-
traub, há temor de que rea-
cenda a pressão internacio-
nal sobre o governo.

»Timing. O que disse o mi-
nistro do Meio Ambiente
sobre “passar a boiada”
também colocou a socieda-
de civil mais atenta ao Con-
gresso. O projeto de regula-
rização fundiária, por exem-
plo, tem poucas chances de
ser votado na Câmara.

»Tudo bem. Outrora cen-
surado por religiosos, o uso
de palavrões por Bolsonaro
na reunião foi minimizado
por representantes da ban-
cada evangélica na Câmara.

»Outro foco. Para esses
deputados, o presidente
saiu fortalecido. Bolsonaro
teria feito uma defesa en-
fática dos valores da “famí-
lia”, o que fez com que rele-
vassem o palavreado.

»Oscar vai para... Em en-
trevista ao canal My News,
o dr. Drauzio Varella con-
tou quem, para ele, foi o
melhor ministro da Saúde:
José Serra (PSDB-SP).

»Xi... O pedido de perícia
do celular de Bolsonaro,
feito por parlamentares da
oposição, foi alvo de crítica
na cúpula da PGR. Um pro-
curador ouvido pela Coluna
disse que não cabe a parla-
mentares ficar pedindo dili-
gências em inquéritos.

»Xi 2... Do lado da oposi-
ção, a crítica é que Augusto
Aras estaria alinhado de-
mais ao presidente.

»Na mesma... Um alerta
acendeu na CNI, ao identifi-
car que os estoques manti-
veram-se no mesmo pata-
mar que havia sido planeja-
do para março.

»... na pior. O gerente exe-
cutivo de Pesquisa e Compe-
titividade da instituição, Re-
nato da Fonseca, explica: “É
mais um sinal da intensida-
de da crise de vendas e pro-
dução. Nem houve tempo
de se acumular estoques, o
que realmente ocorre quan-
do a economia se retrai”.

»Cenário ruim. Levanta-
mento da CNI de indicado-
res sobre a atividade indus-
trial mostrou que a confian-
ça dos empresários e a in-
tenção de investimentos no
País estão nos níveis mais
baixos da série.

COM MARIANA HAUBERT.

M


ais do que as ofensas e os palavrões presentes na
reunião de 22 de abril, escancaradas pelos vídeos
divulgados anteontem, uma ausência impressio-
nou mais ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)
ouvidos pela Coluna: a de soluções para a pandemia. Na
ocasião, o Brasil já tinha quase três mil mortos. Apesar de
ainda não terem visto nos vídeos uma “bala de prata” para
o inquérito sobre suposta interferência na PF, o conteúdo
e a forma da conversa do alto escalão do Executivo reve-
lam, para esses ministros, espécie de “desgoverno”.

Ministros do Supremo


perguntam: e a Saúde?


MARIANNA HOLANDA (INTERINA*)
TWITTER: @COLUNADOESTADAO
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POLITICA.ESTADAO.COM.BR/BLOGS/COLUNA-DO-ESTADAO/

KLEBER SALES/ESTADÃO

Perfil anti-fake news
tem adesão e incomoda

Planalto. Pág. A


Sleeping Giants


Militar sem cargo liberou


compra de mais munição


Exército. General já havia deixado função quando autorizou norma que triplica o limite


para aquisição de projéteis; Bolsonaro cobrou Moro e ministro da Defesa durante reunião


Patrik Camporez / BRASÍLIA

Por ordem do presidente Jair
Bolsonaro, o Exército usou a
assinatura de um oficial já
exonerado e sem função para
publicar, em 23 de abril, porta-
ria que triplica o limite de
compra de munições no País.
O general de brigada Eugênio
Pacelli Vieira Mota já tinha
deixado o cargo de diretor de
Fiscalização de Produtos
Controlados quando autori-
zou, com um e-mail enviado
de sua conta pessoal, a última
versão do texto. A norma ele-
vou de 200 para 600 o núme-
ro de projéteis permitidos
anualmente por registro de
arma de pessoa física.
Um dia antes, na reunião com
ministros de 22 de abril, que se
tornou pública anteontem, o
presidente determinou ao mi-
nistro da Defesa, Fernando Aze-
vedo e Silva, e ao então titular
da Justiça, Sérgio Moro, que
providenciassem a portaria que
ampliava o acesso a munições.
“Peço ao Fernando e ao Moro
que, por favor, assinem essa por-
taria hoje que eu quero dar um
puta de um recado pra esses bos-
tas”, disse Bolsonaro.
Ele se referia a prefeitos e go-
vernadores que adotam o isola-
mento social como medida de
combate ao novo coronavírus,
seguindo a recomendação de au-
toridades mundiais. “Por isso
que eu quero, ministro da Justi-
ça e ministro da Defesa, que o
povo se arme, que é a garantia
que não vai ter um filho da puta
pra impor uma ditadura aqui,
que é fácil impor uma ditadura,
facílimo”, afirmou Bolsonaro
na reunião. “Eu quero todo
mundo armado. Que povo ar-
mado jamais será escravizado.”
Documentos oficiais do
Exército obtidos pelo Estadão
mostram que a elaboração do
parecer de Pacelli ocorreu em
menos de 24 horas. A portaria
interministerial 1.634 – assina-
da por Azevedo e Moro – foi ba-
seada, ainda, em outro parecer
produzido em tempo recorde.
Subscrito por Fernanda Regina
Vilares, chefe da Assessoria Es-
pecial de Assuntos Legislativos
do Ministério da Justiça, essa se-
gunda peça limita-se a um “OK”
em mensagem de WhatsApp.

Cronograma. O Diário Oficial
de 25 de março publicou a ida de
Pacelli para a reserva – com vali-
dade a partir do dia 30 daquele
mês. No mesmo dia, o general
Alexandre de Almeida Porto to-
mou posse no comando da Dire-
toria de Fiscalização de Produ-
tos Controlados.
Em 13 de abril, Pacelli escre-
veu uma carta de despedida.
Destacou “avanços” de sua ges-
tão para garantir o rastreamen-
to de armas e munições. Os

avanços estavam materializa-
dos em três portarias que se-
riam revogadas por determina-
ção de Bolsonaro.
Um dia depois, Pacelli rece-
beu e-mail do consultor jurídi-
co do Ministério da Defesa, Ider-
vânio Costa, pedindo que, co-
mo diretor de Fiscalização de
Produtos Controlados – cargo
que não ocupava mais – se mani-
festasse com “urgência” sobre a
liberação de compra de mais
projéteis por pessoa. Na mensa-
gem, Costa cobra “avaliação e
manifestação de concordância
do Departamento de Fiscaliza-
ção do Exército à nova minuta
de portaria”. O e-mail diz que
alterações na norma “foram de-
correntes de decisão superior”.
Às 22h de 15 de abril, fora do
expediente do Exército, Pacelli

enviou parecer de apenas três
linhas de seu e-mail pessoal:
“Desculpando-me imensamen-
te pela falta de oportunidade...
Após análise, não observamos
qualquer impedimento à publi-
cação. Pequenos deman-
das/ajuste serão necessários”.
Por nota, o Ministério da De-
fesa informou que Pacelli, ape-

sar de ter sido exonerado em 25
de março, só transmitiu a chefia
da Fiscalização de Produtos
Controlados em 16 de abril. A
reportagem enviou quatro e-
mails solicitando ao ministério
o fundamento legal que garan-
tiu ao general despachar já exo-
nerado. A pasta não respondeu.
Professor de Direito Consti-
tucional da Universidade Pres-
biteriana Mackenzie e da Esco-
la Superior da Advocacia da
OAB-SP, Flávio de Leão Bastos
Pereira afirmou que, do ponto
de vista jurídico, quando um ser-
vidor é exonerado, deixa de ter
capacidade para praticar sua
função. “Temos a chamada cau-
sa de extinção da competência
e dos vínculos com a autarquia.
Quando se dá a exoneração não
existe mais vínculo com aquela
função”, disse. O professor ava-
liou que qualquer ato praticado
por servidor exonerado deve
ser considerado sem feito.
Militares ouvidos pelo Esta-
dão disseram que, quando um
general é enviado para a reserva,
é comum ficar “encostado” por
um tempo no batalhão onde
atuava. Esse período é necessá-
rio para o militar preparar os trâ-
mites burocráticos de sua saída.
Para Pereira, essas regras inter-
nas não abrem brecha para al-
guém atuar em função sobre a
qual não tem mais competência.
“Essas regulamentações não po-
dem contrariar a Constituição.”

Concordância. Um general
que trabalhou com Pacelli disse
ao Estadão que o oficial foi
“convocado a concordar” com
a portaria, pois seria o especia-
lista sobre o assunto e seu subs-
tituto, apesar de nomeado, não
“estava a par da situação”. A re-
portagem tentou contato com
Pacelli, mas não obteve respos-
ta. O Exército não explicou por
que um e-mail pessoal do gene-
ral foi anexado ao processo.
No mês passado, o Exército,
também sob pressão, já havia re-
vogado três portarias que apri-
moravam o rastreamento e a
marcação das balas e armas de
fogo. As normas eram exigên-
cias do Ministério Público Fede-
ral e do Tribunal de Contas da
União. A revogação das três por-
tarias está sendo investigada co-
mo possível ato de interferên-
cia de Bolsonaro no Exército.
Facilitar o acesso a armas foi
uma das promessas de campa-
nha de Bolsonaro, apoiado por lo-
bistas do setor, clubes de tiro e
colecionadores, que comemora-
ram tanto a ampliação da com-
pra de munições quanto a revoga-
ção das normas sobre rastrea-
mento. No País, 379.471 armas es-
tão nas mãos da população, se-
gundo a Polícia Federal. Dessa
forma, o novo decreto pode pos-
sibilitar a compra de 227.682.
balas (600 munições por arma).

Joenia Wapichana

Bruno Langeani , especialista do Instituto Sou da Paz

‘São cidadãos com armas mais


potentes que as da polícia’


PRONTO, FALEI!

ALBERTO BOMBIG
*O colunista está em férias.

lSem efeito

lQual o impacto da portaria de
aumento de munições na Segu-
rança Pública?
Bolsonaro já havia mandado re-
vogar três portarias que imple-
mentavam o rastreamento no
Brasil. Uma parte das armas e
munições que estão no crime
vem do mercado legal. No Rio
de Janeiro, 42% das armas
apreendidas, segundo pesqui-

sa do Instituto de Segurança
Pública, vêm do poder público.
A partir do momento em que
Bolsonaro aumenta a disponi-
bilidade da munição do merca-
do legal, parte deste estoque é
desviada. A nova portaria não
estabelece a marcação das mu-
nições. A chance de impunida-
de torna-se muito alta, pois a
polícia não vai poder chegar às

pessoas sem a possibilidade de
fazer o rastreamento.

lQuem se beneficia?
Qualquer grupo criminoso vai
ser beneficiado com o aumen-
to, mas especialmente a milí-
cia, que tem em seus integran-
tes ex-policiais.

lO governo atual também facili-
tou a compra de armas?
No ano passado, Bolsonaro fez
uma mudança nos decretos que
aumentaram em quatro vezes a
potência do armamento a que o
cidadão pode ter acesso. Algu-
mas munições disponíveis a ci-

vis podem ter força superior até
as do Exército. A gente está fa-
lando de cidadãos com armas
mais potentes que as da polícia.

lO senhor avalia um retrocesso
na Segurança Pública?
No País, existem 380 mil armas
registradas na Polícia Federal.
Como cada arma significa até
600 balas por ano, estamos fa-
lando de 228 milhões de muni-
ções – uma bala para cada brasi-
leiro. O que está acontecendo
agora é algo sem precedentes.
Há um mercado, com acesso di-
reto ao governo, ganhando mui-
to dinheiro. / P.C.

“O ministro da Educação deveria ele mesmo
renunciar diante do ódio que sente dos povos
que compõem a diversidade da nossa sociedade.”

Deputada federal (Rede-RR)

»CLICK. Chegaram ao
Brasil 6,5 milhões de
máscaras, que serão dis-
tribuídas para os Esta-
dos. O avião, fretado pela
Infraestrutura, foi adap-
tado para transportá-las.

REPRODUÇÃO/INSTAGRAM

“Temos a chamada causa
de extinção da competência
e dos vínculos com a
autarquia. Quando se dá a
exoneração não existe mais
vínculo com aquela função.”
Flávio de Leão Bastos Pereira
PROFESSOR DE DIREITO
CONSTITUCIONAL

● Bolsonaro elevou de 200 para 600 o número de projéteis
permitidos anualmente por registro de arma de pessoa física

RAIO X

INFOGRÁFICO/ESTADÃO

.40 S&W

50

200

600

AT É
2019

28 JAN
2020*

23 ABR**

Quantidade anual de
munições permitidas
por arma
379.
É O NÚMERO DE ARMAS
REGISTRADAS NO PAÍS

18.973.
ERA O ARSENAL DISPONÍVEL PARA
VENDA, AO ANO, ANTES DO GOVERNO
BOLSONARO

227.682.
É O NÚMERO DE BALAS QUE PODEM SER
VENDIDAS, LEGALMENTE, POR ANO,
PARA ABASTECER ESSAS ARMAS

*** Todo esse arsenal carece de marcação. Quando é desviado para o crime, a polícia não
consegue fazer o rastreamento e identificar as pessoas que têm a posse e usam desse
artifício para vender munição ao mercado ilegal

Mercado***

Armas/calibres que passaram de restritos a permitidos
no governo Bolsonaro

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* Portaria nº 412; ** Portaria nº 1.

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