O Estado de São Paulo (2020-05-24)

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A6 Política DOMINGO, 24 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ELIANE CANTANHÊDE
Excepcionalmente, a
coluna não é publicada hoje.

Jussara Soares / BRASÍLIA


Uma série de mensagens tro-
cadas entre Jair Bolsonaro e
o então ministro da Justiça,
Sérgio Moro, evidencia que
o presidente falava da Polí-
cia Federal, e não da sua se-
gurança pessoal, quando exi-
giu substituições nessa área
na reunião ministerial do
dia 22 de abril. A cronologia
de oito diálogos aos quais o
Estadão teve acesso mostra
que, três horas antes da reu-
nião, Bolsonaro havia comu-
nicado a Moro que o então di-
retor-geral da PF, Maurício
Valeixo, seria demitido, sem
dar ao seu ministro qual-
quer alternativa.
As oito mensagens inéditas
trocadas por WhatsApp obti-
das pelo Estadão constam do
inquérito do Supremo Tribu-
nal Federal (STF) que apura
se Bolsonaro interferiu na Po-
lícia Federal para ter acesso a
informações de investigações
sigilosas contra seus filhos e
amigos, como acusou Moro. A
reunião ministerial é uma das
provas anexadas ao inquérito,
que tem como relator o minis-
tro do STF Celso de Mello. Foi
o magistrado quem autorizou
a divulgação do vídeo com o
conteúdo da reunião, na últi-
ma sexta-feira.
Bolsonaro disse que o en-
contro do dia 22 de abril não
comprova que ele atuou para
blindar seus parentes. Repe-
tiu, ainda, que falou em trocar
a sua “segurança” no Rio, e
não o comando da Polícia Fe-
deral. As novas mensagens re-
veladas pelo portal esta-
dao.com.br, contudo, mos-
tram que ele chegou à reunião
com a decisão já tomada de de-
mitir o diretor-geral da PF.
“Moro, Valeixo sai esta se-
mana”, escreveu o presidente
às 6h26 do dia 22 de abril. “Es-
tá decidido”, continuou ele,
em outra mensagem enviada
na sequência. “Você pode di-
zer apenas a forma. A pedido
ou ex oficio” (sic).
A resposta de Moro foi envia-


da 11 minutos depois, às 6h37.
“Presidente, sobre esse assun-
to precisamos conversar pes-
soalmente. Estou ah (sic) dis-
posição para tanto”, respon-
deu o então ministro.
Na reunião ministerial, que
começou às 10 horas, Bolsona-
ro demonstrou irritação com
a falta de acesso a relatórios
de inteligência. “Já tentei tro-
car gente da segurança nossa
no Rio de Janeiro, oficialmen-
te, e não consegui! E isso aca-
bou. Eu não vou esperar foder
a minha família toda, de saca-
nagem, ou amigos meu (sic),
porque eu não posso trocar al-
guém da segurança na ponta
da linha que pertence a estru-
tura nossa. Vai trocar! Se não
puder trocar, troca o chefe de-
le! Não pode trocar o chefe de-
le? Troca o ministro! E ponto
final! Não estamos aqui pra
brincadeira”, disse o presiden-
te, olhando para Moro.
Em outra sequência de men-
sagens, enviadas também an-
tes da reunião ministerial,
Bolsonaro encaminha dois ví-
deos e reclama com Moro de
ser informado por “tercei-
ros”. “Força Nacional, Iba-
ma, Funai... As coisas chegam
para mim por terceiros... Eu
não vou me omitir”, disse o
presidente às 8h01.

Contradições. As mensagens
que agora vêm à tona, troca-
das entre o presidente e o en-
tão ministro, contrariam a ver-
são de Bolsonaro de que Valei-
xo pediu para ser demitido.
Além disso, ajudam a explicar
o comportamento de Moro na
reunião ministerial. O ex-juiz
da Lava Jato ficou em silêncio
quando foi constrangido por
Bolsonaro, que cobrou mudan-
ças nas áreas de inteligência.
Àquela altura, ele já havia sido
comunicado da decisão unila-
teral de demitir Valeixo, sem
que pudesse opinar a respeito.
Bolsonaro tem sustentado
em entrevistas que foi Valeixo
quem pediu para ser demiti-
do. Segundo ele, isso compro-
va que não houve interferên-

cia da sua parte. “O senhor Va-
leixo de há muito vinha falan-
do que queria sair. Na véspera
da coletiva do senhor Sérgio
Moro, dia 24 (de abril), o se-
nhor Valeixo fez uma video-
conferência com os 27 superin-
tendentes do Brasil, onde dis-
se que iria sair. Eu liguei pro
senhor Valeixo, o qual respei-
to, na quinta-feira, à noite. Pri-
meiro ele ligou pra mim. De-
pois eu retornei a ligação pra
ele. ‘Valeixo, tudo bem?. Sai
amanhã? Ex-officio ou a pedi-
do?’. A pedido (foi a resposta de
Valeixo, segundo Bolsonaro). E
assim foi publicado no DOU.

Lamento ter constado o nome
do ministro da Justiça ali. É
porque é praxe”, disse Bolso-
naro, na noite de sexta-feira,
após a divulgação do vídeo.

‘Afinidade’. Em depoimento
no inquérito, no último dia 11
de maio, Valeixo contou que
jamais formalizou um pedido
de demissão. De acordo com
ele, um dia antes da publica-
ção no Diário Oficial da União,
recebeu um telefonema do
próprio presidente questio-
nando se ele concordava que
sua exoneração saísse a pedi-
do. Sem alternativa, assentiu.

Valeixo relatou, ainda, que
Bolsonaro justificou que que-
ria alguém no cargo com quem
tivesse “afinidade”.
Próximo da família Bolsona-
ro, o delegado Alexandre Rama-
gem, atual chefe da Agência Bra-
sileira de Inteligência (Abin),
foi nomeado para o comando
da PF, mas não pôde tomar pos-
se por uma decisão do ministro
do STF Alexandre de Moraes.
Com isso, a direção-geral da
corporação foi entregue ao de-
legado Rolando Alexandre de
Souza, considerado braço direi-
to de Ramagem.

Depoimento. A troca de men-
sagens foi retirada do celular
do ex-ministro Sérgio Moro
durante seu depoimento à Po-
lícia Federal. Na ocasião, peri-
tos da PF fizeram uma varredu-
ra completa no celular do ex-
juiz para extrair mensagens
que poderiam comprovar a
acusação contra o presidente.
Na sexta-feira, o ministro Cel-
so de Mello encaminhou à Pro-
curadoria-Geral da República
um pedido de partidos de opo-
sição para que o celular de Bol-
sonaro fosse apreendido em
busca de mais provas da supos-
ta interferência dele na PF.
A reação do Planalto veio do
ministro do Gabinete de Segu-
rança Institucional (GSI), gene-
ral Augusto Heleno, que, em no-
ta, disse que uma decisão favo-
rável a esse pedido poderia ter
“consequências imprevisíveis
para a estabilidade nacional”.
Três horas depois dos diálo-
gos obtidos pelo Estadão nos
quais Bolsonaro dá a ordem pa-
ra mudar a Polícia Federal ocor-
reria a reunião ministerial tor-
nada pública na sexta-feira, na
qual Bolsonaro afirma clara-
mente que desejava troca na
“segurança” do Rio.
Chegou a dizer que era alvo
de “putaria o tempo todo” para
atingir não só ele como sua fa-
mília. Bolsonaro disse ali que
não podia ser “surpreendido
com notícias” e revelou ter um
sistema particular de informa-
ções. “Pô, eu tenho a PF que

não me dá informações”, recla-
mou. O presidente assegurou,
ainda, que ia interferir em to-
dos os ministérios. “E não dá
pra trabalhar assim. Fica difícil.
Por isso, vou interferir! E ponto
final, pô! Não é ameaça, não é
uma ... uma extrapolação da mi-
nha parte. É uma verdade”, afir-
mou Bolsonaro, ao olhar na di-
reção de Moro.

GSI. A versão de que o presi-
dente se referia à sua seguran-
ça pessoal no Rio, e não à PF, é
colocada em xeque por mudan-
ças ocorridas no escritório do
GSI no Rio, dois meses antes
da reunião ministerial. A con-
tradição foi revelada pelo Jor-
nal Nacional, da TV Globo. A
reportagem mostrou também
que, 28 dias antes daquela reu-
nião, o responsável pela segu-
rança do presidente havia sido
promovido.
O Estadão procurou a Secre-
taria Especial de Comunicação
da Presidência da República
(Secom) para falar sobre as
mensagens, mas o Palácio do
Planalto informou que não iria
comentar.
A defesa de Moro disse que
“as declarações do presidente
da República demonstram, de
maneira inquestionável, sua
vontade de interferir indevida-
mente” na Polícia Federal. “Es-
ses elementos probatórios so-
mam-se às demais diligências
investigatórias, inclusive ao ví-
deo da reunião de 22 de abril,
comprovando as afirmações do
ex-ministro Sérgio Moro”, afir-
mou o advogado Rodrigo Rios.

Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA


O ministro Marco Aurélio Mel-
lo, do Supremo Tribunal Fede-
ral (STF), disse ontem ao Esta-
dão que ficou “perplexo” com o
vídeo da reunião ministerial do
presidente Jair Bolsonaro com
o primeiro escalão do governo,
marcada por palavrões, amea-
ças e ataques a instituições. O
ministro da Educação, Abra-
ham Weintraub, chegou a dizer:
“Por mim, botava esses vaga-
bundos todos na cadeia. Come-


çando no STF”.
“Tudo lamentável, ante a fal-
ta de urbanidade. Fiquei perple-
xo. O povo não quer circo. Quer
saúde, emprego e educação”,
disse Marco Aurélio. “Fosse o
presidente (Bolsonaro), teria
um gesto de temperança. Insta-
ria o ministro da Educação a pe-
dir o boné. Quem sabe?”
Ao levantar o sigilo do vídeo
da reunião, o decano do STF, mi-
nistro Celso de Mello, apontou
aparente “prática criminosa”
na conduta de Weintraub,
“num discurso contumelioso
(insultante) e aparentemente
ofensivo ao patrimônio moral”
em relação aos ministros da
Corte. Para Celso de Mello, a
declaração de Weintraub põe
em evidência “seu destacado
grau de incivilidade e de inacei-

tável grosseria” e configuraria
possível delito contra a honra.
Em sua decisão, Celso de Mel-
lo mandou comunicar os cole-
gas do Supremo sobre os ata-
ques de Weintraub para que os
ministros, caso queiram, ado-
tem as medidas que considera-
rem pertinentes.

‘Carapuça’. Mesmo assim,
Marco Aurélio não pretende to-
mar nenhuma medida contra o
titular da Educação. “De forma
alguma. Não sou vagabundo. A
carapuça passou longe”, reba-
teu o ministro do Supremo.
Indagado pela reportagem se
vê uma ameaça à democracia
nas falas, o ministro foi categóri-
co: “A resposta é desenganada-
mente negativa. Não vejo. Não
há espaço para retrocesso”.

Um segundo ministro do
STF, ouvido reservadamente,
disse ter ficado “horrorizado”
com o vocabulário empregado
por Bolsonaro e pelos minis-
tros, e avaliou que o material
não deve provocar consequên-

cias jurídicas para o chefe do Po-
der Executivo.
Uma das últimas pontes que
restam do Palácio do Planalto
com o STF é com o presidente
da Corte, ministro Dias Toffoli,
que ainda não se manifestou.

Toffoli tem procurado manter
um diálogo institucional com
Bolsonaro e tem usado a pró-
pria a abertura das sessões ple-
nárias – que ocorrem às quartas
e quintas-feiras – para mandar
recados e defender a Corte de
ataques.

Aborto. Em outro momento
da reunião, a ministra da Mu-
lher, da Família e dos Direitos
Humanos, Damares Alves, fez
críticas ao STF e falou que é “pa-
lhaçada” a Corte trazer o abor-
to de novo para a pauta. “As mu-
lheres que são vítima do zika ví-
rus vão abortar e agora vem do
coronavírus? Será que vão que-
rer liberar que todos que tive-
ram coronavírus poderão abor-
tar no Brasil? Vão liberar geral?”
O STF acabou rejeitando
uma ação que pedia, entre ou-
tras coisas, o direito de aborto
para grávidas infectadas pelo ví-
rus da zika.

FOTO: REPRODUÇÃO

Paulo Roberto Netto
Rayssa Motta


Parlamentares da Rede, do PDT
e do PSB entraram com repre-
sentações ontem no Supremo
Tribunal Federal (STF) e na Pro-
curadoria-Geral da República


pedindo que sejam abertos in-
quéritos para apurar possíveis
crimes cometidos pelos minis-
tros Abraham Weintraub (Edu-
cação), Ricardo Salles (Meio Am-
biente) e Damares Alves (Mu-
lher, Família e Direitos Huma-
nos) durante a reunião ministe-
rial de 22 de abril.
Um requerimento contra o ge-
neral Augusto Heleno (Gabine-
te de Segurança Institucional)
também foi enviado, mas não
tem relação com a reunião: foi
motivado pela nota que o minis-
tro divulgou em seu Twitter criti-

cando o envio, pelo ministro Cel-
so de Mello, do STF, de notícias-
crime contra o presidente Jair
Bolsonaro para análise da PGR.
Após o parecer do procurador-
geral, Augusto Aras, o decano po-
derá pedir busca e apreensão do
celular pessoal do presidente e
do seu filho, vereador Carlos Bol-
sonaro (Republicanos-RJ).
Os requerimentos são assi-
nados pelo senador Randolfe
Rodrigues (Rede-AP) e pelos
deputados Joenia Wapichana
(Rede-RR), André Figueiredo
(PDT-CE) e Alessandro Mo-

lon (PSB-RJ).
Weintraub, Salles e Damares
são alvo dos pedidos de investi-
gação após declarações torna-
das públicas com a divulgação
do vídeo da reunião de 22 de
abril, por decisão de Celso de
Mello, no inquérito que apura su-
posta tentativa de interferência
de Bolsonaro na Polícia Federal,
apontada por Sérgio Moro ao
deixar o Ministério da Justiça.
Na gravação, o ministro da
Educação pede a prisão dos inte-
grantes do STF e se refere aos
ministros como “vagabundos”.
Damares Alves, na mesma linha,
pede que governadores e prefei-
tos sejam colocados na cadeia
por medidas tomadas para com-
bater a disseminação do novo co-
ronavírus.
As falas de Weintraub e Dama-

res foram classificadas pelos par-
lamentares como “demonstra-
ções graves de descaso pela de-
mocracia”. Celso de Mello já ha-
via apontado “aparente prática
criminosa” na conduta do minis-
tro da Educação.

Impeachment. Ricardo Salles,
por sua vez, sugeriu na reunião
ser preciso aproveitar a “oportu-
nidade” que o governo federal
ganha com a pandemia da doen-

ça para “ir passando a boiada e
mudando todo o regramento e
simplificando normas”.
O pedido contra Salles argu-
menta que, em suas falas, o mi-
nistro demonstrou dolo ao ata-
car “regras de um meio ambien-
te sustentável e desprezo pelo
princípio da precaução ambien-
tal” e apresentou “conduta in-
compatível com o cargo”.
Também ontem, o deputado
federal Célio Studart (PV-CE)
afirmou que pretende protoco-
lar nos próximos dias um pedi-
do de impeachment de Salles
após as falas do ministro do
Meio Ambiente na reunião.

Marco Aurélio se diz ‘perplexo’ e pede saída de Weintraub


lDiretor-geral da PF

Oposição quer inquérito contra


ministros na PGR e no Supremo


‘Estadão’ teve acesso a 8 mensagens trocadas horas antes da reunião ministerial que contradizem versão do presidente sobre mudança na PF


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO – 21/11/2019 *

Ministro da Educação


defendeu a prisão de


integrantes do STF


durante reunião com


Bolsonaro e colegas


lDefesa
Ricardo Salles reforçou ontem
suas declarações na reunião. “De-
fendi que em todos os ministérios
há espaço para desregulamenta-
ção. Isso significa tirar garantias
relevantes? Não”, disse à CNN.

“O senhor Valeixo de há
muito vinha falando que
queria sair. Na véspera da
coletiva do senhor Sérgio
Moro, dia 24, o senhor
Valeixo fez videoconferência
com os 27 superintendentes,
onde disse que iria sair.”
Jair Bolsonaro
PRESIDENTE, ANTEONTEM, APÓS
DIVULGAÇÃO DO VÍDEO DA REUNIÃO

De
Bolsonaro
para Moro.
‘Valeixo
sai nessa
semana.
Está
decidido.
Você pode
dizer apenas
a forma’,
afirma
presidente
ao então
ministro

De Moro
para
Bolsonaro.
‘Precisamos
conversar’,
responde
o então
ministro

Parlamentares de PDT,


PSB e Rede pedem


apuração de possíveis


crimes na reunião


do dia 22 de abril


Bolsonaro a Moro em 22 de abril:


‘Valeixo sai esta semana. Está decidido’


Tribunal. Marco Aurélio Mello criticou fala de Weintraub
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