O Estado de São Paulo (2020-05-25)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:B-2:20200525:
B2 Economia SEGUNDA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Primeira Pessoa


E-MAIL: [email protected]

E


nquanto a epidemia avança,
sob a proteção da incúria do
governo federal, ficam claras
as condicionalidades que nos espe-
ram logo mais adiante.
Sabemos hoje que o déficit primá-
rio vai explodir. A previsão da Insti-
tuição Fiscal Independente é de um
rombo de R$ 706,4 bilhões em 2020,
quase seis vezes mais que o déficit
originalmente previsto no Orça-
mento. Sabemos, também, que tere-
mos uma recessão histórica, com
queda do PIB de 6% ou mais. Ne-
nhum brasileiro vivo testemunhou
o que veremos neste ano.
Sabemos, ainda, que a crise política
vai se agravar, fomentada pela verve
primitiva do presidente da Repúbli-
ca. Pesquisa XP/Ipespe divulgada na
semana passada mostra que 50% dos
pesquisados avaliam o governo Bol-
sonaro como “ruim” ou “péssimo”,
índice que estava em 39% em janeiro.
É, ainda, bem menos que os 68% com
que Michel Temer deixou o governo,
mas a tendência deve se acelerar
quando o desemprego subir. Bolsona-
ro já sente o bafo do impeachment e
optou pelo populismo extremista de
direita. Já está em modo de sobrevi-
vência e qualquer projeto econômico
que prometa resultados de longo pra-
zo não serve. Do que ele precisa para
evitar as labaredas da interrupção
prematura do mandato? Crescimen-
to da renda e do emprego, logo.
O que Paulo Guedes pode ofere-
cer? Princípios liberais fundamenta-
listas e continência fiscal. O primei-
ro embate será com a suspensão do
auxílio emergencial. Sem ele, o
apoio ao presidente vai erodir ainda
mais. Outro conflito surgirá com o
Orçamento de 2021. Com a inflação
muito baixa, a lei do teto orçamentá-
rio, se for mantida, imporá cortes
descomunais em despesas que fi-
nanciam atividades essenciais. O go-
verno poderia propor uma reforma
administrativa que sinalizasse cor-
te nas despesas de pessoal. Mas não
só seria pouco, como essa pauta con-
traria a natureza corporativista do
presidente. Aumento de impostos?
O presidente também não aceita, já
que iria carcomer ainda mais sua ba-
se de apoio, agora entre os ricos.
Quem sabe, então, um programa

acelerado de privatizações para miti-
gar o avanço da dívida pública? Não,
também não dá, porque o presiden-
te não aceita a venda dos bancos ofi-
ciais e da Petrobrás, de onde pode-
ria sair algum dinheiro graúdo.
Paulo Guedes pode oferecer ape-
nas sangue, suor e lágrimas. Bolsona-
ro precisa de rápida recuperação do
emprego para comprar tempo e mu-
dar de assunto quando o impeach-
ment for ventilado. O ministro pen-
sa em reformas estruturais que po-
dem preparar o País para uma arran-
cada – mas isso exige tempo e habili-
dade que faltam ao presidente. Bol-
sonaro está enredado no radicalis-
mo autoritário da direita. Guedes é
um liberal juramentado. A cloroqui-
na econômica que demanda Bolso-
naro o ministro não pode oferecer.
Talvez Guido Mantega, se estiver dis-
ponível, possa pensar em algum pro-
grama de crescimento baseado em
expansão fiscal que encante o presi-
dente. Mas não Paulo Guedes.
Não tardará para que os dois te-
nham de discutir a relação. Algum

pragmatismo poderia superar diver-
gências. Um programa de investi-
mentos públicos, apartado do Orça-
mento e fiscalizado por uma comis-
são específica, poderia dar algum
alento ao nível de atividade. Mas o
ministro não engoliu o sapo do Plano
Pró-Brasil e parece não estar dispos-
to a ingerir nenhum girino. Da parte
do presidente, sua reconhecida visão
ignara das coisas da economia o impe-
de de perceber a gravidade da situa-
ção fiscal. Ele não quer saber se o pato
é macho – ele quer o ovo. Sem recupe-
ração rápida da economia – inviável,
se a tônica for a austeridade –, a chapa
vai esquentar. Tudo somado, a dupla
está em rota de colisão. Eles (mas não
nós) guardarão boas lembranças. O
radicalismo fundamentalista os
uniu. O populismo pode separá-los.

]
ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA
MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PRO-
FESSOR DE ECONOMIA DA PUC-SP E DA
FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARDOAS-
[email protected]

Radicalismo fundamentalista
uniu o presidente Bolsonaro
e o ministro Paulo Guedes. O
populismo pode separá-los

D


iante da imprevisibilidade quanto ao término do isolamento social,
o agro está levando feiras e eventos para a internet. A ideia é recupe-
rar o tempo perdido no primeiro quadrimestre, quando muitos dos
eventos precisaram ser cancelados. A Associação Brasileira do Agronegócio
(Abag) vai realizar seu congresso, um dos maiores do setor, de forma vir-
tual no dia 3 de agosto. Os debatedores devem se reunir presencialmente,
mas o público só poderá acompanhar pela rede. A Agrotins, do Tocantins,
será via internet esta semana. “O setor não quer perder 2020”, diz Rafael
Sant’Anna, gerente de Negócios da Agrofy, maior marketplace do agronegó-
cio no País. Para se ter uma ideia do potencial desses eventos, a Agrishow,
em Ribeirão Preto (SP), gerou R$ 2,9 bilhões em negócios em 2019.


Não é você,


sou eu


»Conectados. A Agrofy tem negocia-
ções avançadas para viabilizar ver-
sões das principais exposições agrope-
cuárias nacionais, com mapa virtual e
estandes com realidade aumentada
semelhantes aos espaços físicos. Ali,
produtores conseguirão conhecer pro-
dutos e negociar com expositores.


»Sem prejuízo. Encampar na segun-
da metade do ano eventos que sempre
ocorrem na primeira não significa per-
der o “timing” dos negócios, diz Nade-
ge Saad, gerente de Marketing da
Agrofy para a América Latina. Para ela,
ainda que nas feiras do 2.º semestre o
foco não seja o mesmo dos eventos do
primeiro, o impacto é limitado. “O
adiamento deve mexer muito pouco
no cronograma de vendas, se mexer.”


»Gente grande. Em resposta à de-
manda de produtores e empresas, a
Agrofy vai realizar a partir desta se-
gunda-feira até 29 de junho um feirão
de máquinas agrícolas e insumos.
Agricultores terão condições mais
vantajosas para adquirir o que preci-
sam, diz Sant’Anna. Cerca de 80 em-
presas participarão, entre elas Jacto e
Stara, de maquinário. “Como não tive-
mos feiras até agora, esperamos boa
demanda, com negócios acima de R$
2 bilhões”, projeta.


»Avante. A Kimberlit Agrociências,
de fertilizantes especiais, espera fe-
char 2020 com faturamento ao me-
nos 15% maior. A projeção leva em
conta o desempenho no primeiro tri-
mestre, em que registrou aumento de
vendas nesse porcentual, puxadas pe-
lo milho e soja, culturas beneficiadas
pelo atual câmbio. “Nunca tivemos
um preço tão bom dessas duas com-
modities”, afirma Renato Peixoto, di-
retor financeiro da Kimberlit.

»Otimismo. A Kimberlit também
mantém planos de investir de R$ 12
milhões a R$ 15 milhões em nova fábri-
ca da Bionat, sua unidade de defensi-
vos biológicos. A construção deve co-
meçar no terceiro trimestre. Para este
ano, a expectativa é de que o fatura-
mento da Bionat chegue a R$ 20 mi-
lhões, três vezes mais do que em


  1. “Acreditamos que já passamos
    do meio da crise da covid-19 e vamos
    caminhar para o fim; a safra não vai
    ser comprometida”, prevê Peixoto.


»Segue firme. O consumo de biscoi-
tos, massas, pães e bolos industrializa-
dos segue em alta no País, impulsio-
nado pela quarentena da população.
Entre fevereiro e maio, até a primeira
quinzena, o volume vendido desses
produtos cresceu 20%, segundo a As-

sociação Brasileira das Indústrias de
Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães
& Bolos Industrializados (Abimapi).
No período, foram comercializadas
160 mil toneladas a mais.

»Continua. Cláudio Zanão, presiden-
te executivo da Abimapi, acredita que
o consumo seguirá aquecido mesmo
após restaurantes e serviços de alimen-
tação voltarem a funcionar. São produ-
tos relativamente baratos e a popula-
ção está menos capitalizada, destaca.
“Macarrão, biscoito e pão devem ter
crescimento mais consistente até o
fim deste ano, de 2% a 4%”, projeta.
Em 2019, fabricantes venderam 3,
milhões de toneladas de pães, massas,
bolos e biscoitos industrializados.

»Em vão. A ministra da Agricultura,
Tereza Cristina, se esforçou em favor
da aprovação da Medida Provisória
910, conhecida como MP da Grila-
gem, mas a proposta foi retirada da
pauta na Câmara antes de caducar. O
Projeto de Lei 2.633/2020, que reto-
mou a questão, também foi para a ga-
veta da Câmara dos Deputados, após
ameaça de retaliação de compradores
estrangeiros aos produtos agropecuá-
rios brasileiros.

»Do zero. Uma fonte do governo
avalia que a articulação do Minis-
tério da Agricultura com os parla-
mentares terá de ser refeita a fim
de tirar o “rótulo” de que o proje-
to beneficia o desmatamento ile-
gal. “Vamos começar do zero,
com uma nova estratégia, levando
a ideia de algo novo para não con-
taminar o debate”, diz.

»Adiantados. As recentes altas do
dólar têm reduzido a pressão por ar-
mazenagem no Paraná, já que favore-
ce a rápida comercialização dos grãos.
A Cocamar, cooperativa de Maringá,
recebeu um volume recorde de soja
em 2019/2020, de 1,5 milhão de tonela-
das, mas 80% desse volume já foi ne-
gociado. “Venda rápida dessa maneira
nunca havia sido vista, o que ajudou a
aliviar o (espaço de) armazenamento”,
conta o vice-presidente de negócios
da cooperativa, José Cícero Aderaldo.
A capacidade de estocagem da coope-
rativa é de 1,7 milhão de toneladas.

POR CLARICE COUTO, ISADORA DUARTE
e LETICIA PAKULSKI

O


open banking, a ser imple-
mentado em fases pelo Banco
Central até o final de 2021,
traz a promessa de revolucionar a ma-
neira com que clientes e instituições
financeiras trocam os próprios dados
e de aumentar a competitividade no
setor. Empresas já se antecipam e re-
pensam seus negócios a partir do no-
vo modelo, como a GR1D, que forne-
ce APIs (conjunto de códigos de pro-
gramação) para seguradoras que quei-
ram fazer a transformação digital.
Com eventual cenário de crise econô-
mica por conta da covid-19, o CEO
Renato Terzi aposta que, com mais
instituições oferecendo produtos no
mercado, o open banking possa frear
possível custo do crédito e refinar a
análise de risco do consumidor.

lA pandemia afetou diversas startups
brasileiras. E a GR1D?
Nosso negócio é muito favorecido
pela demanda de digitalização que
acontece agora porque as empresas
procuram APIs para fazer a experiên-
cia digital. No momento, estamos
contratando e usando listas dessas
grandes empresas que estão desligan-
do pessoas. Para nós, este é um bom
momento e conseguimos dobrar o
que tínhamos como meta para o mês
de maio.

lO atual cenário força a digitalização?
É obrigatório digitalizar e existe hoje
uma facilidade. A hambur-
gueria da esquina não
precisou desenvolver
solução própria, mas
usou uma plataforma
existente, como o
iFood, que permite
fazer essa entrega de
forma simples. E tem
a demanda do cliente,
instigado a buscar so-
luções digitais.

lComo o open banking
beneficia o negócio da
GR1D?
Os grandes bancos
já têm estrutura pa-

ra poder trocar informações via API.
Todos os outros bancos menores e
mais regionais precisam desenvolver
essa estrutura tecnológica. O que ofe-
recemos são essas APIs para os peque-
nos que quiserem competir. O merca-
do vai ficar mais eficiente refinado.

lA crise não vai prejudicar esses pla-
yers menores?
Com a recessão se prolongando, va-
mos ter necessidade de substituição
de riscos no crédito pelos próximos
dois a três anos. Vai haver uma de-
manda muito grande por soluções
para que os bancos menores possam
competir. Vamos ter corrida por
crédito e o open banking vem na
hora exata para isso.

lComo vai ser essa corrida?
O nível de poupança e o rendi-
mento do consumidor vão redu-
zir fortemente e o cidadão vai
precisar se endividar. Confor-
me cresce o custo do crédito,
entra o open banking, que vai
ajudar as empresas a entrarem
no jogo com outros perfis e
vai frear o aumento desse
custo. Vai ser benéfico
para todo o mercado
do País. / GUILHERME
GUERRA

Opinião


l]
LUÍS EDUARDO
ASSIS

Em Ribeirão Preto. Agrishow movimentou R$ 2,9 bilhões em 2019


lAno de bonança

36,
bilhões de reais foi o faturamento da
indústria de biscoitos, massas, pães
e bolos em 2019, avanço de 3,5%

Com pandemia, feiras e


eventos vão para a internet


coluna do


‘Com crise, haverá


corrida por crédito


e o open banking


vem na hora exata’


PAULO WITHAKER/REUTERS-27/5/

O Mapa da Bolsa


Suzano S.A. ON

Klabin S/A UNIT

JBS ON

Minerva ON

Marfrig ON

-9,26%

5,77%

9,95%

1,35%

-0,85%

● As ações que mais subiram e as que mais caíram
na semana passada

FONTE: BROADCAST INFOGRÁFICO/ESTADÃO

OBS.: EMPRESAS QUE FAZEM PARTE DO ÍNDICE IBOVESPA

Melhores

Azul PN

Ecorodovias ON

BTG Banco UNIT

CCR SA ON

Localiza ON

Piores

Na semana Em 1 mês

9,66%

16,15%

-3,08%

27,20%

22,27%

0
33,57%

27,52%

23,21%

22,79%

19,83%

14,26%

-11,64%

-11,49%

-10,63%

-10,04%

Renato Terzi,
Presidente-executivo da GR1D

DIEGO PADGURSCHI /IN PRESS
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