O Estado de São Paulo (2020-05-25)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-2:20200525:
A2 Espaçoaberto SEGUNDA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO






A catedral de Florença, o famo-
so Duomo, uma das obras-pri-
mas do primeiro renascimen-
to italiano, abriu suas portas
ao público pela primeira vez
depois que o país fechou os
monumentos e joias arquite-
tônicas no início de março pa-
ra frear a propagação do coro-
navírus. “Decidimos abrir gra-


tuitamente para enviar uma
mensagem de esperança, de
volta à vida normal’’, disse Lo-
renzo Luchetti, diretor-geral
da Ópera de Santa Maria del
Fiore, que administra os mo-
numentos, Patrimônio da Hu-
manidade desde 1982.

http://www.estadao.com.br/e/duomo

N


ão é qualquer ideia,
por ser uma mera opi-
nião, que tem valida-
de. Se isso fosse verdade, o co-
nhecimento não se estrutura-
ria, a civilização não avança-
ria e a vida humana seria im-
possível. Ideias argumentadas
são as que, tendo pretensão
de validade, são submetidas à
discussão e ao confronto, acei-
tando testes, debates e verifi-
cações. O primeiro tipo con-
duz ao arbítrio e o segundo, a
ordenações políticas basea-
das na liberdade.
A ciência, grande expoente
do processo civilizatório,
aquele que torna um bípede
falante qualquer um verdadei-
ro ser humano, teve um longo
percurso histórico, com pen-
sadores mais avançados pa-
gando até com sua própria vi-
da. Foi um processo penoso e
difícil através do qual a força
das ideias terminou por vigo-
rar contra a violência da domi-
nação política.
O conhecimento se estrutu-
ra, a experiência é valorizada,
o confronto público de ideias
torna-se uma condição deste
progresso e seus efeitos se fa-
zem sentir no bem-estar de
todos, graças à descoberta de
novas técnicas. Vacinas, pro-
tocolos de saúde e medica-
mentos são seus frutos. A pes-
quisa termina por estabelecer
suas próprias regras, de mo-
do que todos se possam reco-
nhecer enquanto agentes de
um conhecimento de dimen-
sões coletivas.
Do ponto de vista político,
a liberdade no nível do conhe-
cimento se traduz por novas
formas de estruturação do Es-
tado, vindo a ser um princípio
a organizar as relações sociais
e políticas. O espaço do arbí-
trio, embora não possa ser eli-
minado, é então circunscrito,
de onde surge a noção moder-
na de cidadania.
Ora, o que estamos hoje
presenciando no País é um re-
trocesso civilizatório. O bol-
sonarismo, nome para desig-
nar um amontoado de ideias
carentes de fundamentação,
porém eficaz do ponto de vis-
ta do convencimento de uma

parte da população, tem co-
mo uma de suas característi-
cas principais o menosprezo
da ciência e, por via de conse-
quência, da liberdade. O des-
respeito ao outro é total, tan-
to do ponto de vista científi-
co quanto moral, este último
se traduzindo pela ausência
de compaixão e pela banaliza-
ção da morte.
Trata-se de um movimento
de extrema direita, que deve,
evidentemente, ser distingui-
do da direita conservadora e
da direita liberal, que prezam
a ciência, a moral, o debate li-
vre a democracia, a despeito,
muitas vezes, de divergências
sobre o significado desses
conceitos. Quisera aqui sa-
lientar princípios comuns
por eles compartilhados, co-
mo os que são igualmente vi-
gentes no campo da esquer-
da, excluindo sua franja auto-

ritária e totalitária. A extrema
direita não adere a esses valo-
res democráticos.
O que temos visto no trata-
mento da atual pandemia é a
afirmação de meras opiniões
do presidente Bolsonaro co-
mo se fosse um pesquisador a
emitir “verdades” de que só
ele conheceria o fundamento.
O exercício autoritário do po-
der se conjuga com o desres-
peito completo aos procedi-
mentos científicos. É simples-
mente aterrador que dois mi-
nistros da saúde tenham sido
substituídos em curto espaço
de tempo por não concorda-
rem com as opiniões “médi-
cas” do presidente. Um presi-
dente não precisa ser especia-
lista em nada, basta cercar-se
de assessores competentes. E
o que fez o terceiro ministro?
Simplesmente seguiu o arbí-
trio presidencial.
O que faz o presidente? As-
sessora-se com seus filhos e
seguidores, cujo único “princí-
pio”, se é que essa palavra pos-
sa ser aqui empregada, consis-

te em construir uma narrativa
que lhe sirva, nas redes so-
ciais, para seu projeto reeleito-
ral. Que isso seja bom para a
saúde dos brasileiros é algo
meramente secundário.
As redes sociais, aliás, são
campo particularmente propí-
cio para esse tipo de prática
autoritária, pois lá passa a va-
ler a narrativa, a pluralidade e
a desordem das narrativas, co-
mo se todas as opiniões fos-
sem de igual valor. Uma ideia
científica passa a ser uma sim-
ples narrativa, com a qual se
confrontam outras narrativas
que, uma vez desmentidas,
são substituídas por outras
narrativas carentes de valida-
de, e assim por diante. A ideia
balizada, argumentada, desa-
parece ante uma avalanche
“informativa”, hoje identifica-
da como fake news.
Protocolos científicos, labo-
riosamente elaborados e esta-
belecidos há décadas, se não
séculos, são simplesmente ati-
rados para o ar, passando a va-
ler a solução mágica de um
medicamento determinado,
lançado ao léu por supostos
cientistas que nem seguiram
as regras do seu meio. No
caos do vale-tudo, seria uma
“solução” entre todas, como
se fosse igual escolher entre a
conservação da vida, a cura da
doença e aventuras perigosas
no corpo de cada um.
As consequências do des-
prezo pela ciência e pelos
princípios democráticos se fa-
zem igualmente sentir no do-
mínio dos valores morais. Jo-
ga-se contra a ciência, a favor
do autoritarismo, quando cor-
pos se amontoam em hospi-
tais e cemitérios. A compai-
xão humana desaparece, en-
tra-se numa contabilidade de
necrotérios, como se as pes-
soas devessem estar submeti-
das ao espectro desse tipo de
morte. A política põe-se a ser-
viço das trevas e da ignorân-
cia – em linguagem popular,
do capeta.

]
PROFESSOR DE FILOSOFIA
NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO
RIO GRANDE DO SUL (UFRGS)

‘Tenet’, do diretor Christop-
her Nolan, foi divulgado pa-
ra os jogadores de ‘Fortnite’.

http://www.estadao.com.br/e/nolan

ITÁLIA


Duomo de Florença reabre para visitas


Metade do valor foi pago a
trabalhadores dos Estados
Unidos e Canadá, mas a aju-
da contemplou profissio-
nais em todo o mundo.

http://www.estadao.com.br/e/uber

l“Esse governo aí quer acabar mesmo com o novo coronavírus, diferen-
temente do Brasil.”
ANTONIO JOSÉ OLIVEIRA

l“Até outro dia o País era exemplo de isolamento. Só mais uma prova
de que o isolamento não é tudo isso!”
CRISTIANO MIRANDA

l“Quanto mais pessoas em casa, menos o vírus se espalha.”
WILLYANS MENDES

l“Sem remédios nem vacinas não dá para comemorar o suposto con-
trole da pandemia. Enquanto existir um infectado no mundo, toda a
humanidade estará em perigo.”
MAURICIO MELLO

INTERAÇÕES

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
PRESIDENTE: ROBERTO CRISSIUMA MESQUITA
MEMBROS
FERNANDO C. MESQUITA
FERNÃO LARA MESQUITA
FRANCISCO MESQUITA NETO
GETULIO LUIZ DE ALENCAR
JÚLIO CÉSAR MESQUITA

Riviera Francesa deveria re-
ceber os maiores nomes do
cinema mundial, mas a pan-
demia adiou o festival e guar-
dou o tapete vermelho.

http://www.estadao.com.br/e/cannes

Espaço Aberto


A


covid-19 levou Aldir
Blanc, mas sua obra é
um fio permanente de
beleza a nos guiar nestes tem-
pos obscuros, a exemplo da
canção Resposta ao Tempo. A
resposta à crise não pode
mais ser atropelada por agen-
das inadequadas. A falta de
diagnóstico e de prognóstico
turva a visão do governo. Ain-
da há tempo para salvar mui-
tas vidas. A resposta tem de
se pautar em dois eixos: o
combate ao vírus, no curto
prazo, e o planejamento para
o pós-crise.
O isolamento social é ines-
capável, como explicou o sani-
tarista Gonzalo Vecina em ar-
tigo no Estadão de 20/5. A re-
cessão econômica poderá ser
pior do que a apontada no
atual cenário pessimista da
Instituição Fiscal Independen-
te (IFI) do Senado Federal,
de 5,2%. Diante disso, a tarefa
primordial é reduzir mortes e
planejar um horizonte de re-
cuperação da produção e do
consumo. A volta à normalida-
de ocorrerá, tempestivamen-
te, de maneira coordenada.
No eixo do combate ao ví-
rus destacam-se quatro fren-
tes de batalha: 1) guarnecer o
SUS e os governos regionais;
2) disseminar os testes de
diagnóstico e acelerar a com-
pra de respiradores e a insta-
lação de novas UTIs, em par-
ceria com o setor privado; 3)
mitigar os efeitos da crise so-
bre a renda dos mais pobres;
e 4) intensificar as medidas
de isolamento e as campa-
nhas de higiene pessoal e de
uso de máscaras. Comento ca-
da uma a seguir.



  1. Foram aprovados R$ 50,
    bilhões de auxílio aos gover-
    nos estaduais e municipais,
    além de compensações de até
    R$ 16 bilhões nos fundos de
    participação desses entes fe-
    derativos. Outros R$ 49,8 bi-
    lhões foram destinados à saú-
    de, incluindo gastos diretos
    da União e transferências pa-
    ra Estados e municípios. Mas
    desse total, de R$ 116 bilhões,
    foram pagos apenas R$ 11,2 bi-
    lhões. É preciso transpor obs-
    táculos burocráticos e acele-


rar os pagamentos, sobretudo
no gasto com saúde.
2) “O tempo aprisiona”, diz
a música de Aldir Blanc. A
inépcia, também. É urgente
promover um esforço nacio-
nal envolvendo o setor priva-
do. Sua estrutura, seus profis-
sionais e seu conhecimento
têm de ser convertidos para
as trincheiras da guerra ao ví-
rus. Faltam testes, medica-
mentos, respiradores, UTIs e
profissionais. Por hipótese, o
aluguel ou construção de 30
mil leitos de UTI, ao custo mé-
dio diário de R$ 2 mil/pacien-
te, por um período de três me-
ses, representaria R$ 5,4 bi-
lhões. É uma cifra muito pe-
quena relativamente ao poder
de fogo da União. Poderia ser
comportada nos R$ 49,8 bi-
lhões mencionados.
3) O programa emergencial
de R$ 600 está sendo executa-

do, apesar das filas e das difi-
culdades para acesso ao di-
nheiro. Dos R$ 123,9 bilhões fi-
xados pelo governo no orça-
mento, R$ 76,4 bilhões já fo-
ram pagos. A IFI estima que o
programa atingirá quase 80
milhões de brasileiros, ao cus-
to de R$ 154,4 bilhões em três
meses. A discussão sobre a
prorrogação do auxílio é rele-
vante, mas precisa ser feita no
contexto de eventual reestru-
turação e unificação dos bene-
fícios sociais já existentes.
4) As campanhas para higie-
nização pessoal, controle de
circulação de pessoas e uso
de máscaras têm de ser inten-
sificadas. Como apontado por
Vecina, se o contágio não se
distribuir no tempo, a deman-
da adicional de UTIs levará o
sistema de saúde ao colapso.
No segundo eixo, o do pla-
nejamento para o pós-crise, é
preciso ter claro o ponto de
partida: a dívida pública au-
mentará mais de dez pontos
porcentuais do PIB em 2020,
algo como R$ 732 bilhões. Em

2021 será preciso retomar
déficits públicos menores. Ta-
refa complexa a executar se o
PIB aumentar muito pouco. A
saída da crise envolve o com-
promisso com o controle dos
gastos governamentais e com
o aumento das receitas e dos
investimentos públicos.
Os juros baixos ajudarão a
elevar o investimento priva-
do, mas cabe lembrar que a
ociosidade da indústria já su-
pera os 40%. Os recursos dos
programas de crédito têm de
chegar mais rapidamente às
empresas. Também o progra-
ma de manutenção de empre-
go com redução de jornada
merece atenção, uma vez que
foram pagos até agora apenas
R$ 4,5 bilhões dos R$ 51,6 bi-
lhões previstos. Do contrário,
fragilizaremos a retomada.
Um verdadeiro bunker é ne-
cessário para dirigir tudo is-
so. Os dois eixos são comple-
xos e cheios de matizes que
dependem de gente compe-
tente, gestores, especialistas
e estudiosos. Em nada ajuda
a súcia de camisas pardas a
aplaudir o caos. A hora é da
qualificada elite burocrática
do País. Mas isso requer lide-
rança política.
As tarefas são óbvias: cole-
tar informações diárias de to-
dos os Estados e municípios,
com foco nos mais afetados
pelo coronavírus, e agir, a par-
tir do bom diagnóstico. E, cla-
ro, corrigir a rota quando ne-
cessário. Não é uma operação
trivial.
Como na canção de Aldir
Blanc, “(o tempo) sussurra
que apaga os caminhos”, atro-
pela vidas, é implacável com
a irresponsabilidade. “Bati-
das na porta da frente. É o
tempo...”. A melhor resposta?
Governar.

Nota: Meu avô, Milton Scude-
ler, era assinante do Estadão e
lia para mim os editoriais e arti-
gos de opinião das páginas A2 e
A3, onde agora tenho a honra de
escrever periodicamente. Agrade-
ço ao jornal pelo espaço aberto.

]
DIRETOR EXECUTIVO DA IFI

PUBLICADO DESDE 1875

LUIZ CARLOS MESQUITA (1952-1970)
JOSÉ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1988)
JULIO DE MESQUITA NETO (1948-1996)
LUIZ VIEIRA DE CARVALHO MESQUITA (1947-1997)
RUY MESQUITA (1947-2013)

FRANCISCO MESQUITA NETO / DIRETOR PRESIDENTE
JOÃO FÁBIO CAMINOTO / DIRETOR DE JORNALISMO
MARCOS BUENO / DIRETOR FINANCEIRO
MARIANA UEMURA SAMPAIO / DIRETORA JURÍDICA
NELSON GARZERI / DIRETOR DE TECNOLOGIA

CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR:
FALE COM A REDAÇÃO:
3856-
[email protected]
CLASSIFICADOS POR TELEFONE:
3855-
VENDAS DE ASSINATURAS: CAPITAL:
3950-
DEMAIS LOCALIDADES:
0800-014-
VENDAS CORPORATIVAS: 3856-

PANDEMIA
Uber gastou US$19 mi
em ajuda a motoristas

Cannes lança drive-in
com pipoca e máscara

COMENTÁRIOS DE LEITORES NO PORTAL E NO FACEBOOK:

LUIZA GONZALEZ/REUTERS ERIC GAILLAR/REUTERS

]
Felipe Scudeler Salto


Tema do dia


Craque brasileiro foi coloca-
do ao lado de Ryan Giggs em
lista dos melhores pontas.

http://www.estadao.com.br/e/garrincha

Batidas na


porta da frente


A hora é da qualificada
elite burocrática do
País. Mas isso requer
liderança política

Ciência e


autoritarismo


O que estamos
presenciando hoje
no Brasil é um
retrocesso civilizatório

AMÉRICO DE CAMPOS (1875-1884)
FRANCISCO RANGEL PESTANA (1875-1890)
JULIO MESQUITA (1885-1927)
JULIO DE MESQUITA FILHO (1915-1969)
FRANCISCO MESQUITA (1915-1969)

AV. ENGENHEIRO CAETANO ÁLVARES, 55
CEP 02598-900 – SÃO PAULO - SP
TEL.: (11) 3856-2122 /
REDAÇÃO: 6º ANDAR
FAX: (11) 3856-
E-MAIL: [email protected]
CENTRAL DE ATENDIMENTO
AO ASSINANTE
CAPITAL E REGIÕES METROPOLITANAS:
4003-
DEMAIS LOCALIDADES: 0800-014-77-
https://meu.estadao.com.br/fale-conosco

CENTRAL DE ATENDIMENTO ÀS AGÊNCIAS DE
PUBLICIDADE: 3856-2531 – [email protected]
PREÇOS VENDA AVULSA: SP: R$ 5,00 (SEGUNDA A
SÁBADO) E R$ 7,00 (DOMINGO). RJ, MG, PR, SC E DF:
R$ 5,50 (SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 8,00 (DOMINGO).
ES, RS, GO, MT E MS: R$ 7,50 (SEGUNDA A SÁBADO)
E R$ 9,50 (DOMINGO). BA, SE, PE, TO E AL: R$ 8,
(SEGUNDA A SÁBADO) E R$ 10,50 (DOMINGO). AM, RR,
CE, MA, PI, RN, PA, PB, AC E RO: R$ 9,00 (SEGUN-
DA A SÁBADO) E R$ 11,00 (DOMINGO)
PREÇOS ASSINATURAS: DE SEGUNDA A DOMINGO


  • SP E GRANDE SÃO PAULO – R$ 134,90/MÊS. DEMAIS
    LOCALIDADES E CONDIÇÕES SOB CONSULTA.
    CARGA TRIBUTÁRIA FEDERAL: 3,65%.


Argentina decide


estender isolamento


obrigatório até 7/


Em Buenos Aires, epicentro da
pandemia, os casos aumentaram cinco
vezes nas últimas duas semanas

]
Denis Lerrer Rosenfield

FLORENCE MUSEUM PRESS OFICE CINEMA

No estadao.com.br


ONLINE

Trailer de novo filme é
exibido em game

FUTEBOL

Garrincha é lembrado
por jornal inglês
Free download pdf