O Estado de São Paulo (2020-05-25)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2020 Política A


24 de abril
Saída de Moro
Após Bolsonaro exonerar Maurício Valei-
xo da direção da PF, Moro anuncia demis-
são do Ministério da Justiça e acusa o
presidente de interferir na corporação.

27 de abril
Investigação
Decano do Supremo, ministro
Celso de Mello autoriza a aber-
tura de um inquérito para inves-
tigar as acusações de Moro.

HISTÓRICO DA CRISE


Pouco antes de participar, co-
mo vem se repetindo aos do-
mingos, de uma manifestação
a favor de seu governo, o presi-
dente Jair Bolsonaro publi-
cou ontem nas redes sociais o
artigo 28 da Lei de Abuso de
Autoridade, que fala da divul-
gação total ou parcial de gra-
vações. “Divulgar gravação
ou trecho de gravação sem re-
lação com a prova que se pre-
tenda produzir, expondo a in-
timidade ou a vida privada ou
ferindo a honra ou imagem
do investigado ou acusado.
Pena – detenção de 1 (um) a 4
(quatro) anos”, escreveu.
A publicação ocorre dois dias
depois de o ministro Celso de
Mello, do Supremo Tribunal Fe-
deral (STF), levantar o sigilo do
vídeo da reunião ministerial
que o ex-ministro da Justiça Sér-
gio Moro usa como prova de
que o presidente teria tentado
interferir na Polícia Federal e
no dia seguinte à revelação, pe-
lo Estadão, de novas mensa-
gens trocadas entre Bolsonaro


e o então ministro. “Moro, Va-
leixo sai esta semana. Está deci-
dido”, afirmou Bolsonaro na
conversa, contradizendo a sua
versão de que Maurício Valeixo
deixou o cargo de diretor-geral
da PF por vontade própria.
O vídeo da reunião de 22 de
abril é parte da investigação que
apura a tentativa de interferên-
cia para obter informações so-
bre investigações que pudes-
sem prejudicar seu núcleo fami-
liar. As trocas no comando da
corporação e na superintendên-
cia do Rio levaram à demissão
de Moro, que revelou intenção
do presidente em indicar dele-
gados próximos para os cargos
de comando da corporação.
Para o desembargador apo-
sentado Walter Maierovitch,
não faz sentido se falar em lei de
abuso de autoridade no caso. Se-
gundo ele, Celso de Mello deu
toda a explicação que motivou
tornar pública a quase totalida-
de do vídeo. “Todas as motiva-
ções têm apoio na lei e na Cons-
tituição. O tempo inteiro em

sua decisão ele repete isso tecni-
camente”, afirmou.
A lei de abuso só pode ocorrer
em razão de uma atividade ilegal,
diferente da atitude do ministro
do STF, segundo Maierovitch.
“O que ele fez está dentro de seu
poder como ministro em uma
apuração criminal. Ele ainda teve
a cautela extra de dizer que não
tinha ali nenhuma questão de se-
gurança nacional, apenas a parte

das relações internacionais, que
ele pediu que fosse tirada.” Para
Maierovitch, a “ignorância jurídi-
ca” do presidente incita o povo a
querer enquadrar um ministro
espalhando informações falsas.
“Não tem o mínimo senso.”
Avaliação semelhante tem o
professor de Direito Luiz Fer-
nando Amaral, da Faap. “Só te-
nho a lamentar que o presidente
apresente uma resposta como
essa a uma decisão de um minis-
tro do STF”, afirmou. “Não se
tratava de uma gravação de um
ato privado.” Amaral ainda des-
tacou que a iniciativa de pedir a
investigação partiu do próprio
procurador-geral da República,
Augusto Aras. “O ministro Cel-
so de Mello, na prática, só está
instruindo um inquérito para

que o PGR faça um juízo se deve
ou não denunciar o presidente.”

Helicóptero. Na manifestação
de ontem na Praça dos Três Po-
deres, apoiadores do presiden-
te, de forma isolada, exibiam
mensagens contra o Supremo e
a imprensa. “Abaixo a ditadura
do STF”, dizia um dos cartazes.
Em outro, uma referência à im-
prensa como “inimiga”. A pre-
sença de frases de tom antide-
mocrático contraria orientação
da semana passada, quando Bol-
sonaro fez chegar a lideranças
um pedido para não exibir fai-
xas contra o STF e o Congresso.
Com direito à chegada de heli-
cóptero e caminhada pela via
em frente à Praça dos Três Pode-
res, Bolsonaro ficou meia hora

no local e, por seis vezes, percor-
reu a grade de segurança para
cumprimentar apoiadores.
A participação do presidente
nesses atos tem sido frequente,
contrariando recomendações do
Ministério da Saúde e da Organi-
zação Mundial da Saúde (OMS)
de se evitar aglomerações duran-
te a pandemia do novo coronaví-
rus. Sem máscara, Bolsonaro,
abraçou e carregou crianças.
Entre os que acompanhavam
o presidente estava o ministro in-
terino da Saúde, general Eduar-
do Pazuello, que na semana pas-
sada publicou protocolo liberan-
do o uso da cloroquina para to-
dos os pacientes de covid-19, um
desejo de Bolsonaro. / EMILLY
BEHNKE, JUSSARA SOARES, PAULO
BERALDO e PAULO ROBERTO NETTO

28 de abril
Nomeação barrada
Escolhido por Bolsonaro para
chefiar a PF, delegado Alexan-
dre Ramagem tem a nomeação
barrada pelo Supremo.

2 de maio
Depoimento
À PF, Moro diz que reunião minis-
terial de 22 de abril e mensagens
de WhatsApp comprovam interfe-
rência de Bolsonaro na PF.

11 de maio
Troca na PF
Valeixo diz em depoimento que não
formalizou sua demissão, embora
exoneração assinada por Bolsonaro
informe que saída foi “a pedido”.

22 de maio
Divulgação de vídeo de reunião
Divulgado por decisão de Celso de Mel-
lo, vídeo mostra Bolsonaro pressionan-
do Moro. À noite, presidente reafirma
que foi Valeixo que pediu para sair.

23 de maio
Mensagens
Obtidas pelo ‘Estadão’, mensagens trocadas entre Bolsonaro e Moro
pouco antes da reunião ministerial de 22 de abril contradizem versão
do presidente sobre saída de Valeixo. ‘Valeixo sai esta semana. Está
decidido', escreveu Bolsonaro ao então ministro da Justiça.

Rayssa Motta
Tiago Aguiar


O ex-ministro da Justiça Sérgio
Moro afirmou que faltou apoio
do presidente Jair Bolsonaro a
ações de combate à corrupção.
“Me desculpe aqui os seguido-


res do presidente se essa é uma
verdade inconveniente, mas es-
sa agenda contra a corrupção
não teve um impulso por parte
do presidente da República”,
disse Moro em entrevista ao
programa Fantástico, da TV Glo-
bo, exibida na noite de ontem.
Segundo o ex-juiz da Operação
Lava Jato, medidas nesse senti-
do foram sendo “esvaziadas”
pelo presidente.
Moro declarou ainda que con-
sidera “questionáveis” as recen-
tes alianças feitas por Bolsona-
ro com os partidos do Centrão.

O presidente tem se aproxima-
do do bloco – e negociado car-
gos com o grupo – em troca de
apoio no Congresso.
O ex-ministro também foi in-
dagado sobre a condução da
pandemia do novo coronavírus
pelo presidente. Para Moro,
que defende o isolamento so-
cial como principal medida de
prevenção à covid-19, Bolsona-
ro adota postura “negacionis-
ta” em relação ao vírus. “Acho
que a minha lealdade ao presi-
dente demanda que eu me posi-
cione com a verdade, com o que

eu penso, e não apenas concor-
dando com a posição do presi-
dente. Se for assim, ele não pre-
cisa de um ministro, precisa de
um papagaio”, afirmou o ex-
juiz ao comentar as divergên-
cias com o chefe do Executivo
em relação à crise na Saúde.
O ex-juiz também comentou
a reunião ministerial de 22 de
abril, realizada dois dias antes
de anunciar sua demissão do
cargo e tornada pública na sex-
ta-feira, e as mensagens revela-
das pelo Estadão de que Bolso-
naro já havia decidido trocar a

direção da PF antes do encon-
tro do dia 22. “Eu não ia discutir
isso numa reunião ministerial,
até porque o ambiente ali não
era muito favorável ao contradi-

tório.” Em relação aos pala-
vrões ditos durante a reunião,
afirmou que “o tom subiu nos
últimos meses”.

Armas. Moro declarou tam-
bém que a portaria que assinou,
ainda ministro, que permite a
aquisição de mais munição, foi
resultado de “pressão” do presi-
dente.
“Certamente. Eu não queria
que isso fosse usado como sub-
terfúgio da interferência na Po-
lícia Federal. Eu entendi naque-
le momento que não tinha con-
dições de me opor a isso por-
que já existia essa querela envol-
vendo a Polícia Federal”, disse
o ex-ministro.

Tiago Aguiar


Relatório da DL Rosenfield indi-
ca que o vídeo da reunião minis-
terial de 22 de abril foi interpreta-
do nas redes sociais como uma
“grande vitória” para bolsonaris-
tas. Com dados coletados entre
sexta-feira, dia da divulgação da
gravação, e anteontem, foi nota-
do “entusiasmo” e grande engaja-
mento entre os apoiadores do
presidente Jair Bolsonaro.
Segundo o levantamento, en-
tre os opositores também pre-
domina a avaliação de que o ví-


deo favorece Bolsonaro. Para
eles, no entanto, a gravação di-
vulgada comprova as denún-
cias e mostra, com os palavrões
e arroubos, a “inaptidão” do pre-
sidente em comandar o País.
O documento ainda mencio-
na “idolatria em níveis preocu-
pantes” entre apoiadores e que
essa parcela adota uma “postu-
ra defensiva intransigente” de
militância. “As redes sociais
dos bolsonaristas aderem aos
valores e à linguagem do presi-
dente, portanto armamentis-
mo e palavrões estão presentes.
E a quase ausência do tema da
pandemia na reunião não é criti-
cado entre os apoiadores”, dis-
se o professor Denis Lerrer Ro-
senfield, da consultoria DL.
Análise da consultoria Bites
complementa o relatório da DL
Rosenfield. Segundo a consulto-

ria, o tom das redes foi “extre-
mamente positivo” para o presi-
dente. André Eler, gerente da Bi-
tes, avaliou que “a militância
bolsonarista nunca esteve com
um discurso tão alinhado e tão

pronto desde o início da crise
da pandemia” do coronavírus.
Só em duas outras ocasiões
nesse período, segundo Eler,
Bolsonaro gerou tanto interes-
se nas redes sociais quanto sex-

ta-feira: em 25 de março, na re-
percussão de um pronuncia-
mento em rede nacional na noi-
te anterior, e em 24 de abril, o
dia da saída de Sérgio Moro do
Ministério da Justiça.

Entre os deputados federais,
a dinâmica da polarização se
manteve. Segundo a Bites, nas
quatro horas após a divulgação
do vídeo, parlamentares publi-
caram 752 posts em seus perfis
oficiais nas redes sociais. Três
partidos de oposição (PT,
PSOL e PCdoB) foram respon-
sáveis por 54% dos posts nesse
período, enquanto o PSL ficou
com 17% do volume.
Fabio Malini, do Laboratório
de Imagem e Cibercultura da
Universidade Federal do Espíri-
to Santo, identificou 104 mil
perfis com posicionamento de
defesa de Bolsonaro no Twit-
ter. Segundo ele, do total de par-
ticipantes da discussão sobre a
reunião, 14,4% eram favoráveis
ao presidente. Malini observou
que, pelas interações no Twit-
ter, já há unificação de uma fren-
te anti-Bolsonaro. Perfis identi-
ficados como “lavajatistas” e de
esquerda interagem entre si pa-
ra criticar o governo.

8 de maio
AGU entrega vídeo
Por determinação de Celso de Mel-
lo, a Advocacia-Geral da União entre-
ga a gravação do vídeo de reunião
ministerial de 22 abril ao Supremo.

lCPIs
Após o ‘Estadão’ revelar novas
mensagens trocadas por Bolso-
naro e Moro, a oposição quer uni-
ficar pedidos de CPIs no Con-
gresso para apurar suposta inter-
ferência do presidente na PF.

lReunião ministerial

lO ministro da Educação, Abra-
ham Weintraub, afirmou ontem
no Twitter que não atacou “leis,
instituições ou a honra de seus
ocupantes” durante a reunião
ministerial de 22 abril no Palácio
do Planalto. Na ocasião, Wein-
traub disse: “Por mim, botava

esses vagabundos todos na ca-
deia. Começando no STF”.
Em seu perfil na rede social, o
ministro se defendeu ontem,
após a repercussão de suas de-
clarações. “Tentam deturpar mi-
nha fala para desestabilizar a
Nação. Manifestei minha indigna-
ção, liberdade democrática, em
ambiente fechado, sobre indiví-
duos. Alguns, não todos, são res-
ponsáveis pelo nosso sofrimen-
to, nós cidadãos”, escreveu.
Na sexta-feira passada, ao reti-

rar o sigilo da gravação da reu-
nião, o decano do Supremo Tribu-
nal Federal (STF), Celso de Mel-
lo, falou em possível “prática cri-
minosa” na conduta de Wein-
traub, “num discurso aparente-
mente ofensivo ao patrimônio
moral” dos integrantes da Corte.
O ministro do STF Marco Auré-
lio Mello disse ter ficado “perple-
xo” com o vídeo da reunião. “Fos-
se o presidente (da República),
instaria o ministro da Educação a
pedir o boné”, afirmou.

DIDA SAMPAIO/ESTADAO

Após vídeo,


presidente


cita Lei


de Abuso


Bolsonaro esvaziou agenda contra corrupção, diz Moro


Ex-ministro chamou


aproximação entre


governo e Centrão de


‘questionável’ em


entrevista ontem


GABRIELA BILÓ / ESTADÃO – 18/12/

“Eventualmente nessas
reuniões tinham discussões
veementes. O tom, no
entanto, subiu nos
últimos meses.”
Sérgio Moro
EX-MINISTRO DA JUSTIÇA

‘Deturpam fala


para desestabilizar’


País, diz Weintraub


DIDA SAMPAIO/ESTADAO – 1/10/

Para juristas, porém, legislação não se aplica


à divulgação, pelo STF, da reunião ministerial


Aglomeração. Jair Bolsonaro abraça criança durante manifestação de apoio ao seu governo na Praça dos Três Poderes

Nas redes, avaliação é de que divulgação favorece Bolsonaro


Segundo monitoramento,


até opositores do


governo concordam, mas


dizem que vídeo mostra


‘inaptidão’ de Bolsonaro

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