O Estado de São Paulo (2020-05-25)

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A6 Política SEGUNDA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


BRASÍLIA


O presidente do Supremo Tri-
bunal Federal (STF), ministro
Dias Toffoli, entrará de licença


por pelo menos sete dias após
apresentar sintomas da covid-


  1. O ministro precisou passar
    por uma cirurgia para retirada
    de um abscesso no sábado, e
    continuará internado para mo-
    nitoramento enquanto aguarda
    resultado do teste para o novo
    coronavírus.
    Na quarta-feira passada, o
    presidente do Supremo já havia
    realizado um exame para detec-
    ção da covid-19 e o resultado


deu negativo. Durante o perío-
do de afastamento médico de
Toffoli, o ministro Luiz Fux as-
sume interinamente a presidên-
cia da Corte.
“O ministro Dias Toffoli foi
hospitalizado para drenagem
de um pequeno abscesso. A ci-
rurgia transcorreu bem e, na
noite do mesmo dia, o ministro
apresentou sinais respiratórios
que sugeriram infecção pelo no-
vo coronavírus”, informou, em

nota divulgada ontem, o secre-
tário de Saúde do Supremo,
Marco Polo Dias Ferreira. “No
momento, o ministro está bem
e respira normalmente, sem aju-
da de aparelhos”, afirma o co-
municado do tribunal.

Rafael Moraes Moura
Patrik Camporez / BRASÍLIA


Principais especialistas em di-
reito administrativo no País
consideraram “grave” e possí-
vel “fraude” a decisão do Minis-
tério da Defesa de utilizar um
parecer de um general exonera-
do e sem função numa portaria
para aumentar o limite de com-
pra de munições. Ontem, o Es-
tadão revelou que, sob pressão
do presidente Jair Bolsonaro,
as pastas da Defesa e da Justiça
publicaram, no dia 23 de abril, a
norma interministerial 1.
com base num parecer assina-
do pelo general Eugênio Pacel-
li, que já estava na reserva desde
o final do mês anterior.
Após a divulgação da reporta-
gem, o Ministério da Defesa en-
caminhou nota ao jornal para
afirmar que “o militar estava
em pleno exercício legal do seu
cargo ao assinar os documen-
tos”. No entendimento da Defe-
sa, uma regra expressa do art. 22
da Lei 6.880/80 permite que o


militar possa assinar atos mes-
mo já exonerado e com um subs-
tituto nomeado em seu lugar.
O Estadão ouviu ontem oito
especialistas em direito adminis-
trativo, dois ministros, um do
Supremo Tribunal Federal
(STF) e um do Tribunal de Con-
tas da União (TCU), e um procu-
rador. Todos foram unânimes
em afirmar que o general não po-
deria ter assinado o parecer sen-
do ele civil ou militar em nome
da Diretoria de Fiscalização de
Produtos Controlados.
Um dos autores da nova Lei
de Introdução às Normas de Di-
reito Brasileiro (Lindb), o pro-
fessor de direito administrati-
vo da FGV de São Paulo Carlos
Ari Sundfeld afirma que “o
substituto poderia não estar
em exercício, mas como Pacel-
li foi exonerado, a partir daque-
le momento não pode exercer
a função”. “O exonerado nun-
ca pode responder pelo órgão,
a partir da data da publicação
da exoneração.”
Sundfeld defendeu uma apu-
ração do caso para avaliar uma
possível fraude. “Uma das ra-
zões pelas quais a portaria foi
editada é porque a Diretoria de
Fiscalização teria se manifesta-
do a favor. Acontece que esse fa-
to não ocorreu porque esse ge-
neral não era absolutamente na-

da. Justifica uma investigação
profunda, porque há possibilida-
de, em tese, de isso ter sido feito
com intuito de fraudar, de simu-
lar um processo administrativo
que não existiu”, argumentou.
Para o professor, a partir da
publicação da exoneração no
Diário Oficial da União, a pes-
soa, seja ela civil ou militar, não
responde mais ao cargo. “E se
estiver ocupando o cargo é uma
irregularidade administrativa”,
destacou. “A portaria é nula,
porque ela levou em considera-
ção uma manifestação técnica
que tem dois vícios. Foi dada
por alguém absolutamente in-
competente, que não represen-
ta o órgão, e segundo, porque
não tem motivação.”
Por sua vez, o professor de Di-
reito Administrativo da Univer-
sidade Federal do Rio Grande
do Sul Rafael Maffini afirmou
que o uso do parecer do general
Eugênio Pacelli na aprovação
da portaria constitui uma “gra-
vidade” e uma “corrosão” à
mais “trivial” noção de Estado
de Direito. “É pressuposto de
validade dos atos administrati-
vos que eles sejam praticados
por quem tenha atribuição legal
para tanto”, explicou. “Em 25/
foram publicados decretos que
exoneraram, a partir de 31/3, o
general Pacelli Mota do cargo

de Diretor de Fiscalização de
Produtos Controlados e o trans-
feriram para a reserva remune-
rada. Desta forma, em meados
de abril, não mais teria ele atri-
buição legal, pois excluído do
serviço ativo das Forças Arma-
das”, completou, citando o arti-
go 94 do Estatuto dos Militares.
“E são igualmente inválidos os
atos administrativos que foram
praticados com base na indevi-
da manifestação de agente públi-
co sem atribuição legal.”

Fora do expediente. O parecer
do general Pacelli foi enviado à
assessoria jurídica do Ministé-
rio da Defesa às 22h18 de 15 de
abril, por um e-mail particular,
num horário de fora do expe-

diente ds repartição. A exonera-
ção dele saiu no DOU dia 30 de
março, mesmo dia em que seu
substituto foi nomeado.
A professora de direito admi-
nistrativo da FGV-SP Vera Mon-
teiro considerou um “episódio
grave” mudar uma política pú-
blica dessa maneira. “A invalida-
de da portaria está relacionada à
falta de motivação. A motivação
para tomar essa decisão foi um
‘ok’ por WhatsApp, e foi um e-
mail de alguém que não ocupava
mais a função dentro do departa-
mento, dizendo que não obser-
va ‘qualquer impedimento’.”
O advogado Saulo Stefanone
Alle, doutor em direito pela
USP, concorda. “Da forma co-
mo foi praticado, o ato do gene-

ral não tem validade”, disse.
Por meio de nota, o Ministé-
rio da Defesa ressaltou ontem
que considera legal o parecer de
Pacelli. A pasta argumentou
que o Estatuto dos Militares, a
Lei 6.880, que trata da transição
de cargos militares, prevê a con-
tinuidade do oficial no posto
em caso de vacância.
O ministério destacou o se-
guinte trecho do estatuto, assi-
nada pelo general João Baptista
Figueiredo em 1980: “O militar
somente deixa o cargo/função a
partir do momento que outro
militar nele toma posse”. Por-
tanto, na interpretação da pas-
ta, “a publicação em Diário Ofi-
cial da União é condição neces-
sária, mas não suficiente, para a
transmissão do cargo.”
A assessoria do ministério sus-
tenta, inclusive, que é aplicado
ao caso do general Pacelli, que
atuava na burocracia do gover-
no, o entendimento de que “a
não continuidade no cargo/fun-
ção pelo militar, deixando-o va-
go e sem comando antes que o
seu substituto nele tome posse,
pode ser caracterizado como cri-
me de abandono de posto”.
Entre a nomeação e a posse,
afirma a Defesa, “há um perío-
do de transição para as medidas
administrativas de ambos. En-
quanto isso, o comandante exo-
nerado permanece exercendo a
sua autoridade, até que seja rea-
lizada uma solenidade de trans-
missão do cargo”. No dia em
que Pacelli assinou o parecer o
seu antigo posto não estava va-
go. Já no dia 31, o general Alexan-
dre Porto respondia pela fun-
ção, segundo o DOU.

Marcelo Godoy
Ricardo Galhardo


A ação do presidente Jair Bol-
sonaro no Instituto do Patri-
mônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan), interferin-
do na direção do órgão, será
analisada pela Procuradoria-
Geral da República. A oposi-
ção ao governo, criminalistas
e magistrados enxergam nas
declarações do presidente na
reunião ministerial de 22 de
abril a confissão do crime de
advocacia administrativa.
A Procuradoria-Geral infor-
mou ontem que todos os tre-
chos e condutas gravadas no ví-
deo da reunião serão alvo de
análise do procurador-geral da
República, Augusto Aras, e de
sua equipe. Nas imagens, há re-
latos de interferências em diver-
sos órgãos da administração pú-
blica, entre eles o Iphan.
“Eu fiz a cagada em escolher,
não escolher uma pessoa que ti-
vesse também outro perfil. É
uma excelente pessoa que tá lá,
tá? Mas tinha que ter um outro
perfil também. O Iphan para
qualquer obra do Brasil, como
para a do Luciano Hang. En-
quanto tá lá um cocô petrifica-
do de índio, para a obra, pô! Para
a obra. O que que tem que fazer?
Alguém do Iphan que resolva o
assunto, né? E assim nós temos
que proceder”, disse Bolsonaro
durante a reunião.
A diretora do Iphan, Kátia Bo-
géa, foi demitida da direção do
órgão depois de o empresário
Luciano Hang, amigo e doador
da campanha eleitoral de Bolso-
naro, reclamar no Twitter, em 7
de agosto de 2019, que o Iphan
teria embargado a obra de uma
loja sua. Em sua postagem,
Hang disse: “Nossa obra em Rio
Grande (RS) está parada por-


que encontraram fragmentos
de pratos. Fomos obrigados pe-
lo Iphan a contratar um arqueó-
logo. Queremos inaugurar a lo-
ja em novembro, mas como os
burocratas no Brasil não têm
pressa, me pergunto: quando te-
remos uma resposta do Iphan?”
Na campanha eleitoral de 2018,
Hang doou para sete políticos.
Bolsonaro foi o único candida-
to presidencial para quem ele
declarou ter dado dinheiro à
Justiça Eleitoral.
O Estadão procurou Hang,
Bolsonaro e Kátia, mas nenhum

deles respondeu. Ao jornal Fo-
lha de S.Paulo, Katia disse ainda
que foi alvo de reclamação do
senador Flávio Bolsonaro (Re-
publicanos-RJ), que esteve em
Salvador e se reuniu com cons-
trutores sobre a ação do Iphan.

Geddel. O deputado Marcelo
Calero (Cidadania-RJ) compa-
rou a ação do presidente à do
ex-ministro da Secretaria de Go-
verno Geddel Vieira Lima, demi-
tido depois de pressionar Cale-
ro, então ministro da Cultura
de Michel Temer, a mudar pare-

cer do Iphan para liberar a obra
de um prédio em área tombada
em Salvador. Geddel foi conde-
nado por improbidade adminis-
trativa no caso. “É a mesma coi-
sa. Essas ações sempre deixam
rastro, ainda mais do presiden-
te e seus filhos, que se sentem
acima da lei e têm a certeza da
impunidade”, disse o deputado.
Calero vai apresentar hoje re-
presentação ao Ministério Pú-
blico Federal para que a condu-
ta dos envolvidos seja apurada.
Ele acredita haver a prática de
advocacia administrativa. A lei

diz que isso ocorre ao se “patro-
cinar, direta ou indiretamente,
interesse privado perante a ad-
ministração pública, valendo-
se da qualidade de funcioná-
rio”. O crime prevê pena de até
um ano de prisão. A legislação
afirma ainda que é missão do Ip-
han “preservar, proteger, fiscali-
zar, promover, estudar e pesqui-
sar o patrimônio cultural brasi-
leiro, na acepção do art. 216 da
Constituição Federal”.
O deputado já entrou com
ação popular na 28.ª Vara Civil
Federal do Rio para barrar a no-

meação de Larissa Rodrigues
Peixoto Dutra, uma amiga da fa-
mília Bolsonaro, para a presi-
dência do órgão. O juiz Adriano
de Oliveira França deu 72 horas
para que o ministro-chefe da Ca-
sa Civil, Walter Braga Netto, La-
rissa e a Advocacia-Geral da
União (AGU) se manifestem.
“Atentar contra patrimônio
arqueológico, que é proprieda-
de da União, é crime federal”,
disse a desembargadora Ivana
David, do Tribunal de Justiça de
São Paulo. Para ela, a conduta de
Bolsonaro, em tese, seria advo-
cacia administrativa, pois ele
quer nomear para o cargo al-
guém cuja qualidade seria deso-
bedecer à lei e tornar sem efeito
a fiscalização do órgão.
Segundo o criminalista e pro-
fessor da Fundação Getúlio Var-
gas (FGV) Celso Vilardi, a ação
de Bolsonaro pode configurar
advocacia administrativa, ten-
do em vista que, aparentemen-
te, o presidente patrocinou inte-
resse privado perante a adminis-
tração pública. “Trata-se de cri-
me de menor potencial ofensi-
vo. Para se configurar o crime
de corrupção, seria necessário
comprovar que o presidente
atrelou seu ato a uma vantagem
ou promessa de vantagem.”
Para o advogado Antonio Car-
los de Almeida Castro, o Kakay,
que chegou a ter 17 clientes na
Lava Jato, a fala do presidente
sobre a troca no Iphan dá indí-
cios de advocacia administrati-
va, mas, para configurar crime
de corrupção, seria necessária
mais alguma prova de que a doa-
ção de campanha foi condiciona-
da à ação administrativa. “Se efe-
tivamente ele (Bolsonaro) mu-
dou a gerência do órgão para fa-
vorecer o senhor da Havan, me
parece que pode haver o crime
de advocacia administrativa.”

Para oposição e criminalistas, ação de Bolsonaro no órgão ao favorecer empresário que o apoia configura crime de advocacia administrativa


Após cirurgia, Toffoli apresenta sintomas da covid-


lEm observação

FELLIPE SAMPAIO /STF – 21/5/

Licença. Ministro Dias Toffoli aguarda resultado de exame

WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Ministério da Defesa


alega que Estatuto dos


Militares permite


assinatura de general


exonerado em norma


Juristas veem ‘fraude’ em


portaria sobre munições


Armas. Norma triplica, de 200 para 600, nº de projéteis

MARCOS CORRÊA/PR – 22/04/

MPF vai analisar interferência no Iphan


Reclamação. Bolsonaro na reunião de 22 de abril: ‘O Iphan para qualquer obra do Brasil, como para a do Luciano Hang’

Presidente do Supremo


está sob monitoramento


médico; ministro Luiz Fux


assume comando da


Corte interinamente


“No momento, o ministro
está bem e respira
normalmente, sem
ajuda de aparelhos.
Secretaria de Saúde do STF
EM NOTA
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