O Estado de São Paulo (2020-05-25)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-7:20200525:
O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2020 A


Internacional

LONDRES


O esforço do primeiro-ministro
Boris Johnson para reabrir as es-
colas em junho, levando as crian-
ças de volta às salas de aula e liber-
tando os pais para impulsionar a
economia da Grã-Bretanha, está
surpreendentemente enfrentan-
do uma forte resistência.
Pais estão nervosos, professo-
res temem que seja cedo demais


e os consultores científicos não
chegam a um consenso sobre um
modelo de retorno.
Johnson reafirmou ontem seu
plano de reabrir as escolas primá-
rias em 1.º de junho. O premiê
reconheceu que talvez não seja
possível retomar as aulas em to-
dos os locais. Ele prometeu mais
limpeza de superfícies, maior dis-
tanciamento social entre os estu-
dantes, valorização de atividades
ao ar livre e triagem para alunos e
professores.
O governo britânico já foi criti-
cado por falhas na implantação
de testes, na proteção de asilos e
no fornecimento de luvas e más-
caras para os profissionais de saú-
de, que nos piores dias de pico

foram forçados a usar sacos de
lixo como aventais.
A pressão aumentou quando a
imprensa revelou que o principal
consultor de Johnson, seu médi-
co Dominic Cummings, havia
violado as regras de quarentena
ao viajar 260 quilômetros até a
propriedade de seus pais no nor-
te da Inglaterra, estando infecta-
do pelo coronavírus. O caso ge-
rou reclamações de que havia
uma lei para a elite e outra para o
povo comum, que não tem casas
de campo para onde fugir.
Ontem, Johnson disse que
Cummings “agiu de maneira res-
ponsável, legal e íntegra e com o
forte objetivo de impedir a propa-
gação do vírus e salvar vidas”,

quando viajou para o norte para
se isolar na casa de seus pais
acompanhado de sua esposa e fi-
lho, ambos também doentes.
O primeiro-ministro espera
que o Reino Unido alcance o res-
to da Europa e saia do confina-
mento em breve, ainda que lenta-
mente. O país caiu no que os eco-
nomistas dizem ser sua recessão
mais profunda em 300 anos e
não se pode administrar uma eco-
nomia sem escolas, que não só
preparam a próxima geração
mas também fornecem assistên-
cia essencial para os pais que tra-
balham. Se elas não abrirem, os
pais não poderão voltar ao traba-
lho.
O plano de volta às aulas no
Reino Unido acompanha o de
Alemanha, Nova Zelândia e Dina-
marca, mas a pandemia nestes
países foi menos drástica. Os bri-
tânicos, com 37 mil mortos, con-
centram o maior número de víti-
mas na Europa. / W. POST

Manifestantes de Hong Kong voltam


a desafiar China com protestos de rua


Venezuela recebe primeiro


de 5 petroleiros iranianos


Johnson enfrenta resistência para


retorno às aulas no Reino Unido


HONG KONG


Após meses de uma trégua for-
çada pela covid-19, a polícia
de Hong Kong disparou on-
tem gás lacrimogêneo e usou
um canhão de água para dis-
persar a multidão que protes-
tava contra a implementação,
por parte de Pequim, de uma
lei de segurança nacional so-
bre o território. Mais de cem
pessoas foram presas no ato
que marcou um retorno às
manifestações que tomaram
a cidade no ano passado.
Apesar das medidas de distan-
ciamento social ainda em vigor
por causa do surto do coronaví-
rus, que proíbem reuniões de
mais de oito pessoas, e de leis
que cercam assembleias ilegais,
dezenas de milhares de pessoas
se aglomeraram no distrito co-
mercial de Hong Kong, Cau-
seway Bay. As convocações para
a assembleia foram feitas onli-
ne, sem um organizador formal
ou permissão.
Gritos de guerra do ano passa-
do, como “lute pela liberdade” e
“de pé com Hong Kong” ecoa-
ram entre manifestantes de vá-
rias idades. E apareceram slo-
gans novos, como “Independên-
cia de Hong Kong, a única saí-
da”. “Se não sairmos hoje para
revidar, esta pode ser a última
vez”, disse Chris, um manifes-
tante de 19 anos que deu apenas
seu primeiro nome por já ter si-
do preso ao participar de um pro-
testo ilegal. “Talvez amanhã
Hong Kong faça parte da China e
não poderemos sequer fazer
uma única crítica na internet
sem sermos presos”.
Alguns ativistas se reuniram
perto do ponto de partida de
uma marcha apresentada como
uma “conversa sobre saúde”, ale-
gando que estavam isentos de


restrições à reunião pública. Fo-
ram presos mesmo assim por
participação em assembleia não
autorizada.

Logo o protesto ganhou tons
familiares: garrafas atiradas con-
tra a polícia, tiros de gás lacrimo-
gêneo em resposta, jogos de gato
e rato entre manifestantes e poli-
ciais e prisões. À noite, a polícia
disse ter detido pelo menos 180
pessoas, a maioria acusada de
participar de assembleia ilegal.
A nova lei de segurança nacio-
nal pretende criminalizar “inter-
ferência estrangeira”, ativida-
des secessionistas e de subver-
são do poder do Estado. Pequim

planeja impô-la por decreto, ig-
norando os processos legislati-
vos estabelecidos em Hong
Kong em 1997. A medida mina a
Constituição de Hong Kong e es-
sencialmente descarta a aborda-
gem “um país, dois sistemas”,
que deveria preservar a autono-
mia do antigo território britâni-
co até pelo menos 2047.
O secretário de Estado dos Es-
tados Unidos, Mike Pompeo,
chamou a lei de “sentença de
morte” para a autonomia de

Hong Kong. O conselheiro de se-
gurança nacional Robert
O’Brien disse que um esforço
chinês para afirmar o domínio
sobre Hong Kong implicaria em
sanções financeiras dos EUA
contra ambos. Em entrevista ao
programa Meet the Press da
NBC, O’Brien previu que empre-
sas financeiras globais e residen-
tes com boa escolaridade fugi-
riam de Hong Kong. “É difícil ver
como Hong Kong poderia se
manter como o centro financei-

ro asiático que se tornou se a Chi-
na assumisse o controle”, disse.
O ministro das Relações Exte-
riores da China, Wang Yi, disse
que a legislação de segurança na-
cional é urgente por causa dos
protestos e tem caráter estrito.
“Isso não tem impacto sobre o
alto grau de autonomia de Hong
Kong, os direitos e liberdades
dos residentes de Hong Kong ou
os direitos e interesses legítimos
dos investidores estrangeiros
em Hong Kong”, disse. / W. POST

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Mobilização que reuniu milhões no ano passado é retomada após Pequim apresentar um plano de lei de segurança nacional que na prática


retira de ex-colônia britânica liberdades que deveriam ser mantidas pelo menos até 2047; Estados Unidos ameaçam chineses com sanções


C


om o mundo distraído com a devasta-
ção causada pelo coronavírus, a Chi-
na adotou, nas semanas mais recen-
tes, uma série de medidas agressivas para
demonstrar seu poderio econômico, diplo-
mático e militar em toda a Ásia.

A guarda costeira da China afundou um
pesqueiro em águas disputadas perto do
Vietnã, e seus navios investiram contra
uma plataforma oceânica de petróleo opera-
da pela Malásia. Pequim denunciou a segun-
da posse da presidente de Taiwan, Tsai Ing-
wen, e fez questão de excluir a palavra “pa-
cífica” do seu apelo anual por unificação
com a ilha. Soldados chineses voltaram a se
envolver em um impasse com as forças da
Índia na disputada fronteira do Himalaia.
Em todos os casos, trata-se de tensões an-
tigas, mas a decisão de impor nova lei de se-

gurança nacional a Hong Kong, burlando o
processo legislativo do território semiautô-
nomo, mostra o que pode ocorrer com uma
China livre de obstáculos e do medo da rea-
ção internacional. O Reino Unido, signatá-
rio do tratado de 1984 que prometia a Hong
Kong – sua ex-colônia – liberdades básicas
até 2047, emitiu um pronunciamento com a
Austrália e o Canadá, dizendo-se “profunda-
mente preocupado”. O alto escalão do gover-
no Trump também denunciou a jogada de
Xi, alertando que os privilégios comerciais
do território podem ser revistos.

Ainda que o presidente Xi Jinping use a
legislação em vez da força militar para sub-
jugar um território já sob governo chinês,
trata-se de um jogada ousada por parte de
um líder autocrático. Mas os desafios en-
frentados por Xi ocorrem em um momento
em que os principais rivais da China, sobre-
tudo os EUA, se encontram em situação
caótica, dando a Xi mais espaço de mano-
bra. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

]
É JORNALISTA

lPrevisão

]
ANÁLISE: Steven Lee Myers / NYT

China aproveita


distração causada


pela pandemia


CARACAS

O primeiro de cinco navios ira-
nianos enviados à Venezuela
com combustível e produtos
petroleiros entrou no sábado
no território marítimo sob ju-
risdição venezuelana, em
meio a uma escalada de ten-
sões com os EUA. O governo
iraniano havia alertado nos
dias anteriores que haveria
“consequências” caso os ame-
ricanos impedissem a chegada
dos navios.
O navio integra uma frota
com carga de 1,5 milhão de bar-
ris de gasolina. O Fortune deve
navegar até a refinaria de El Pa-
lito em Puerto Cabello (Esta-
do de Carabobo, no norte), es-

coltado pelas Forças Armadas.
O restante da frota espera-
da pela Venezuela chegará
nos próximos dias, informou
a televisão estatal venezuela-
na. Os navios iranianos de-
vem dar fôlego ao governo de
Nicolás Maduro, mas “não te-
rão impacto real sobre a atual
escassez de gasolina”, disse
Luis Oliveiros, especialista
em petróleo.
A falta de combustível,
crônica há anos nas áreas de
fronteira, agravou-se durante
a quarentena iniciada em mar-
ço por causa do novo coronaví-
rus. Em Caracas, diariamente
filas de veículos são formadas
nos postos de gasolina, onde o
combustível é racionado. / AFP

Premiê britânico planeja


reabrir escolas em junho,
mas sofre pressão de


pais e professores; país


registra 37 mil mortes


LAM YIK FEI/THE NEW YORK TIMES

“Talvez amanhã Hong Kong
faça parte da China e não
poderemos fazer uma
crítica sem sermos presos”
Chris
ATIVISTA DE HONG KONG

Reencontro. Mesmo com proibição a reuniões de mais de 8 pessoas, grupos enfrentaram polícia; alguns alegaram que só queriam debater sobre saúde
Free download pdf