O Estado de São Paulo (2020-05-25)

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A8 Internacional SEGUNDA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Vírus e o aquecimento


Pandemia abre espaço à adoção de políticas para baixar emissões de carbono


JOSHUA BRIGHT/THE NEW YORK TIMES

Nova York. Emissão de gases no mundo caiu drasticamente em abril

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


A


companhar essa pandemia é
como assistir à crise climáti-
ca com o dedo no botão de
avanço rápido. O vírus e os gases do
efeito estufa pouco se importam
com as fronteiras, o que torna am-
bos flagelos globais. Os dois
expõem os pobres e os vulneráveis
a um risco maior do que as elites, e
exigem ação dos governos em uma
escala talvez nunca antes vista em
tempos de paz. Com a liderança da
China concentrada somente em
seu próprio benefício e os EUA des-
prezando tanto a Organização Mun-
dial da Saúde quanto o acordo cli-
mático de Paris, nenhuma das duas
calamidades está recebendo a res-
posta internacional coordenada
que merecem.
As duas crises não são apenas pa-
recidas: elas interagem entre si. A
paralisação de grande parte da eco-
nomia levou a uma imensa queda
nas produção de gases. Na primeira
semana de abril, as emissões diárias
em todo o mundo estavam 17% abai-
xo do observado no ano passado. A
Agência Internacional de Energia es-
pera que as emissões industriais de
gases-estufa sejam 8% mais baixas
em 2020 do que o observado em
2019, a segunda maior queda anual
desde a 2ª Guerra.
Essa queda revela uma verdade
fundamental a respeito da crise cli-
mática. Trata-se de um fenômeno
grande demais para ser combatido
com o abandono de aviões, trens e
automóveis. Mesmo se as pessoas
fizerem grandes mudanças no seu
estilo de vida, essa triste experiên-

cia mostrou que o mundo ainda teria
pela frente mais de 90% do processo
de abandono do carbono necessário
para alcançar a meta mais ambiciosa
do acordo de Paris, limitando o aumen-
to na temperatura a apenas 1,5°C em
relação ao nível anterior à Revolução
Industrial.
A pandemia cria uma oportunidade
única para a aprovação de políticas go-
vernamentais que afastem a economia
do consumo do carbono a um custo
social, político e financeiro mais baixo
do que o calculado anteriormente. O
baixíssimo preço da energia facilita o
corte dos subsídios aos combustíveis
fósseis e a introdução de um imposto
sobre o carbono.
A receita proveniente desse imposto
na próxima década pode ajudar a repa-
rar as complicadas finanças dos gover-

nos. As indústrias no coração da econo-
mia dos combustíveis fósseis – petró-
leo e gás natural, siderurgia, automó-
veis – já estão passando pela agonia de
reduzir sua capacidade e suas vagas de
trabalho no longo prazo. A tarefa de
reativar economias induzidas ao coma
é uma circunstância perfeita para o in-
vestimento em infraestrutura susten-
tável, que pode fomentar o crescimen-
to e gerar novos empregos. Com os
juros baixos, a conta será barata.

Taxação. Pensemos primeiro no pre-
ço adicional sobre o carbono. Há mui-
to celebrado pelos economistas, um
esquema desse tipo usaria o poder do
mercado para incentivar consumido-
res e empresas a reduzir suas emis-
sões, garantindo assim que o abando-
no do carbono ocorra da maneira

mais eficiente possível.
No passado, era possível argumen-
tar que, por mais que os preços dessem
vantagem ao gás, mais limpo em rela-
ção ao carvão, as tecnologias renová-
veis estariam ainda em um estágio ima-
turo e, assim, não se beneficiariam dis-
so. Ao longo da última década, o custo
das energias eólica e solar despencou.
Entre os políticos, a adoção de uma
taxação adicional sobre o carbono é
menos popular do que entre os econo-
mistas, razão pela qual esse modelo é
raro. Mas, mesmo antes da covid-19,
havia indícios apontando que seu mo-
mento estava chegando. A Europa pla-
neja a expansão do seu sistema de co-
brança de um preço adicional para o
carbono, o mais abrangente do mun-
do. A China está instituindo um novo.
O candidato democrata à presidên-
cia americana, Joe Biden, que defen-
deu este sistema quando era vice-pre-
sidente, voltará a fazê-lo na sua cam-
panha presidencial – e ao menos parte
da direita vai concordar com a propos-
ta. A receita proveniente de um impos-
to sobre o carbono pode captar mais
de 1% do PIB nos primeiros estágios,
caindo gradualmente nas décadas se-
guintes. O dinheiro poderia ser pago
como dividendo ao público ou, como
parece mais provável agora, poderia
ajudar a reduzir o endividamento do
governo, que já tem previsão de alcan-
çar em média 122% do PIB dos países
ricos este ano.
Sozinha, é improvável que a medida
crie uma rede de pontos de recarga pa-
ra veículos elétricos, mais usinas nu-
cleares para complementar a energia
barata mas intermitente das fontes re-
nováveis e programas de reforma de
edifícios ineficientes. Nessas áreas, os
subsídios e o investimento direto do
governo são necessários para garantir
que o consumidor e as empresas de
amanhã tenham à disposição as tecno-
logias que a cobrança adicional sobre

o carbono vai incentivar.
Alguns governos se esforçaram
para dar um caráter mais sustentá-
vel às propostas de resgate econô-
mico em consequência da covid-19.
A Air France foi orientada a abrir
mão das rotas domésticas que dis-
putam com os trens de alta velocida-
de, impulsionados pela energia nu-
clear, ou então esquecer a ajuda do
contribuinte.
Em outros países, o risco é de po-
líticas que prejudiquem o clima. Os
EUA vêm relaxando a regulamenta-
ção climática ainda mais durante a
pandemia. A China – cujo estímulo
à indústria pesada fez aumentar
muito as emissões após a crise fi-
nanceira global – segue construin-
do novas usinas de carvão.
A paralisação causada pela covid-
19 não é inerentemente benéfica pa-
ra o meio ambiente. Os países preci-
sam conduzi-la nessa direção. O ob-
jetivo deve ser mostrar, já em 2021,
quando se reunirem para avaliar o
progresso obtido desde o Acordo
de Paris e se comprometer com re-
formas mais profundas, que a pan-
demia foi o catalisador de uma revo-
lução ambiental.
A covid-19 demonstrou que os ali-
cerces da prosperidade são precá-
rios. Desastres há muito imagina-
dos, diante dos quais pouco agi-
mos, podem se materializar sem avi-
so, colocando a vida de pernas para
o ar e abalando tudo que parecia
estável. Os danos causados pela mu-
dança climática serão mais lentos
que a pandemia, mas seu efeito será
pior e mais duradouro. / TRADUÇÃO DE
AUGUSTO CALIL

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Tarcisio Gomes de Freitas, ministro


da Infraestrutura, e Natália Marcassa,


secretária nacional de Fomento,


Planejamento e Parcerias


do Ministério da Infraestrutura


Apresentador:


Renato Jakitas,


jornalista econômico


no Estadão


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28


mai


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