O Estado de São Paulo (2020-05-25)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2020 A


Bruno Ribeiro


A região metropolitana de São
Paulo já tem 13 hospitais lota-
dos e que não recebem mais pa-
cientes. A taxa de ocupação dos
leitos em UTIs está ao redor de
91%. Mas é o aumento de casos
no interior do Estado o que
mais preocupa as autoridades
de saúde no momento: a covid-
19 chegou na sexta a 500 municí-
pio do Estado (que tem 645 cida-
des), e a taxa de crescimento no
interior é quase quatro vezes
maior do que na capital.
Na cidade de São Paulo, cora-
ção da doença, se em março a
abertura de novos leitos foi fei-
ta às centenas, agora o conserto
de 12 respiradores é comemora-
do, uma vez que dá sobrevida a
um sistema perto do limite.
São Paulo briga para manter
ao menos metade dos habitan-
tes em casa e só conseguiu al-
cançar taxa de isolamento so-
cial acima de 50% durante a se-
mana passada por causa do fe-


riadão. A cidade não parou por-
que conseguiu ativar leitos pró-
prios antes da crise, montou
quatro hospitais de campanha,
alugou espaço na rede privada e
passou a gerenciar na ponta do
lápis cada vaga disponível, de
modo a saber o total de leitos
livres em cada hospital para
transferir pacientes. O modelo
permitiu que ninguém morres-
se por falta de atendimento, se-
gundo o governo, mas obriga pa-
rentes a fazerem deslocamen-
tos cada vez maiores atrás de
notícias de seus familiares.
Todos os dias, a cabeleireira
Débora Ferreira, de 47 anos, per-
corre de carro 29 quilômetros
entre o Jardim Santa Margari-
da, no Jardim Ângela, zona sul,
e o Hospital Municipal Dr. Igná-
cio Proença de Gouvêa, na Moo-
ca, zona leste, onde o marido,
de 53 anos, está internado. “Ele
foi para o (Hospital de Campa-
nha do) Anhembi e depois veio
para cá.” Foi transferido por-
que precisou ser entubado. “Fa-

laram que foi onde consegui-
ram vaga”, diz Débora, que
acompanhava à distância o oita-
vo dia de internação do marido.
Mesmo assim, pode haver de-
mora para conseguir a vaga. O
vendedor Wellington Rodri-
gues dos Santos, de 31 anos, le-
vou seu pai no dia 10 para o PS

da Mooca. Ele foi medicado e
aconselhado a voltar para casa.
Três dias depois, piorou e vol-
tou ao centro médico. “Aí eles
internaram”, conta o rapaz. O
pai passou a receber oxigênio, e
o filho foi informado que ele pre-
cisava ir para a UTI. “Foi trans-
ferido só dois dias depois.”

O secretário municipal de
Saúde, Edson Aparecido, diz
que a Prefeitura passou a estu-
dar a necessidade de contratar
leitos de média complexidade
em hospitais da rede privada. Já
há mais de 300 de UTI particula-
res usados por pacientes da re-
de pública. “Estamos avaliando
a necessidade e os custos.”
Essa medida se soma à instala-
ção de mais 20 respiradores vin-
dos do governo Federal, a 12 res-
piradores próprios conserta-
dos e a equipamentos que ainda
devem chegar do governo do Es-
tado. São ações que fazem o go-
verno avaliar que será possível
chegar ao término da pandemia
antes de entrar em colapso.
“Esse aperto que tivemos nes-
te mês e ainda estamos tendo,
talvez a gente consiga superar”,
disse ao Estadão. A cidade tem
cerca de 600 leitos de UTI ati-
vos, e cerca de mil respiradores
ao todo, informa o secretário.
As transferências mais lon-
gas de pacientes, da Grande São
Paulo para o interior, eram
apontadas como uma saída pa-
ra a eventual falta de vagas no
Estado. Agora, o foco do Centro

de Contingência do Coronaví-
rus é justamente o interior.
Das cerca de 5.300 vagas de
internação em UTI disponíveis
no Estado, mais de 4.400 já es-
tão ocupadas. “Todas as regiões
do Estado têm aceleração
maior do que a região metropo-
litana nesse momento”, diz o se-
cretário de Desenvolvimento
Regional do Estado, Marco Vi-
nholi. “O ritmo de crescimento
de óbitos no Estado em seis re-
giões já é maior do que na região
metropolitana.” Ocorre que o
total de leitos de internação no
interior é menor. Na região de
Presidente Prudente, por exem-
plo, entre 30 de abril e a segun-
da-feira passada, houve aumen-
to de 395% no número de casos,
de 61 para 302. A região tem 36
leitos públicos de UTI, com pre-
visão de aumento de mais dez.
Vinholi ressalta que o isola-
mento adotado no início da pan-
demia foi o que segurou a explo-
são de casos no interior. Garan-
te que não haverá colapso. “São
Paulo fez a lição com isolamen-
to no momento certo, o que pos-
sibilita que o sistema público de
saúde não entre em colapso.”

Álisson Castro,
ESPECIAL PARA O ESTADO


Temor e incerteza permeiam o
cotidiano dos moradores do
Amazonas em meio a pandemia
do coronavírus com o avanço
dos casos da doença aliado ao
risco de colapso na saúde esta-
dual. A semana que começa vai
ser ainda mais crítica. Um ele-


mento a mais é a falta de cuida-
dos da população para evitar a
propagação da covid-19.
Ainda que o quadro assuste, o
governo estadual aposta no oti-
mismo e aponta avanços para
responder à crescente deman-
da dos pacientes. Segundo da-
dos da Secretaria de Estado de
Saúde (Susam), o Amazonas au-
mentou o número de leitos e

respiradores. Conta com 1.
para covid-19 na rede estadual,
sendo 816 leitos clínicos, 243 de
Unidade de Terapia Intensiva e
79 de Sala Vermelha. A taxa de
ocupação da UTI é de 87%.
O discurso otimista, porém, é
contestado pelo professor apo-
sentado do curso de Medicina
da Universidade Federal do
Amazonas (Ufam), Mena Barre-
to França, para quem as autori-
dades públicas de saúde demo-
raram a responder às demandas
da pandemia. “A situação não
está legal e o pico ainda não ‘es-
tourou’, o que deve ocorrer no
fim de maio e início de junho,

quando os casos começam, no-
vamente, a subir. Na minha ava-
liação, os órgãos de saúde estão
fazendo ‘imediatismo’ sem pla-
nejamento. A saída é o isolamen-
to, uso de máscara, tudo que es-
tá sendo recomendado. A nossa
estrutura de saúde é precária.”
França defende maior inte-
gração do Sistema Único de Saú-
de em todas as suas esferas:
atenção primária, secundária e
terciária, além de um comando
único no Amazonas. “Na aten-
ção primária, o ideal era visitar
pessoas suspeitas de covid-19 e
fazer testagem, mas isto não
acontece, então, essa pessoa,

com sintomas da doença, sai de
casa para ir a uma unidade de
saúde e acaba contaminando
outras três ou quatro, no míni-
mo. Vai ao Serviço de Pronto
Atendimento (SPA) e não en-
contra solução. Por fim, chega
em unidades de emergências
ou urgências, numa situação
mais grave e não tem respirador
tampouco leito vago”, frisou.
A dona de casa Cleiciany Ri-
beiro do Nascimento, de 28
anos, moradora do bairro Cida-
de Nova, zona norte de Ma-
naus, sentiu na prática as dificul-
dades em conseguir atendimen-
to na capital amazonense. Na
primeira semana de maio, ela
conta que procurou diversas
unidades de saúde porque a ir-
mã dela, Lidiane, de 35 anos,
grávida de cinco meses, apre-
sentou sintomas da doença.
“Fomos a uma UBS, que nos
encaminhou ao hospital Platão
Araújo e lá nos disseram que
não havia médicos. Procura-
mos o Serviço de Pronto Atendi-
mento (SPA) e nos falaram que
tínhamos de ir a uma maternida-
de. No entanto, as maternida-
des não quiseram nos receber
porque ela estava com sinto-
mas de covid-19”, disse ao Esta-
dão. “A desculpa era não ter co-
mo fazer transferência por não
haver leitos nos hospitais para
pacientes com covid-19. Fica-
mos desesperadas. Tivemos de
esperar em casa a disponibilida-
de de um leito. Conseguimos a
transferência para o hospital
Delphina Aziz, uma semana de-
pois. Com o diagnóstico da
doença confirmada, ela agora
se recupera em casa”, narrou.
A falta de leitos aliada à impru-
dência dos moradores é um fa-
tor que pode agravar ainda mais

o quadro da doença no Estado.
O motorista de aplicativo José
Carlos de Alencar, de 48 anos,
atende passageiros em toda Ma-
naus e diz ainda haver pessoas
que insistem em entrar no veí-
culo sem o uso de máscara.
“Acho que ainda não se de-
ram conta da gravidade. Eu me
recuso a levar pessoas sem más-
cara. Não é só isto: na periferia,
as pessoas não estão dando a
mínima para tomar os devidos
cuidados. O movimento nas
ruas e comércio é normal. E ra-
ramente usam máscara”, diz.
A análise do motorista é cor-
roborada pelo professor do De-
partamento de Matemática da
Universidade Federal do Ama-
zonas, Wilhelm Alexander
Steinmetz. Ele fez parte da equi-
pe de pesquisadores que coor-
denou o estudo “Curva de Con-
taminação covid-19 – Estado do
Amazonas”, divulgado há uma
semana. “Percebemos que a
classe média aderiu mais tanto
ao isolamento social quanto às
medidas de prevenção como o
uso das máscaras”, comentou.
Ainda segundo Steinmetz,
40% dos moradores do Amazo-
nas fazem isolamento e que is-
so evitou números ainda piores
no Estado. “Poderíamos ter cer-
ca de 2,5 mil óbitos a mais no
mês de abril”, admite.

Brasil entra para as estatísticas da doença ao atingir marcas assustadoras neste fim de mês: 1.188 mortes em 24 horas, ultrapassar


a Rússia e ficar atrás apenas dos EUA no número de pessoas contaminadas, com mais de 100 mil casos em sete dias e 22 mil mortes


Capital e interior de SP em estado de alerta


Robson Morelli


O


Brasil chegou a marcas impressionantes, e bastante preo-
cupantes, na última semana em relação ao avanço da co-
vid-19. Num único dia, bateu recordes negativos da doen-
ça, caminhando para números assustadores. Registrou 1.188 mor-
tes na quinta-feira, dia 21, e ultrapassou os 20 mil óbitos desde que
a primeira pessoa morreu por causa do novo coronavírus.
A curva da pandemia parece não existir. Até aqui, é uma reta a
apontar para cima, apesar de alguns Estados tomarem decisões
para afrouxar o isolamento social e recuperar parte de suas ativida-
des econômicas. Na contagem diária dos órgãos competentes de
saúde, o País, que continua sem ministro da Saúde após a demissão


de Luiz Henrique Mandetta e do pedido para sair de Nelson Teich,
passou a Rússia e já é o segundo com mais números de contamina-
dos no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, cuja curva de

mortalidade parece dar refresco e descer a ladeira – alguns estados
norte-americanos retomam parte do que faziam antes da pande-
mia. Nas últimas 24 horas, o Brasil chegou a 363.211 casos.
O cenário é sério. Há 22.666 óbitos. Na semana seguinte em que
a Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta a América do Sul
(com o Brasil no comando) como epicentro da doença – eram os
EUA –, o Estadão escolhe e faz um retrato dos cinco principais
Estados brasileiros onde a covid-19 avança rapidamente, mas cu-
jas administrações públicas se desdobram para evitar o colapso.
Na Grande São Paulo, por exemplo, onde há o maior número de
mortes, a taxa de ocupação de UTIs chega a 91%, segunda maior
desde o início da pandemia. O Rio espera pela entrega de hospitais
de campanha. Pernambuco, Pará e Amazonas estão no limite.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Após País bater recordes, cinco


Estados se aproximam do colapso


TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO

À espera. Parentes de internados com covid-19 na Mooca

Amazonas espera


‘pico’ nesta semana


Metrópole

lConstatação

Nada feito. O motorista José Carlos de Alencar diz que algumas pessoas ainda querem entrar no seu carro sem máscara


Casos Óbitos Leitos de UTI ocupados Isolamento social
SP
RJ
PA
AM
PE

82.
37.
24.
29.
27.

75,7%
86,0%
84,5%

97,0%

51,0%
46,6%
49,9%
48,6%
52,6%

6.
3.
2.
1.
2.
DADOS DE CASOS, MORTES E OCUPAÇÃO DE UTI SÃO DE 24 DE MAIO E DADOS DE ISOLAMENTO SÃO DE 23 DE MAIO
FONTES: SECRETARIAS ESTADUAIS DA SAÚDE E MONITOR ESTADÃO/INLOCO DE ISOLAMENTO SOCIAL

NÃO INFORMADO

“Acho que ainda não se
deram conta da gravidade.
Eu me recuso a levar
pessoas sem máscaras. O
movimento nas ruas e no
comércio é normal.”
José Carlos de Alencar
MOTORISTA DE APLICATIVO

ÁLISSON CASTRO
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