O Estado de São Paulo (2020-05-26)

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O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 26 DE MAIO DE 2020 Metrópole A


O ministro interino da Saúde,
Eduardo Pazuello, alertou on-
tem para nova fase do avanço da
covid-19, com aumento de ca-
sos no interior. E, para atender
à demanda crescente, a pasta re-
comenda usar toda a rede dispo-
nível das cidades antes de cons-
truir hospitais de campanha, in-


cluindo leitos privados. O País
registrou ontem 807 novas mor-
tes – o total é de 23. 473. De an-
teontem para ontem, 11.687 no-
vos casos foram registrados e já
são 374.898 infectados. O Brasil
é o 2.º com mais registros, atrás
apenas dos Estados Unidos.
Segundo Pazuello, é preciso
preparar estruturas de cidades
maiores para receber pacientes
dos pequenos municípios. Para
ele, capitais já mostram queda
de casos. “Mas não podemos es-
quecer que vem ainda o impac-
to no interior. A gente tem de
estar preparado para isso.”

O ministério divulgou ontem
as regras de financiamento para
erguer novos hospitais de cam-
panha para pacientes com o no-
vo coronavírus. A pasta decidiu
deixar de fazer a gestão compar-
tilhada desses hospitais e passa-
rá a descentralizar os recursos
para Estados e municípios, mas
a orientação é de que os hospi-
tais de campanha sejam utiliza-
dos em último caso, inclusive
após o uso de leitos privados.
“Antes de partirmos para
uma rede provisória, precisa-
mos ver o que está disponível
na rede privada. Temos de bus-

car estruturas provisórias só
quando não tivermos mais es-
truturas alternativas”, disse o
secretário executivo substituto
do ministério, Élcio Franco,
acrescentando que haverá o cre-
denciamento de leitos privados
para indenização posterior.
O SUS repassa R$ 1.600 por
leito usado para paciente de co-
vid. Hospitais privados têm que-
da de ocupação de leitos, por-
que procedimentos eletivos fo-
ram cancelados.
O ministério ainda reforçou a
importância de que os hospitais
atualizem periodicamente a ta-
xa de ocupação dos leitos de
UTI para que a pasta consiga au-
xiliar Estados e municípios./MA-
TEUS VARGAS E ERIKA MOTODA

Mariana Hallal


O diretor-geral da Organiza-
ção Mundial de Saúde
(OMS), Tedros Adhanom,
afirmou ontem que o uso da
hidroxicloroquina está sus-
penso no ensaio clínico inter-
nacional Solidariedade (Soli-


darity). A decisão foi baseada
em um estudo publicado na
revista científica The Lancet e
será revisada nas próximas se-
manas. Atualmente, 3,5 mil
pacientes de 17 países estão
inscritos na pesquisa.
De acordo com Adhanom, o
assunto foi tratado no último sá-

bado pelo grupo executivo do
estudo, formado por represen-
tantes de dez países. No encon-
tro, ficou decidido que o uso da
hidroxicloroquina será suspen-
so até que se consiga fazer uma
“análise abrangente e uma ava-
liação crítica de todas as evidên-
cias disponíveis globalmente”.

O uso da substância para o tra-
tamento de infectados pela co-
vid-19 tem sido motivo de emba-
tes. Embora não existam evi-
dências científicas que orien-
tem a aplicação da droga no tra-
tamento, o uso da hidroxicloro-
quina e da cloroquina vem sen-
do defendido pelo presidente
Jair Bolsonaro. Na semana pas-
sada, o Ministério da Saúde re-
comendou a prescrição do me-
dicamento para pacientes em
estágio inicial da covid-19.
O estudo publicado na Lan-
cet, na semana passada, no en-
tanto, concluiu que o uso da clo-
roquina ou da hidroxicloroqui-
na em pacientes com o corona-
vírus, mesmo quando associa-
das a outros antibióticos, au-
menta o risco de morte e de ar-
ritmia cardíaca.
Ontem, em coletiva de im-
prensa após o anúncio da OMS
de suspensão de estudos sobre
o medicamento, o Ministério
da Saúde indicou que vai man-
ter a orientação para uso preco-
ce do remédio. “Estamos muito

tranquilos a despeito de qual-
quer instituição ou entidade in-
ternacional que venha a cance-
lar os seus estudos com a medi-
cação”, disse Mayra Pinheiro,
secretária de Gestão do Traba-
lho e da Educação na Saúde.
Mayra falou que o estudo pu-
blicado na Lancet não é “meto-

dologicamente aceitável” co-
mo referência para as decisões
tomadas pelo Ministério. “O
que nós queremos reafirmar é
que estamos seguindo, sobretu-
do, princípios bioéticos.”

Avaliação. Segundo Adha-
nom, a revisão no ensaio global
vai considerar os dados coleta-
dos até o momento pelo estudo
Solidarity e, em particular, os
dados disponíveis randomiza-
dos e robustos, “para avaliar
adequadamente os possíveis be-
nefícios e malefícios desse me-
dicamento.”
Michael Ryan, diretor execu-
tivo do Programa de Emergên-
cias em Saúde da OMS, garan-
tiu que a suspensão não está li-
gada a nenhum problema com o
ensaio clínico em si. “Estamos
agindo com cautela”, afirmou.
Além da hidroxicloroquina, o
estudo da OMS usa o remdesi-
vir; uma combinação de dois
medicamentos para o HIV, lopi-
navir e ritonavir; e a mesma
combinação mais interferon-
1A, um mensageiro do sistema
imunológico que pode ajudar a
paralisar o vírus. Os outros três
medicamentos continuarão
sendo testados.
No Brasil, o Solidariedade é
coordenado pela Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) e reali-
zado em 18 hospitais de 12 Esta-
dos. Margareth Dalcolmo, pneu-
mologista da Fiocruz, explica
que a decisão de interromper
temporária ou definitivamente
parte de um estudo é comum.
“Isso faz parte das normas éti-
cas internacionais. Tem gente
querendo politizar essa deci-
são, mas ela não tem nada de
surpreendente”, garante.
A médica, que se recuperou
recentemente da covid-19, diz
que nunca usou a cloroquina ou
a hidroxicloroquina em ne-
nhum paciente, não recomen-
da aos colegas e não usou duran-
te o próprio tratamento.
Ela afirma que a prescrição
do remédio foi interrompida
em quase todos os hospitais da
rede privada porque a informa-
ção científica gerada sobre o te-
ma tende a não recomendar a
administração da droga para pa-
cientes com a covid-19. Por ou-
tro lado, a médica diz que viu a
cloroquina e outros medica-
mentos, como vermífugos, se-
rem distribuídos à população
na rede pública. “Isso é uma lou-
cura porque não tem nenhuma
validação.”

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


O diretor-geral da Organização
Mundial de Saúde (OMS), Te-
dros Adhanom, disse ontem
que a epidemia de coronavírus
está se espalhando como um
“incêndio florestal” no Brasil,
assim como aconteceu na Chi-
na e em alguns países da Europa
e que para vencer o coronavírus
é preciso tomar atitudes mais
rápidas do que a propagação do
vírus. Para isso, chegou a men-


cionar o lockdown (bloqueio to-
tal) como uma alternativa para
conseguir controlar a doença.
“Precisamos do tão falado
lockdown, ou distanciamento
social, para nos preparar e avan-
çar mais rápido do que o pró-
prio vírus”, disse. “Se medidas
de isolamento não forem leva-
das a sério, a velocidade de
transmissão será rápida.”
Michael Ryan, diretor execu-
tivo do Programa de Emergên-
cias em Saúde da OMS, refor-
çou a necessidade de o Brasil to-
mar medidas mais rígidas. Ele
falou que sabe do impacto eco-
nômico causado por um isola-
mento total, mas disse que tal-
vez não haja outra alternativa

para o País. O objetivo dessas
medidas rígidas, explicou, é per-
mitir que o país tenha a capaci-
dade de testar e identificar ca-
sos positivos e seus contatos.
Assim, a pandemia poderia ser
controlada. “Em muitos países,
estão isolando todo mundo pa-
ra conseguir fazer isso.”
O presidente Jair Bolsonaro
já se manifestou contra o isola-
mento total da população em di-

versas ocasiões e pediu o fim de
medidas de quarentena e lock-
down decretadas pelos gover-
nos locais. Nos últimos dias, al-
gumas regiões têm relaxado as
regras de isolamento (mais in-
formações nesta pág.).
A OMS classificou na semana
passada a América do Sul como
novo epicentro da pandemia e
alertou para a escalada no nú-
mero de mortes no Brasil./M.H.

Governo registra 807 novas mortes e prevê piora no interior


Pará tem ruas


cheias após fim


de bloqueio


lVisões

Pesquisa sobre eficácia do remédio para tratar a covid-19 incluía


3,5 mil pacientes de 17 países; Brasil diz que manterá orientação


Número de transplantes de órgãos cai 34%. Pág. A12 }


Diretor de entidade


diz que Brasil deve


ampliar isolamento


lA 1ª pesquisa nacional para
rastrear a imunidade de brasilei-
ros à covid-19 indica que o núme-
ro de infectados pode ser sete
vezes maior do que mostram as
estatísticas oficiais. O estudo da
Universidade Federal de Pelotas
também indica que a proporção

de pessoas com anticorpos é de
1,4% em 90 cidades analisadas.
Foram testadas 25.025 pessoas.
A população desses municípios
corresponde a 25,6% do total de
brasileiros. O estudo estima que
760 mil (margem de erro de 705
mil a 867 mil) estariam infecta-
das. Em São Paulo, a taxa é de
3,1%. Cientistas calculam que o
índice de infectados deve ser de
ao menos 60% para a imunidade
de rebanho na população, o que
reduz o avanço do surto.

Ministério afirma que


cidades maiores devem


receber pacientes de


municípios pequenos e


sugere usar rede privada


Roberta Paraense / BELÉM
ESPECIAL PARA O ESTADO

O primeiro dia após o fim do
lockdown, que restringiu a cir-
culação de pessoas e proibiu a
abertura de serviços não essen-
ciais em 16 municípios paraen-
ses, incluindo Belém, foi de mo-
vimentação intensa. Na capital
paraense, ruas, feiras, merca-
dos, supermercados e, sobretu-
do, o centro comercial e as peri-
ferias da cidade ficaram lota-
dos. A segunda-feira foi marca-
da também por protestos e car-
reatas. O movimento foi dos co-
merciantes locais pedindo a rea-
bertura dos estabelecimentos
de segunda necessidade.
Durante a manhã, houve aglo-
merações em espaços públicos.
Mesmo desrespeitando às no-

vas regras, barbearias e salões
de belezas abriram as portas. O
movimento foi intenso mesmo
com a fiscalização dos agentes
da Ordem Pública e Guarda Mu-
nicipal de Belém nas ruas. Al-
guns estabelecimentos, como
lojas de confecções, foram fe-
chados. Pessoas sem máscara
também foram multadas.
O decreto que pôs fim ao lock-
down foi publicado na noite de
sábado. Como já havia sido in-
formado pelo governador Hel-
der Barbalho (MDB), as regras
de isolamento social estão sen-
do abrandadas gradativamen-
te. A Secretaria de Segurança
Pública afirma que a média de
isolamento atingida no Estado
durante o lockdown foi de
50,18%. Para a infectologista He-
lena Brígido, professora da Uni-
versidade Federal do Pará, o
afrouxamento foi precoce. “Fo-
ram somente 14 dias. A adesão
não foi boa e ficou abaixo do re-
comendado nas cidades do
País”. O Pará registra 2.372 óbi-
tos e 26.077 casos da doença.

JOHN LOCHER / AP

OMS suspende


estudo global de


hidroxicloroquina


“A cloroquina foi usada
como um fármaco da
esperança. Hoje eu
chamaria de quimera da
decepção.”
Margareth Dalcolmo
PNEUMOLOGISTA DA FIOCRUZ

“Estamos muito tranquilos
a despeito de qualquer
instituição ou entidade
internacional que venha a
cancelar os seus estudos
com a medicação.”
Mayra Pinheiro
SECRETÁRIA DE GESTÃO DO TRABALHO
E EDUCAÇÃO NA SAÚDE DO MINISTÉRIO

Sem evidências. Remédio é usado para tratamento de malária e artrite reumatoide e vinha sendo testado em pacientes infectados pelo novo coronavírus


WILTON JUNIOR / ESTADÃO

Tedros Adhanom, da


OMS, alertou que
epidemia está se


espalhando como um


incêndio no País Duque de Caxias. Há dificuldades de conter aglomeração


Pesquisa nacional


estima n° sete vezes


maior de infectados

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