O Estado de São Paulo (2020-05-26)

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O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 26 DE MAIO DE 2020 Economia B


LEILÕES DIÁRIOS DE VEÍCULOS

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ENTREVISTA


Thaís Barcellos


O investidor estrangeiro está
pessimista com o Brasil, afir-
mou o chefe de Economia e Es-
tratégia para o País do Bank of
America (BofA), David Beker.
Após cerca de 40 reuniões
com investidores institucio-
nais da Europa e dos Estados
Unidos nas últimas duas sema-
nas, Beker contou ao Esta-
dão/Broadcast que o sentimen-
to deve-se à percepção de que
o País está combinando três
crises ao mesmo tempo: de
saúde, com o coronavírus, po-
lítica e fiscal.
Beker diz que, com uma sina-
lização mais firme sobre o
compromisso com o cenário
de ajuste fiscal, é possível o re-
torno de fluxo de capital exter-
no de curto prazo para ativos
brasileiros. Sobre o fluxo de
crescimento de capital de pra-
zo mais longo, o mais impor-
tante para o País, Beker traça
cenário de que “algum” retor-
no pode ocorrer na passagem
do terceiro para o quarto tri-
mestre, quando a atividade
econômica deve começar a se
recuperar.
O estrategista lembra, contu-
do, que o interesse pelo Brasil
já estava baixo antes da pande-
mia de coronavírus, com des-
confiança sobre a aceleração
do crescimento, e que, agora, o
desconforto aumentou. “Se es-
tava difícil antes, agora nossos
fundamentos estão piores.”
Recentemente, o BofA cor-
tou novamente a projeção de
Produto Interno Bruto (PIB)
do Brasil, passando a prever
queda de 7,7%, ante previsão
anterior de contração de 3,5%.
Para 2021, a expectativa foi
mantida em alta de 3,5%. A se-
guir, os principais trechos da
entrevista.


lQual é a percepção que os in-
vestidores estrangeiros têm do
Brasil em meio à essa crise?
Nas últimas duas semanas, fiz
reuniões virtuais com investi-
dores institucionais. Foram
em torno de 40 reuniões, com,
principalmente, investidores


de renda fixa, metade da Euro-
pa e metade dos Estados Uni-
dos. De forma geral, eu diria
que o sentimento é negativo,
principalmente pela percep-
ção de que estamos combinan-
do três crises: de saúde, por
conta do vírus, uma crise políti-
ca e uma fiscal. Ninguém dis-
corda da necessidade de res-
posta de políticas neste mo-
mento tão delicado para todos
os países, mas a percepção é
de que vamos ter ao longo dos
próximos anos um risco de
crescimento muito grande da

relação dívida/PIB. E mesmo o
resultado primário neste ano
vai ser um déficit muito gran-
de, nossa projeção é de 9,3%
do PIB. Quando você combina
essas três incertezas, o tom
dos investidores é negativo.

lMas quais são as principais
preocupações?
Uma preocupação que eles ma-
nifestam é a questão do câm-
bio, embora nos últimos dias
até tenha melhorado. Mas o po-
sicionamento estava bem nega-
tivo e vimos uma depreciação

bem importante do câmbio. E
aí a pergunta é: como isso vai
se refletir ao longo do tempo
nas expectativas e na inflação,
qual é o risco desse movimen-
to ao longo do tempo para a in-
flação? Embora todo mundo
concorde que, no curto prazo,
a fraca atividade econômica
não permite o repasse, há dúvi-
das do que eventualmente po-
de acontecer adiante. Na ques-
tão fiscal, a pergunta é, basica-
mente, como o País ‘reancora’
a questão fiscal. O que eles per-
guntam é se vai existir consen-
so político para retomar a
agenda de reformas. Sabemos
que a equipe econômica tem
dito que isso é temporário e
que as coisas vão voltar ao nor-
mal, e que eles vão voltar a per-
seguir todas as reformas que
queriam fazer antes. Mas, dian-
te de todo o ruído político, os
investidores estrangeiros têm
dúvida se efetivamente o go-
verno vai conseguir criar uma
base de sustentação para avan-
çar nessas reformas.

lÉ possível pensar em retorno
do investidor ainda este ano?
Eu diria que, se tivesse uma si-

nalização mais concreta de ar-
rumação de casa na questão fis-
cal, o fluxo (de capital de curto
prazo) poderia aparecer. Mas o
fluxo principal que o Brasil pre-
cisa neste momento, que é o
fluxo do crescimento, como o
Investimento Direto no País,

fluxo para compra de ativos,
IPOs e follow-on, depende da
combinação de um fiscal enca-
minhado com sinais de que o
fundo do poço ficou para trás
e de que a economia começa a
se recuperar. Esse processo de
crescimento da economia, nos
nossos números, começaria do
terceiro para o quarto trimes-
tre, mas ainda tem muita incer-
teza. Eu acho importante men-
cionar que, antes de tudo isso
começar, não estávamos ven-
do grandes fluxos do estrangei-
ro para o Brasil. Antes, estáva-
mos vendo um pouco de fluxo
para Bolsa de estrangeiro e, na
renda fixa, o estrangeiro já ha-
via reduzido a alocação.

lEntão o retorno deve ficar mais
para 2021?
Na verdade, acho que a foto po-
de mudar no terceiro ou quar-
to trimestre. Mas tem várias
discussões não só no Brasil,
mas no mundo: o risco da se-
gunda onda, o formato da recu-
peração global, se vai ser em
‘V’. Na verdade, as pessoas
têm ficado mais preocupadas
com a chance de ‘U’ ou ‘W’. É
difícil precisar o timing, por-
que ainda tem muita incerte-
za. Mas é possível construir
um cenário em que, no fim do
terceiro e no quarto trimestre,
comecemos a ver algum tipo
de fluxo. Mas acho que sempre
vale a pena dizer que, se estava
difícil antes, agora nossos fun-
damentos estão piorados.

lRecentemente, o BofA piorou a
expectativa de recessão este
ano, de 3,5% para 7,7%, mas
manteve a projeção de alta em
2021 em 3,5%. O cenário então é
de recuperação mais lenta?
Ainda não temos a projeção pa-
ra 2022, mas basicamente se
atrasou o processo de voltar
para o patamar anterior (ao co-
ronavírus). Há muita incerte-
za, se vai ter empresas que-
brando, há risco para peque-
nas e médias empresas, aumen-
to do desemprego, alta da ina-
dimplência. Acho que é a com-
binação de fatores. Mas isso
não é só no Brasil.

União recorre a crédito


externo para bancar


medidas emergenciais


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Para Beker, interesse


do estrangeiro, que já


estava baixo, caiu ainda


mais com a ‘crise tripla’


que o País atravessa


Mateus Vargas
Lorenna Rodrigues / BRASÍLIA


O governo federal vai recorrer a
organismos internacionais para
bancar o pagamento de parte do
auxílio emergencial e da amplia-
ção do Bolsa Família.
A União deve pedir emprésti-
mo superior a R$ 20 bilhões
(US$ 4,1 bilhões) para financiar
as medidas adotadas para com-
bater os efeitos sociais da pande-
mia da covid-19, que incluem
ainda parcelas do seguro-de-


semprego e a compensação a tra-
balhadores que tiveram redu-
ção de jornada e salário.
O financiamento é discutido
pela equipe econômica desde
abril. Em documento do Minis-
tério da Economia obtido pelo
Estadão, técnicos da pasta con-
trariam o discurso do presiden-
te e reconhecem que o distancia-
mento social é necessário para
evitar o avanço da pandemia. “O
Brasil se transformou em um
dos principais motivos de preo-
cupação mundial diante da pan-
demia. As medidas de distancia-
mento e isolamento se fazem ne-
cessárias, contudo, elas trazem
impactos econômicos imedia-
tos e com consequências dura-
douras nos países”, diz um dos
pareceres técnicos.
A ideia é distribuir o recurso

da seguinte forma: US$ 1,72 bi-
lhão para pagamento da renda
básica emergencial; US$ 960 mi-
lhões para absorção de novos
inscritos do programa Bolsa Fa-
mília; US$ 550 milhões para o
programa de Manutenção do
Emprego e Renda; e US$ 780 mi-
lhões ao seguro-desemprego.
As fontes do pedido de em-
préstimo em estudo são o Ban-
co Interamericano de Desenvol-
vimento (US$ 1 bilhão); Banco
Internacional para Reconstru-
ção e Desenvolvimento (US$ 1

bilhão); New Development
Bank (US$ 1 bilhão); KfW
Entwicklungsbank (US$ 420 mi-
lhões); Corporação Andina de
Fomento (US$ 350 milhões); e a
Agência Francesa de Desenvol-
vimento (US$ 240 milhões).
Segundo a reportagem apu-
rou, a avaliação na equipe econô-
mica é que o empréstimo com
organismos internacionais é
uma linha barata comparada a
financiamento via emissão de tí-
tulos. Além disso, apesar de a
dívida ser em dólar, como o va-

lor é relativamente pequeno,
não há um risco para as contas
públicas mesmo se a moeda
americana se valorizar muito. A
estimativa é que só o auxílio
emergencial pago durante três
meses custará R$ 151 bilhões, se-
gundo as últimas estimativas.

Estratégia. Um integrante do
Ministério da Economia ressal-
tou que trata-se de um aumento
de dívida externa muito peque-
no e que a estratégia é diversifi-
car as fontes de empréstimos,
aproveitando um prazo longo e
juros baixos. A aprovação do pe-
dido de empréstimo foi discuti-
da em reunião extraordinária,
em 18 de maio, da Comissão de
Financiamentos Externos. As
áreas técnicas de diversos minis-
térios ainda estão se manifestan-
do sobre o pleito. A equipe eco-
nômica afirmou na comissão
que o recurso pode ser redirecio-
nado para outras ações de com-
bate à covid-19.
A taxa de câmbio a ser usada
seria de R$ 5,237. As condições
para pagamento variam confor-
me o organismo multilateral,
com prazos de até 25 anos.

Nos últimos anos, os financia-
mentos com organismos glo-
bais vinham sendo feito por Es-
tados e municípios para custear
investimentos, o que era uma
exigência dos próprios organis-
mos internacionais. Agora, as
próprias entidades abriram li-
nhas específicas para tratar des-
pesas de combate à covid-19.
A proposta, no entanto, rece-
beu críticas de economistas.
Um especialista em contas pú-
blicas, que não quis se identifi-
car, disse que não faz sentido
economicamente contrair dívi-
da em dólar, já que, neste mo-
mento, o Tesouro tem autoriza-
ção para aumentar a dívida para
bancar despesas com o corona-
vírus. Já o economista do
Ibre/FGV, Manoel Pires, disse
que não há restrição para contra-
tação de dívida com organismos
internacionais para custear gas-
tos correntes. “O endividamen-
to para financiar essas despesas
extraordinárias é inevitável. A
questão é se esse é o melhor ex-
pediente. Não me parece muito
problemático por enquanto, da-
do os valores envolvidos e a posi-
ção do câmbio hoje.”

Venda de carros deve se manter fraca em maio. Pág. B4 }


RAFAEL KARELISKY

Cenário. País precisa de fluxo de crescimento, diz Beker

‘Investidor externo


tem dúvidas sobre


avanço de reformas’


David Beker, chefe de Economia e Estratégia para o País do Bank of América


WERTHER SANTANA/ESTADÃO–14/5/

Financiamento com


organismos multilaterais


de R$ 20 bi está


sendo discutido pela
equipe econômica Destino. Recursos ajudarão a combater efeitos da covid-

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