O Estado de São Paulo (2020-05-26)

(Antfer) #1

Gilberto Amendola


Depois de tantos dias de isola-
mento social é natural que um
pensamento não desgrude da
nossa cabeça: “qual vai ser a pri-
meira coisa que eu vou fazer
quando isso tudo acabar?”. Em-
bora a curva da pandemia da co-
vid-19 no Brasil ainda não nos
deixe enxergar a luz no fim des-
sa quarentena, fazer planos e so-
nhar é necessário e saudável. E,
aliás, também não custa nada.
A reportagem do Estadão con-
versou com pessoas que estão
cumprindo a quarentena e res-
peitando o distanciamento por
mais de dois meses. Com elas,
descobrimos os mais simples e
extravagantes desejos para aque-
le que deve ser o próximo dia
mais feliz das nossas vidas.
O músico Marco Aguyar, por
exemplo, sonha com uma parti-
da de futebol. “Antes de a músi-
ca arrebatar meu coração, eu ti-
nha o futebol como paixão, eu
jogava o dia inteiro quando
criança, fazia as contas de quan-
tos anos teria nas Copas do
Mundo, desejava mesmo ser jo-
gador profissional”, lembra. En-
tão, quando a pandemia estiver
controlada, Aguyar quer voltar
aos campos, calçar chuteiras,
vestir um uniforme, fazer gols e
cair nos braços da torcida (coi-
sa que hoje seria um risco).
A oboísta Natália Alves Cha-
hin tem dividido o seu pensa-
mento sobre o primeiro dia de-
pois do fim da pandemia em
dois momentos: dia e noite.
“De dia, eu chamaria toda a fa-
mília para um ‘almoção’ na mi-
nha casa, abraçaria e daria mui-
tos beijos em todos”, conta. Já
para o período noturno, os pla-
nos são outros: “Eu começaria
em um bar com as minhas ami-
gas. Depois, me acabaria de dan-
çar em um forró ou samba, um
lugar de música ao vivo e cheio
de gente”.
Já o ator Talis Castro, que mo-
ra em Salvador, tem um desejo
simples para quando puder pôr
os pés para fora de casa em segu-
rança. “Um dos grandes moti-
vos de morar aqui é o contato
com o mar. Sempre que saio de
casa para fazer algo de carro, fa-
ço questão de passar pela orla,
pelo Porto da Barra, pelas
praias do Rio Vermelho, e vou
até na Praia de Itapuã, que fica
um pouco mais distante de on-
de moro. Quando isso tudo aca-
bar, quero muito tomar um ba-
nho de mar, deitar na areia, to-
mar um sol e curtir a brisa.”
Reencontrar o mar parece
um desejo recorrente de quem
já se imagina fora da quarente-
na. “Quero ir ver o mar, tomar
um bom banho de mar e con-
templar o horizonte. A visita à
natureza praiana será o meu re-
start”, acredita o astrólogo Pau-
lo Beni.
Retomar as atividades e o tra-
balho também é um dos sonhos
mais presentes. A professora de
Hatha Yoga, Andreza Taglietti,
não vê a hora de retomar sua
agenda de atividades. “No pri-
meiro minuto do dia, vou abrir
minha agenda para as massa-
gens e para as aulas presenciais
de ioga. Sinto muita falta disso.
Depois, será um dia de encon-
tros e mais encontros. Almoço
em família; café na padoca com


as amigas; corrida no parque e
encontro com a turma de ami-
gos de meditação.”
O consultor de segurança ele-
trônica Marcos Sooma venceu
a covid-19. Ele chegou a ser in-
ternado e, felizmente, superou
os momentos mais difíceis da
doença. Agora, recuperando-se
em casa, começa a pensar sobre
o dia em que a vida vai voltar ao
normal. “Quando a pandemia
acabar, meu desejo é ter de vol-
ta minha liberdade de ir e vir.
Quero poder ir para o bar, res-
taurante. Quero encontrar a fa-
mília e os amigos e poder mani-
festar meu carinho com abra-
ços e beijos”, conta. “Parafra-
seando Cazuza: que nossos pra-
zeres não se transformem em
risco de vida.”
Assim como Sooma, a corre-
tora de seguros Maria Renata
Mendes tem como prioridade
número um a possibilidade do
abraço. “Quero abraçar os
meus. Quero abraçar sem me-
do de propagar ou contrair esse
vírus bizarro. Quero abraçar e
ter certeza que a única coisa a
ser transmitida e contraída é o
amor, na sua mais pura simplici-
dade.”

Ansiedade. A psicóloga clínica
Sandra Quero, que também
tem atuado em terapia online
(plataforma Vittude), enxerga
uma ansiedade galopante na so-
ciedade pela retomada da vida
de antes da pandemia. “A popu-
lação demonstra baixa resiliên-
cia para as restrições de isola-
mento. É uma sociedade ime-
diatista, com um olhar maior pa-
ra as necessidades pessoais do
que coletivas. É muito difícil
controlar a ansiedade porque
muitos não entendem que esta-
mos em casa por um bem
maior”, comenta.
Para a psicóloga Christiane
Valle, da Conexa Saúde, a ansie-
dade está na base das questões
envolvendo 90% dos seus clien-
tes. “Estamos padecendo da no-
va rotina que nos foi imposta
pelo vírus. As pessoas querem
voltar a se relacionar e a ter rela-
ções sociais. Elas estão perce-
bendo que a tecnologia não bas-
ta. Elas também estão com me-
do, um medo que nasce, sobre-
tudo, dessa realidade que pare-
ce um filme de ficção.”
A terapeuta Rosi D’Portilho
acredita que a maior dificulda-
de deste momento é que a qua-
rentena está obrigando as pes-
soas a olharem para dentro. “A
vida social faz com que as pes-
soas olhem para fora e não preci-
sem encarar algumas situações
e sentimentos. No confinamen-
to, todos estão sendo obrigados
a olhar para dentro. Isso tem
causado muita ansiedade. Por
isso, as pessoas demonstram
tanta necessidade de ir para rua
e sair do isolamento”, disse.
Já para o psiquiatra e pesqui-
sador titular da Fiocruz Paulo
Amarante, a palavra-chave pa-
ra entender o primeiro impul-
so no pós-pandemia é “sauda-
de”. “Saudade é a palavra. Não
é nostalgia. A saudade é um fa-
tor muito importante neste
momento. As pessoas sentem
falta dos amigos, familiares e
lugares. E essa saudade vai mo-
ver a sociedade em um primei-
ro momento.”

NA


Caderno 2


Série traz a era dourada de Hollywood PÁG. H3


DESEJOS PARA O


AMANHÃ


A população demonstra baixa resiliência
para as restrições de isolamento.
É uma sociedade imediatista, com
um olhar maior para as necessidades
pessoais do que coletivas”

Veja quem já


faz planos


para quando a


pandemia acabar


QUARENTENA




Saudade é a palavra. Não é nostalgia. A
saudade é um fator muito importante neste
momento. As pessoas sentem falta dos
amigos, dos lugares. E essa saudade vai
mover a sociedade no primeiro momento”

Carências
O músico
Marco
Aguyar (à
esq.) sente
falta do
futebol;
Natália
Alves vai
fazer
‘almoção’
com a
família

Quero
abraçar sem
medo de
propagar
ou contrair
esse vírus
bizarro.
Quero
abraçar e
ter certeza
que a única
coisa a ser
transmitida
e contraída
é o amor”

DENISE HELLENA

SAEED ADYANI/NETFLIX

Banho de
mar na
orla. O ator
Talis Castro,
de Salvador


ARQUIVO PESSOAL

MARINA SARTÓRIO

H1%HermesFileInfo:H-1:202^0052 6: TERÇA-FEIRA,26DE MAIODE2020 OESTADODES. PAULO

Free download pdf