O Estado de São Paulo (2020-05-26)

(Antfer) #1

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H2 Especial TERÇA-FEIRA, 26 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


SONIA RACY


DIRETO DA FONTE


Luiz Zanin Oricchio


A primeira temporada de A Ami-
ga Genial, transmitida no canal
HBO, foi muito boa e a segunda
não fica atrás. Agora, Lenu e Li-
la são duas mocinhas que des-
pertam para o sexo oposto, en-
quanto opostos também são
seus caminhos de vida.
Lila se afunda num casamen-
to medíocre e vive num am-
biente machista, abaixo da sua
inteligência. Lenu, apelido de
Elena, segue com brilho sua
carreira escolar e ganha uma
bolsa para estudar em Pisa, no
norte da Itália.
A dualidade norte-sul é im-
portante no contexto histórico
italiano. O norte, desenvolvi-
do, sente-se superior ao sul sub-
desenvolvido (pelo menos na
época da história). Há toda
uma questão histórica e econô-
mica nessa dualidade, implican-
do preconceitos e ressentimen-
tos regionais.
A autora da tetralogia, a napo-
litana Elena Ferrante, ambien-
ta essa ficção, talvez baseada
em parte significativa de expe-
riência pessoal, em boa parte
num bairro pobre (o “rione”)
de Nápoles. Pode-se dizer que é
uma narrativa que adota o pon-
to de vista meridional.
Será todo um desafio para a
estudiosa Lenu
superar suas defi-
ciências (inclusi-
ve o sotaque ad-
vindo do dialeto
napolitano) para
vencer na parte
desenvolvida do
país. Ao passo
que Lila resolve permanecer no
ambiente onde nasceu. Mas a re-
lação é conflitiva. Com o mari-
do, com os amigos, com os
membros da Camorra local,
que mandam e desmandam no
bairro. Mas ela não se dobra a
eles. Não se curva a ninguém. É


um espírito rebelde, belicoso.
Inclusive com relação a Ele-
na, pois, como costuma dizer a
autora do livro (que se esconde
atrás do pseudônimo), toda
amizade é feita de uma estra-
nha e sólida mistura de amor e
ódio. Lina e Lenu não passam
uma sem a outra. Mas às vezes
ficam longos pe-
ríodos sem se
ver. E, quando se
reencontram, ale-
gram-se e bri-
gam, além de dis-
putar um namo-
rado numas fé-
rias de verão na
ilha de Ischia.
Para situar o leitor em rela-
ção à obra literária: a chamada
“tetralogia napolitana” de Ele-
na Ferrante é composta pelos
livros Volume 1: A Amiga Genial,
Volume 2: História do Novo So-
brenome, Volume 3: História de

quem Vai e de quem Fica e Volume
4: História da Menina Perdida. O
conjunto da obra acabou fican-
do com o título do primeiro to-
mo, A Amiga Genial. Quanto à
autora, pouca gente sabe de fa-
to quem é Elena Ferrante. Al-

guns familiares e por certo seu
editor. Comunica-se e dá entre-
vistas por e-mail. Há diversas
especulações sobre sua identi-
dade. Nenhuma conclusiva. Sa-
be-se apenas (e já é o suficien-
te) que sua obra é encantadora,

uma voz feminina poderosa e
com milhões de leitores mun-
do afora.
Elena Ferrante comparece
nos créditos da minissérie, ao
lado de outros roteiristas, o que
garante autenticidade em rela-

ção à obra original. A série é diri-
gida pelo cineasta Saverio Cos-
tanzo e, tanto quanto possível,
acompanha a obra literária. É
uma banalidade dizer, mas vá lá:
são duas linguagens diferentes
e nunca serão a mesma coisa, e
nem a mesma experiência de
quem lê os livros e quem assiste
ao produto audiovisual.
Mas se pode dizer, por depoi-
mentos, e por experiência de
quem escreve estas linhas, que a
obra audiovisual não decepcio-
na aqueles que se apaixonaram
pelos livros. Apenas apresenta
as coisas de maneira diferente.
Passagens longas são comprimi-
das e divagações (extensas e in-
teressantíssimas) sobre ques-
tões literárias, são compacta-
das em poucas palavras da narra-
tiva em off, voz da ótima atriz
Alba Rohrwacher. A “voz” é de
Elena, a autora, aquela que, no
primeiro volume, ao saber do
desaparecimento da amiga, de-
cide contar a história das duas.
Na fase juvenil desta segunda
temporada, Elena é interpreta-
da por Margherita Mazzuco e Li-
la, por Gaia Girace. São boas atri-
zes, jovens, cheias de frescor. A
loirinha Elena, com sua determi-
nação, seu olhar frontal, sua dis-
ciplina, suas dúvidas. A morena
Lila, com seus gestos inespera-
dos, sua inteligência mordaz,
sua raiva e seus olhos penetran-
tes, como os de uma Capitu me-
ridional, olhos de ressaca e de
mistérios.
A terceira temporada, confir-
mada, mas ainda sem data de es-
treia, será baseada no volume 3
da tetralogia: História de quem
Vai e de quem Fica. A série é rela-
to das duas personagens, da in-
fância à velhice, mas também
uma espécie de afresco da Itália,
do pós-guerra aos dias de hoje,
pelo ponto de vista feminino.
Elas vivem num ambiente ma-
chista e opressor. Suas armas
são as da inteligência, cultura e
astúcia contra a força bruta, as-
sociada ao mundo masculino.
Impossível não torcer por elas.

Caderno 2


ELENA FERRANTE


Segunda temporada da série baseada na obra da autora


napolitana aborda a dualidade entre o norte e o sul da Itália


GENIAL

Colaboração
Cecília Ramos [email protected]
Marcela Paes [email protected]

lVanessa Zettler escreve
um dos capítulos de Pandemic
Solidarity, da socióloga ameri-
cana Marina Sitrin. O livro
reúne relatos sobre redes de
assistência durante a pande-
mia em 18 regiões diferentes
do Planeta. Lançamento? Mar-
cado para 20 de junho.

lO Hotel Emiliano come-
mora 19 anos com show de
Zélia Duncan no YouTube.
Dia 2 de junho.

lMovimento Brinde Pela
Vida destina 50% do lucro da
venda de cervejas artesanais à
compra de alimentos e produ-
tos de limpeza para institui-
ções parceiras.

RESPONSABILIDADE
SOCIAL

AUTORA SE BASEIA
EM SUA EXPERIÊNCIA
EM BAIRRO POBRE
DE NÁPOLES

POLAROID
Zizi Possi passa a pandemia em um sítio em Ibiúna. Foi de lá que a cantora fez live
domingo. Para a coluna, ela conta que, certa forma, já está acostumada com a
quarentena desde que fez uma operação na coluna há 10 anos. “Fiquei tão debilitada, e
tinha tantas dores, que só saía pra trabalhar e depois voltava direto pra casa”. Para ela,
além da falta que os encontros com pessoas fazem, é difícil lidar com tantas notícias
desencontradas, além das “sacanagens políticas”.

Blog: estadão.com.br/diretodafonte Facebook: facebook.com/SoniaRacyEstadao Instagram: @colunadiretodafonte

Buraco verde


Entre as muitas ONGs ambien-
tais revoltadas com as palavras
de Ricardo Salles, proferidas
na reunião presidencial de 22
de abril, a SOS Mata Atlântica
emitiu nota.

Ela dita, entre outras, que “dian-
te das graves ameaças e das in-
tenções explicitadas publica-
mente, ingressamos na Justiça,
em parceria com o MPF e a
Abrampa – Associação Brasilei-
ra dos Membros do Ministério
Público de Meio Ambiente, pa-
ra anular atos lesivos à Lei da
Mata Atlântica”.

Um sonho


Qual foi a tradução das falas,
na mesma reunião presiden-
cial de 22 de abril, feita por in-
vestidores?

Pelo menos uma delas – a frase
de Paulo Guedes sobre o BB,
“tem que vender essa porra lo-
go”– fez com que o preço das
ações do banco público ontem
subissem mais de... 8% na B3.

To lock...?


Doria e Covas marcaram pa-
ra amanhã anúncio sobre de-
cisão de lockdown ou não. Pe-
lo que se apurou, para evitar
a medida mais drástica em to-
do Estado, deverão optar pe-
la ampliação e endurecimen-
to da quarentena na capital
paulistana e na região metro-
politana.

Como seria? Por meio da re-
dução da lista de serviços es-
senciais – que hoje engloba,
por exemplo, lojas de mate-
rial de construção, lavande-
rias, call centers, indústrias,
locadora de automóveis,
transportes e logística...

Farmácias e supermercados
permaneceriam abertos –
além do delivery.

...or not...


Já pelos 645 municípios do
Estado, a tendência é a de
adotar uma flexibilização re-
gional. Isso significa possível
retomada de algumas ativida-
des econômicas, como rea-
bertura de shoppings.

Onde? Exemplos: Araçatuba,
Marília, Bauru, Franca e Ribei-
rão Preto.

...to lock


Aviso: cerca de 100 cidades
de SP não apresentam casos
de covid-19.

Socorro


José Serra, no Senado, e Bru-
na Furlan, na Câmara, desti-
naram R$ 700 e R$ 200 mil,
respectivamente, por meio
de emenda parlamentar, pa-
ra a Cinemateca Brasileira.

Segundo apurou a coluna, a -
Roquette Pinto, que ainda ge-
re a instituição, já tirou do
caixa R$ 10 milhões para não
fechá-la.

WILDSIDE

DENISE ANDRADE/ESTADÃO

Baixo Ribeiro, da
Choque Cultural,
segue com a
montagem de
exposições virtuais
durante a pandemia.
“Só consigo pensar
nos outros.
Montamos uma expo
para arrecadar
fundos para a ONG
Mulheres da Luz –
que apoia prostitutas
em situação
vulnerável no Parque
da Luz – a maioria
avós de 40 a 70
anos”, conta ele. Nas
horas vagas, Baixo
toca bateria com os
netos.

Reencontro. Lila (de lenço) e Lenu (com guarda-sol) vivem uma estranha e sólida amizade, em que se misturam amor e ódio

CRIS GOMES
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