O Estado de São Paulo (2020-05-26)

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O ESTADO DE S. PAULO TERÇA-FEIRA, 26 DE MAIO DE 2020 Especial H3


Javier Romualdo
EFE / LOS ANGELES


Se Hollywood é a expressão
máxima do sonho americano,
ela também esconde um pesade-
lo. Esse é o conceito que o ator
Darren Criss e o diretor Ryan
Murphy quiseram mudar em
uma ficção que imagina a idade
do ouro do cinema sem precon-
ceitos e com menos racismo.
“Pensamos em histórias da


Hollywood do fim da Segunda
Guerra Mundial, um mundo
que todos amam porque tem al-
go muito bonito, mas também
esconde sua parte feia”, expli-
cou Criss, depois de um tímido
“hola” em perfeito espanhol ao
atender o telefone em sua resi-
dência em Los Angeles.
Embora a quarentena impos-
ta por causa do coronavírus te-
nha impedido que o ator promo-
vesse seu novo filme de ficção
da maneira como ele gostaria, a
estreia de Hollywood, uma minis-
série já disponível na Netflix, é
uma das mais esperadas desta

temporada. “Queríamos fazer
um novo relato a respeito desta
indústria”, afirmou Criss, sobre
a ficção chamada também de
fábrica do cinema. E ... como é
este relato?

Uma era dourada. A mitologia
da sétima arte está repleta de re-
latos agridoces e de histórias
com fim triste: Como a homos-
sexualidade oculta de Rock Hud-
son ou o fracasso da carreira de
Dorothy Dandridge, que iria re-
presentar uma Cleópatra afro-
americana, mas suas cenas fo-
ram eliminadas e novamente

gravadas com Elizabeth Taylor,
porque ela era mais cotada do
ponto de vista comercial.
“Na série, damos um final fe-
liz a pessoas diferentes por sua
raça ou com sexualidades dife-
rentes, que, como sabemos, não
o tiveram em sua vida real”, sub-
linhou o ator.
Criss, que ganhou um Globo
de Ouro e um Emmy por sua in-
terpretação do assassino de
Gianni Versace em American
Crime Story, encarna em
Hollywood um diretor de cine-
ma convicto de que ele pode
contar outras histórias e incluir

personagens marginalizados pe-
la indústria. Embora o roteiro
ambiente a série em 1940, o seu
discurso soa muito atual nos
dias de hoje.
“Isso é absolutamente certo”,
afirma. “No fim, tudo mudou,
mas, por outro lado, não mu-
dou.” As diferenças salariais en-
tre mulheres e homens, o escas-
so reconhecimento em relação
a intérpretes afro-americanos,
e aos estereótipos que definem
personagens homossexuais na
tela grande foram o objetivo
que teria de mudar ao longo des-
ta década.
“Nos últi-
mos anos, tem
havido um re-
nascimento
de Hollywood,
em termos de
diversidade e
representa-
ção. Demos um passo enorme na
direção correta”, disse. À medi-
da que avança sua análise sobre
as partes mais sórdidas da indús-
tria cinematográfica, que consti-
tuem o elemento central do rotei-
ro de Hollywood, torna-se impos-
sível não se interessar pela expe-
riência de Criss neste campo,
pois ele conhece com perfeição o
cinema, a televisão e também a
Broadway.
“A verdade é que tive muita

sorte e vivi em um mundo muito
diferente. Embora eu tenha cres-
cido em uma comunidade filipi-
na dentro dos EUA, não tive ex-
periências negativas desse tipo,
mas queria representar os que
não tiveram a mesma sorte”, re-
conheceu Criss.

Alegre retrato. Ambientada
em uma das épocas mais queri-
das pelas câmeras e com uma
ambientação idílica, Ryan
Murphy concebeu uma ficção
que celebra a idade do ouro do
cinema, mas, apesar de sua ale-
gria, mostra
um dos seus la-
dos pouco ex-
plorados. Em
Hollywood, o
jazz, os carros
antigos e o gla-
mour de en-
tão convivem
com personagens imaginários e
reais na grande fábrica de ilu-
sões do século 20.
O elenco conta ainda com Mira
Sorvino, no papel de Jeanne Cran-
dall, atriz veterana que tem um ca-
so com o dono de um grande estú-
dio de cinema. Mira foi uma das
atrizes cuja carreira foi destruída
pelo ex-produtor Harvey Weins-
tein, por não ceder à chantagem
sexual dele. / TRADUÇÃO DE ANNA
CAPOVILLA

1000 filmes do Merten


Caderno 2


HOLLYWOOD


L


ançamentos de streaming
não têm faltado para manter
o público ligado nesses duros
tempos de pandemia e quarentena.
A par das próprias produções, a Net-
flix está sempre oferecendo novida-
des, mesmo que sejam filmes mais
antigos e até clássicos. Mas há outra
coisa. Profissionais do audiovisual
brasileiro estão sofrendo com a pa-
ralisação da atividade e a falta de
uma política para o setor, que já vi-
nha desacelerando desde antes do

isolamento. O diretor de fotografia
Azul Serra, de filmes como Turma da
Mônica – Laços e Aos Teus Olhos, criou a
ONG Plano-Sequência, com fotos doa-
das por fotógrafos para ajudar os cole-
gas em dificuldades. É uma seleção be-
líssima, que vai além de encher os
olhos. Podem ser vistas, e os artistas
identificados, no endereço https://pla-
nosequencia.ong.br. E estão à venda,
na maior transparência, para garantir
que os recursos arrecadados cheguem
a quem precisa. Alguns filmes na plata-

forma da Netflix:

Feito na América
Embora o público prefira ver o astro
Tom Cruise na série Missão Impossível,
é muito interessante vê-lo despir-se da
aura do herói para interpretar o piloto
norte-americano Barry Seal. Se a histó-
ria não fosse documentada, daria para
pensar que nasceu do delírio de algum
roteirista. Seal traficava armas para a
CIA e drogas para o cartel de Medellín
no mesmo avião. Um pra lá, outro pra

cá. Doug Liman dirige com sua compe-
tência habitual e o grande Cesar Char-
lone, de Cidade de Deus, é o diretor de
fotografia. Solidário, Charlone tem
suas fotos à venda no site Plano Se-
quência.

Miami Vice
Michael Mann criou a série Miami Vi-
ce, que fez história na TV dos EUA,
mas não obteve a mesma repercussão
com sua versão para o cinema. Por fal-
ta de méritos é que não foi. Colin Far-
rell e Jamie Foxx fazem os detetives
Sonny Crockett e Ricardo Tubbs, que
investigam um assassinato na Flórida.
Para complicar, o primeiro se envolve
com a mulher sino-cubana de um trafi-

cante de armas e drogas, licença que
permite a Mann colocar a deusa
Gong Li frente à sua câmera. A mis-
tura de tensão, violência e erotismo
não estourou na bilheteria, mas o
filme é bom demais para não mere-
cer revisão.

Aos Teus Olhos
Esse não é na Netflix, mas na Ama-
zon (e no GooglePlay). Carolina Ja-
bor dirige Daniel de Oliveira como o
professor de natação acusado de abu-
sar do aluno, um menino. Malu Galli
é ótima na personagem da mãe, que
propaga a fake news, e a fotografia é
assinada pelo mesmo Azul Serra que
criou a ONG Plano Sequência.

A década dourada em Los Angeles na visão de Darren Criss e Ryan Murphy


NOVA SÉRIE SOBRE A INDÚSTRIA


DO CINEMA, SEM PRECONCEITOS


‘QUERÍAMOS FAZER UM
NOVO RELATO A
RESPEITO DESTA
INDÚSTRIA’

A


série Hollywood, que estreou este mês
na Netflix, é uma recriação da chama-
da era de ouro do cinema americano,
nos anos 1940, e aí está a grande sacada da
produção assinada por Ryan Murphy e Ian
Brennan. Personagens reais misturam-se a
figuras fictícias nessa reconstrução de uma
Hollywood que – diferentemente da manei-

ra machista, racista e homofóbica como, de
fato, se comportava – poderia ter quebrado
regras e lançado um olhar para a diversida-
de: ao dar poder de comando de um grande
estúdio a uma mulher; ao permitir que artis-
tas se assumissem gays; ao dar crédito a um
roteirista negro nos letreiros; ou ao alçar ao
estrelato uma atriz negra. São situações que,
à época, eram impensáveis. Mas e se real-
mente tivessem acontecido?
Ao trazer à tona essas questões, a série
mostra, nas entrelinhas, que, mesmo déca-
das depois, Hollywood não conseguiu supe-
rar velhos hábitos. Atrizes ainda precisam
exigir paridade salarial e diretoras acusam a

Academia de marginalizá-las no Oscar, as-
sim como atores negros ainda clamam por
melhores papéis e maior presença entre os
indicados nas premiações.
Para contar sua história, os criadores
Murphy e Brennan apostaram na ‘desgla-
mourização’ ao focar nos bastidores, naque-
les que chegam a Hollywood com um sonho,
mas que enfrentam uma dura jornada para
torná-lo real, do preconceito ao assédio mo-
ral e sexual. Na série, uma nova geração de
diretores, roteiristas e atores ajuda a desen-
cadear uma transformação sem precedentes
num grande estúdio cinematográfico, o Ace
Studios. E os aspirantes a ator Jack Castello

(David Corenswet) e Rock Hudson (vivido
por Jake Picking, inspirado no astro de
Hollywood que só tardiamente se assumiu
gay), o diretor de ascendência filipina Ray-
mond Ainsley (Darren Criss) e o roteirista
negro e gay Archie Coleman (Jeremy Pope)
se unem para fazer história com o filme Meg,
protagonizado por uma atriz negra, a novata
Camille Washington (Laura Harrier).
Apesar dos temas mais áridos, a produção
carrega a áurea que povoa o imaginário quan-
do se fala na era de ouro de Hollywood. In-
veste na estética ensolarada de Los Angeles


  • e no otimismo em meio às adversidades, de
    que nada é impossível ‘na terra dos sonhos’.


Novo olhar.
Darren Criss
(centro), como
um diretor
revolucionário

]
CRÍTICA: Adriana Del Ré

Representatividade e


otimismo numa fictícia


era de ouro do cinema


SAEED ADYANI/NETFLIX

Filmes de fotógrafos

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