O Estado de São Paulo (2020-05-26)

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A6 Política TERÇA-FEIRA, 26 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ELIANE CANTANHÊDE
Excepcionalmente, a
coluna não é publicada hoje.

BRASÍLIA


Profissionais de imprensa fo-
ram mais uma vez alvo de insul-
tos e xingamentos por parte de
apoiadores do presidente Jair
Bolsonaro em frente ao Alvora-
da. As hostilidades contra pro-
fissionais da imprensa pela cla-
que bolsonarista se tornaram
rotina na entrada da residência
oficial, mas ontem foram mais
contundentes, principalmente
pela presença de um número
maior de apoiadores.


O grupo mais exaltado, porém,
não passava de 15 pessoas.
As agressões verbais ocorre-
ram logo após o presidente criti-
car jornalistas. “O dia que vocês
tiverem compromisso com a
verdade eu falo com vocês”, dis-
se, indicando que não daria en-
trevista. “Mídia lixo”, “comu-
nistas”, “safados” foram alguns
dos insultos ditos logo após Bol-
sonaro deixar o local.
Após o incidente, Folha de
S.Paulo e o Grupo Globo anun-
ciaram que vão suspender a co-

bertura jornalística na porta do
Palácio do Alvorada, local onde
Bolsonaro costuma parar para
cumprimentar apoiadores e dar
entrevistas. Ambos alegam falta

de segurança para trabalho dos
profissionais.
A segurança no Alvorada é
responsabilidade do Gabinete
de Segurança Institucional (G-

SI), mas ontem os seguranças
levaram alguns minutos para re-
tirar os bolsonaristas do local.
Procurado nesta segunda-feira,
o GSI não se manifestou. / M.S.

Apoiadores do presidente


voltam a xingar imprensa


Ricardo Brandt


Relatório da Polícia Federal que
indiciou os alvos da operação
Furna da Onça apontou supos-
to vazamento de informações si-
gilosas, indicando a existência
de um informante chamado de
“amigo” pelos investigados e
que teria como “ajudar a moni-
torar a ação dos investigado-
res”. Entre os indiciados nesta
operação estão os ex-presiden-
tes da Assembleia Legislativa
do Rio (Alerj), Paulo Melo e Jor-
ge Picciani, o ex-governador
Sérgio Cabral e o ex-líder do go-
verno Edson Albertassi – todos
do MDB.
“É importante destacar os for-
tes elementos que apontaram o
vazamento de informações da
presente investigação, quando
da deflagração da operação poli-
cial, o que demonstra que a or-
crim (organização criminosa)
continua tendo ‘tentáculos’ que


podem alcançar órgãos de inves-
tigação, demonstrando que são
atuais e graves as consequên-
cias da articulação criminosa
dos investigados”, escreveu a
delegada da PF do Rio, Xênia Ri-
beiro Soares, no relatório final
preliminar da Furna da Onça.
O relatório, datado de 5 de de-
zembro de 2018, foi enviado ao
Ministério Público Federal e ao
Tribunal Regional Federal da
2.ª Região (TRF-2). As suspei-
tas de vazamento, no entanto,
tornaram-se de conhecimento
público no dia seguinte à defla-
gração da operação.
Em 2019, a PF abriu nova in-
vestigação, mas foi encerrada
sem indicar a origem dos vaza-
mentos. O caso foi retomado se-
mana passada, após o empresá-
rio Paulo Marinho afirmar que
ouviu do senador Flávio Bolso-

naro (Republicanos-RJ) que
um delegado da PF do Rio “sim-
patizante” da família Bolsona-
ro teria vazado dados da Furna
da Onça, entre o primeiro e o
segundo turno das eleições.
Flávio classificou a acusação
de “invenção” e disse que Mari-
nho tem interesse em prejudi-
cá-lo, já que é seu suplente no
Senado e pré-candidato do
PSDB à prefeitura do Rio.
O relatório final preliminar
da Furna da Onça lista pelo me-
nos cinco fatos descobertos
com a deflagração da operação,
em 8 de novembro de 2018, que
indicavam, já naquela ocasião, a
atuação dos investigados para
destruir provas, atrapalhar a
apuração e a ação da Justiça.

‘Integrante’. Um dos mais ex-
tensos episódios registrados no
relatório da PF envolve “um
conjunto de 75 páginas escritas
à mão ou impressas” apreendi-
do na casa de Andréia Cardoso
do Nascimento. Parte teria sido
escrita de dentro da cadeia pelo
irmão de Andréia, Fábio Cardo-
so do Nascimento, antes da de-
flagração da Furna da Onça.
A delegada destaca a preocu-
pação dos alvos, registrada nos

bilhetes escritos pelos presos
da Furna da Onça, em manter
“pessoa a quem se refere como
‘ele’” na cadeia. O relatório su-
gere que, possivelmente, “ele”
seria “algum integrante de qual-
quer dos órgãos envolvidos nas
atividades de investigação, co-
mo a própria Polícia Federal, o
Ministério Público Federal, ou
mesmo a Justiça”.
“Vc precisa continuar conver-

sando com amigo, outras opera-
ções vão surgir com continua-
ção das investigações das em-
presas citadas. Vão tentar man-
ter ele aqui com novos dados.
Veja se estão agindo e fazer o
que tem que ser feito”, diz tre-
cho de um dos bilhetes apreen-
didos. “O extrato acima de-
monstra que Fábio Cardoso
tem exata noção de que há mais
fatos sendo investigados que o

implicam, tanto que orienta al-
guém – provavelmente um de
seus advogados – para que dedi-
que especial atenção às prová-
veis investigações em curso, e
para isso deveria manter conta-
to com pessoa a qual se refere
como ‘amigo’”, registra a PF.
Fábio e Andréia foram presos
pela primeira vez em novembro
de 2017, na operação Cadeia Ve-
lha, que antecedeu a Furna da
Onça. Ambas são desdobramen-
tos da Lava Jato. Andréia foi ex-
chefe de gabinete de Paulo Me-
lo, na Alerj. Fábio é apontado
como operador de Melo e tam-
bém ex-assessor de Picciani.
Em 22 de agosto de 2018, os ir-
mãos foram soltos, e presos no-
vamente na Furna da Onça.
Para a PF, os bilhetes mos-
tram que Paulo Melo e os asses-
sores atuaram em ações de con-
trainteligência, monitorando
investigadores e buscando ocul-
tar rastros dos crimes, atrapa-
lhando as apurações e obstruin-
do a ação policial e da Justiça.
Ouvido na Furna da Onça,
Paulo Melo disse que nunca con-
versou com Fábio “sobre ne-
nhuma daquelas orientações” e
nunca deu “qualquer orienta-
ção para Fábio destruir ou ocul-
tar qualquer prova.” O autor
dos bilhetes foi interrogado em
novembro de 2018, e negou o
envio deles para fora da cela.

Patrik Camporez / BRASÍLIA


O ex-ministro da Justiça e Se-
gurança Pública Sérgio Moro
disse que sofreu pressão do
presidente Jair Bolsonaro pa-
ra aprovar a portaria que au-
mentou em três vezes o aces-
so a munições no País. Ao Es-
tadão, Moro revelou que não
se opôs ao presidente para
não abrir um novo “flanco”
de conflito no momento em
que tentava evitar a troca no
comando da Polícia Federal,
o que ele considera que daria
margem para uma interferên-
cia indevida no órgão.
“A portaria elaborada no MD
(Ministério da Defesa) foi assina-
da por conta da pressão do PR
(Presidente da República) e na-
quele momento eu não pode-
ria abrir outro flanco de confli-
to com o PR”, disse o ex-minis-
tro. Moro falou com o Estadão
após o jornal revelar, no domin-
go, que a portaria do governo
que permitiu o aumento na ven-
da de munições foi fundamen-
tada em parecer de três linhas
assinado pelo general Eugênio
Pacelli, dias após ele ter sido
exonerado da Diretoria de Fis-
calização de Produtos Contro-
lados.
Após a publicação da norma,
o número de munição permiti-
da por registro de arma de fogo
passou de 200 para 600. No
País, 379.471 armas estão nas
mãos da população, segundo a
Polícia Federal. Dessa forma, o
novo decreto pode possibilitar
a compra de 227.682.600 balas
(600 munições por arma).
A pressão de Bolsonaro para
armar a população e aprovar a
portaria ficou evidente com a
divulgação da reunião ministe-
rial do dia 22 de abril. O vídeo,
que veio à tona na última sexta-
feira por determinação do Su-
premo Tribunal Federal (STF),
mostra Bolsonaro determinan-
do a Moro e ao ministro da Defe-


sa, Fernando Azevedo, que pro-
videnciem a portaria. A norma
foi publicada no dia seguinte
no Diário Oficial da União.

“Peço ao Fernando e ao Mo-
ro que, por favor, assinem essa
portaria hoje que eu quero dar
um puta de um recado pra es-

ses bosta! Por que eu tô arman-
do o povo? Porque eu não que-
ro uma ditadura! E não dá para
segurar mais! Não é? Não dá

pra segurar mais”, disse Bolso-
naro, na frente dos outros mi-
nistros.
O presidente desferia xinga-
mentos a governadores e prefei-
tos, que, na visão dele, se apro-
veitam da população desarma-
da para impor medidas que con-
sidera “ditatoriais”, como o iso-
lamento durante a pandemia
do novo coronavírus.
Em entrevista ao Fantástico,
da TV Globo, o ex-ministro co-
mentou sobre o assunto. Moro
justificou por que não questio-
nou a ordem de Bolsonaro:
“Não há espaço ali dentro das
reuniões – me pareceu muito
claro –, não existe um espaço ali
para o contraditório”. E confir-
mou que assinou a portaria devi-
do à pressão do presidente e
não por estar de acordo com ela
ou haver elementos técnicos pa-
ra justificá-la.

E-mail. Como revelou o Esta-
dão, o parecer do general Pacel-
li foi enviado à assessoria jurídi-
ca do Ministério da Defesa às
22h18 de 15 de abril, por um e-
mail particular. A exoneração
dele saiu no DOU dia 30 de mar-
ço, mesmo dia em que seu subs-
tituto foi nomeado.
Após a divulgação da reporta-
gem, anteontem, o Ministério
da Defesa encaminhou nota pa-
ra afirmar que Pacelli “estava
em pleno exercício legal do seu
cargo ao assinar os documen-
tos”. Segundo o ministério,
uma regra expressa do art. 22 da
Lei 6.880/80 permite que o mili-
tar possa assinar atos mesmo já
exonerado e com um substituto
nomeado em seu lugar.
Especialistas em direito admi-
nistrativo ouvidos pelo Esta-
dão consideraram “grave” e
possível “fraude” a decisão do
Ministério da Defesa de utilizar
um parecer de um general exo-
nerado e sem função numa por-
taria para aumentar o limite de
compra de munições.

Ex-ministro


cobra apuração


sobre assinatura


lO presidente Jair Bolsonaro
comentou uma notícia falsa on-
tem ao dar “parabéns” à Polícia
Militar de São Paulo por, suposta-
mente, ter saudado manifestan-
tes que faziam ato a favor do seu
governo na Avenida Paulista no
domingo. O governo paulista in-

formou que os policiais estavam,
na verdade, prestando homena-
gem ao soldado Lucas Alexandre
Leite, de 25 anos, morto no fim
de semana, durante o serviço.
Nas redes sociais bolsonaris-
tas, vídeos de policiais militares
batendo continência, enquanto
as sirenes de suas viaturas estão
ligadas, foram compartilhados
como sinal de deferência aos ma-
nifestantes. Um dos filhos do pre-
sidente, o deputado Eduardo Bol-
sonaro (PSL-SP), divulgou a gra-

vação. No vídeo, enquanto os mili-
tares fazem a homenagem, os
apoiadores de Bolsonaro os
aplaudem. “Eu vi o vídeo. PM de
São Paulo, parabéns para vocês.
Ordem absurda não se cumpre”,
disse Bolsonaro.
A homenagem, chamada de
“minuto de sirene”, consiste em
parar toda a tropa do Estado que
não esteja em serviço de emer-
gência na hora do sepultamento
de um policial morto em serviço.
/ MARLLA SABINO e MARCELO GODOY

lElementos

Relatório da PF indicou vazamento da Furna da Onça


Ex-ministro afirma que não se opôs a assinar portaria que aumentou acesso a armas no País para evitar novo conflito com presidente


Paulo Roberto Netto

A defesa do ex-ministro Sérgio
Moro cobrou ontem investiga-
ção sobre “circunstâncias anor-
mais” envolvendo o decreto de
24 de abril que exonerou Maurí-
cio Valeixo da direção-geral da
Polícia Federal (PF). A Secreta-
ria-Geral da Presidência admi-
tiu à PF, em ofício, que a assina-
tura de Moro foi inserida no do-
cumento, mas disse se tratar de
“procedimento técnico”. O ex-
ministro alega que não foi con-
sultado sobre a exoneração.
No documento, o governo
afirma que a praxe é publicar de-
cretos de exoneração com a “in-
clusão da referenda do ministro
ou ministros que tenham rela-
ção com o ato”. “Após a publica-
ção em Diário Oficial, quando
for o caso, é que haverá a colhei-
ta da assinatura da referenda no
documento físico”, informou a
Secretaria-Geral à PF.
O decreto com a exoneração
de Valeixo foi posteriormente
republicado, sem a assinatura
de Moro, e com a justificativa
de que foi registrada uma “in-
correção”. “A defesa do ex-Mi-
nistro Sérgio Moro informa que
não houve coleta de assinaturas
físicas nem eletrônicas”, afir-
mou o advogado Rodrigo Sán-
chez Rios, por nota. “É preciso,
portanto, a apuração das cir-
cunstâncias anormais envolvi-
das na publicação oficial.”
Em depoimento à PF, Moro
disse que decretos relaciona-
dos à exoneração de servidores
“sempre eram assinados previa-
mente” pelo sistema eletrônico
do governo.

Ao comentar fake


news, presidente


dá ‘parabéns’ a PM


FOTOS GABRIELA BILO/ESTADÃO

Alvorada. Claque bolsonarista, ontem, em frente a residência presidencial: agressões verbais rotineiras e mais contundentes

ESTEFAN RADOVICZ/AGÊNCIA O DIA–8/11/

Documento diz que


suposto informante por


ser integrante de órgão de


investigação, como o MPF,


a Justiça ou a própria PF


“É importante destacar
os fortes elementos que
apontaram o vazamento
de informações da presente
investigação.”
TRECHO DO RELATÓRIO FINAL
PRELIMINAR DA FURNA DA ONÇA

Rio. Policiais conduzem presa na operação Furna da Onça

DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–13/4/

Bolsonaro fez pressão por norma, diz Moro


Ordem. Em reunião, Bolsonaro pediu a Moro e a Azevedo e Silva (Defesa) assinatura da norma
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