O Estado de São Paulo (2020-05-27)

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O ESTADO DE S. PAULO QUARTA-FEIRA, 27 DE MAIO DE 2020 A


Internacional

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


PEQUIM


As autoridades de Wuhan, na
China, onde o primeiro caso de
covid-19 foi detectado no final
do ano passado, iniciaram há


duas semanas um amplo e ambi-
cioso programa de testes para a
doença. Até agora, 6,5 milhões,
de um total de 11 milhões de ha-
bitantes, passaram por exames.
O trabalho envolve equipes
médicas que rastreiam obras e
mercados em busca de trabalha-
dores itinerantes, ao passo que
outras telefonam para casas pa-
ra localizar moradores mais ido-
sos e pessoas com deficiência.
Além disso, anúncios por meio
de alto-falantes insistem para

as pessoas se inscreverem para
o teste em seu próprio benefí-
cio.
“Nossa comunidade foi checa-
da em um dia”, disse Wang Yuan,
de 32 anos, uma moradora que
estava na fila diante da tenda ver-
melha próxima de sua casa e se
submeteu a um exame. Ela espe-
rava ter o resultado do teste den-
tro de dois a quatro dias.
A China se lançou em uma
campanha abrangendo uma ci-
dade inteira para evitar o ressur-

gimento da infecção a todo o
custo. E tem se saído bem de
acordo com moradores e notí-
cias em jornais chineses, mobili-
zando milhares de trabalhado-
res da área de saúde e gastando
centenas de milhões de dólares.
A iniciativa – que abrangeu
mais de 90% da cidade depois
de considerar as pessoas que fo-
ram testadas recentemente e
as crianças – confirmou que
Wuhan controlou o surto. On-
tem, somente 200 casos foram
detectados, a maioria de pes-
soas que não manifestavam ne-
nhum sintoma.
O governo de Wuhan estava
determinado a não deixar nin-
guém de fora. “Se você não parti-
cipar não poderá entrar nos su-

permercados ou bancos”, aler-
tou o anúncio no alto-falante.
“Seu código verde vai se tornar
amarelo, o que provocará incon-
venientes em sua vida.”
Herry Tu recusou-se durante
dias a se inscrever. “Nós somos
totalmente contrários a isso,
pois mesmo se você não foi in-

fectado, este teste significa con-
tato com a doença”, disse.
No fim, Tu acabou concor-
dando depois de a escola dos fi-
lhos informar que eles não re-
tornariam às aulas sem ter feito
o teste. “Na verdade, o governo
não está fazendo isso em benefí-
cio das pessoas, mas para o mun-
do lá fora ver”, afirmou, de-
monstrando irritação.
Yang Zhanqiu, virologista da
Universidade de Wuhan, disse
esperar que com a cidade intei-
ra testada, mais pessoas se senti-
rão tranquilas para sair de casa.
“Esta iniciativa vai reforçar a vi-
talidade da cidade e oferecer
uma base científica para a reto-
mada do trabalho.” / NYT,
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

WASHINGTON


Dentro dos prédios lotados do
complexo de casas populares
em Herndon, na Virgínia, onde
centenas de famílias latinas
compartilham apartamentos
destinados a uma pessoa, os
doentes estão se multiplicando.


Isabela Rivera foi a primeira
em sua casa a dar positivo para
o novo coronavírus. Incapaz de
se isolar completamente no
apartamento de três quartos
que ela e seu marido, Danilo,
compartilham com outras duas
famílias, os Riveras enviaram
seu filho de 7 anos para morar
com um amigo. Danilo dorme
no sofá, sem saber se está infec-
tado. As outras famílias se abri-
garam em seus quartos, espe-
rando que uma porta fechada
os proteja do vírus letal e alta-
mente contagioso.
Os latinos, que hoje são cerca

de 10% da população de Mary-
land e da Virgínia, representam
em torno de um terço dos casos
de coronavírus na região.
A disparidade não é exclusiva
da área da capital. Os latinos jo-
vens e idosos estão contraindo
o vírus a taxas altas em lugares
como Nova York, Chicago e Los
Angeles, embora a mortalidade
para a comunidade seja signifi-
cativamente menor que a dos
negros.
Os especialistas citam muitas
explicações: os latinos são uma
presença dominante nos empre-
gos na indústria de serviços, sen-

do impossível para eles aderir ao
bloqueio total e ficar em casa.
Fora do trabalho, evitar o vírus
pode ser quase impossível, seja
porque as famílias latinas têm
maior probabilidade de viver
em lares com várias gerações, ou
porque muitos latinos moram
com vários colegas de quarto.
“Há muito medo”, disse Yuk-
mila Soriano, médico de atendi-
mento primário no Virginia
Hospital Center, no Condado
de Arlington, onde a maioria
dos 100 pacientes testados por
dia é latina. “Estamos pedindo a
todos que fiquem em casa, mas
a ideia de ficar em casa é muito
diferente, dependendo de
quem você é e qual é o seu papel
na sociedade.” / W.POST

lBaixo contágio

Em Wuhan, governo já testou


6,5 milhões em duas semanas


Comunidade latina dos EUA é uma das mais afetadas


GENEBRA


À medida em que países de di-
ferentes regiões do planeta
reabrem as atividades econô-
micas, a Organização Mun-
dial da Saúde (OMS) alertou
ontem para o risco de uma
possível segunda onda de con-
tágios pelo novo coronavírus
e recomendou cautela nessa
fase de transição. A agência
da ONU lembrou que, en-
quanto muitos países regis-
tram o declínio de casos, ou-
tros, como na América Lati-
na, estão em plena pandemia.
“Precisamos estar cientes do
fato de que a doença pode au-
mentar a qualquer momento,
não podemos fazer suposições
de que apenas porque está em
declínio ela continuará em de-
clínio”, alertou o diretor do pro-
grama de emergências da OMS,
Mike Ryan. “Ainda temos al-
guns meses para nos preparar
para uma segunda onda. Ainda
continuamos em uma fase em
que a doença, na realidade, está
em alta”, disse Ryan.
Os casos confirmados em to-
do o mundo superaram ontem
5,5 milhões, de acordo com um
levantamento em tempo real
da Universidade Johns
Hopkins. O total de mortos é de
346.700, mas as estatísticas pro-
vavelmente são mais altas em
razão de diferentes definições e
taxas de teste, atrasos e suspei-
tas de subnotificação.
A epidemiologista Maria Van
Kerkhove, líder da resposta da
OMS à pandemia, destacou que
uma característica do coronaví-
rus é sua capacidade de se disse-
minar em determinadas situa-
ções e eventos de “super propa-
gação”. “E estamos vendo em
várias situações nessas configu-
rações fechadas. Quando o ví-
rus tem uma oportunidade, ele
pode se transmitir rapidamen-


te.” No fim de semana, a im-
prensa alemã divulgou que
mais de 40 pessoas foram conta-
minadas em uma missa na cida-
de de Frankfurt. “O que deve-
mos fazer é nos prepararmos pa-
ra o possível ressurgimento do
vírus. Devemos fortalecer a es-
trutura de cada país em testes,
rastreamento da doença, isola-
mento dos casos confirmados e
capacidade hospitalar”, afir-
mou. Ela acrescentou que não
se pode considerar que o vírus é
menos ativo em épocas mais
quentes. “Ele continua aí, sem
se importar com a temperatu-
ra.”

Ainda não se sabe como o ví-
rus vai desenvolver ao longo do
tempo, mas Ryan disse há duas
semanas que ele poderia nunca
ir embora. “Esse vírus pode se
tornar um vírus endêmico nas
nossas comunidades. Pode nun-
ca ir embora. O HIV nunca foi
embora”, afirmou Ryan. “Não
estou comparando as duas
doenças, mas acho que é impor-
tante ser realista: ninguém po-
de prever quando ou se essa
doença vai desaparecer.”
Algumas das perguntas sem
respostas de Ryan são as possí-
veis mutações que o tornem
mais ou menos letal, o tempo

de imunidade de uma pessoa
que se recuperou e o período
necessário para produzir uma
vacina.
Um vírus endêmico é aquele
em que as populações de uma
determinada região precisam
conviver com ele e que também
se manifesta ao longo do tem-
po. No Brasil, são doenças endê-
micas a malária, a dengue e a
febre amarela, por exemplo.
Em entrevista ao Estadão na
segunda-feira, a cientista-che-
fe e diretora executiva da OMS,
Soumya Swaminathan, afir-
mou que o cenário mais plausí-
vel pode envolver “ondas epidê-

micas recorrentes”, intercala-
das com períodos de transmis-
são de baixo nível.
“Os países que estão assumin-
do o controle de seus riscos en-
quanto saem dos bloqueios se
sairão melhor e poderão evitar
grandes segundas ondas se pu-
derem interromper a transmis-
são através de um forte sistema
de saúde pública capaz de detec-
tar casos precocemente e uma
população em alerta”, disse.
Ainda que faltem informa-
ções precisas sobre a época, es-
pecialistas consideram que a
pandemia da gripe espanhola,
ocorrida há cerca de um século,

teve pelo menos três grandes
ondas. O surto de H1N1 tam-
bém teve duas ondas.
No fim de semana, os france-
ses decidiram permitir a realiza-
ção de cerimônias religiosas
em todo o país. A Itália reabriu
academias e ginásios nesta se-
mana, mas o governo italiano
iniciará recrutamento de 60
mil voluntários para monitorar
a conformidade de suas medi-
das de segurança. Na Espanha,
as duas cidades mais afetadas
pela pandemia – Madri e Barce-
lona – começaram a reduzir as
restrições nesta semana. / AFP,
W. POST e NYT

Casos passam de 5,5 milhões e OMS


alerta para risco de 2ª onda de contágios


200
casos do novo coronavírus foram
detectados em Wuhan, cidade
onde ocorreu o primeiro contá-
gio, durante a testagem em mas-
sa. A maioria dos novos infecta-
dos não tinha sintomas

Na cidade chinesa, onde


houve o primeiro caso de


covid-19, a ideia é que


todos os 11 milhões de


habitantes façam exames


RUTH FREMSON/THE NEW YORK TIMES-1/5/

Contágio. Operário latino com covid em casa com a família

Imigrantes da América


Latina trabalham


na indústria de serviços


e dividem apartamentos


com outras famílias


Agência da ONU faz advertência em meio ao levantamento de restrições da quarentena em várias cidades do mundo; diretor do órgão


destaca que o novo coronavírus está latente, pode se tornar endêmico e lembra que alguns países ainda estão em plena pandemia


FABIO FRUSTACI/EFE

Precaução. Cartaz em restaurante de Roma com o personagem Hannibal Lecter avisa os clientes que só vai reabrir quando a pandemia estiver controlada
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