O Estado de São Paulo (2020-05-27)

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A12 QUARTA-FEIRA, 27 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Senado aprova


cessão de leito


privado ao SUS


Bruno Ribeiro
Pedro Venceslau


Os planos regionais para rea-
bertura econômica do Esta-
do de São Paulo, que serão
apresentados hoje, preveem
retomada escalonada das ati-
vidades, conforme o risco de
cada setor, em um processo
que levará até oito semanas
para ser finalizado, no me-
lhor cenário, e que depende-
rá do aval de autoridades de
saúde do Estado. Na capital,
Prefeitura e governo negocia-
ram flexibilização nas regras
que irão permitir o início da
reabertura. Mas a flexibiliza-
ção a partir do dia 1.º ainda
não é garantida, porque de-
penderá de “gatilhos” defini-
dos pelo centro de combate à
covid do governo estadual.
No início do mês, o governo
estadual previa regras que auto-
rizariam a reabertura em cida-
des que atingissem três índices:
duas semanas de queda de no-
vos casos, taxa de isolamento
social acima de 55% e ocupação
de leitos de UTI inferior a 60%.
Agora, a gestão João Doria
(PSDB) levará em conta esses
fatores, mas vai flexibilizar o ce-
nário mínimo para reabertura.
A capital, por exemplo, não pre-
cisará seguir os três critérios pa-
ra iniciar a retomada, após nego-
ciação com o governo paulista.
A gestão Bruno Covas
(PSDB), que há duas semanas
cogitou até lockdown (blo-
queio total), agora avalia ter
condições de permitir alguma
abertura, mas não se enquadra
em ao menos parte dos requisi-
tos: a taxa de isolamento de an-
teontem, feriado, foi de 53%, e a
ocupação das UTIs é de 88%.
Apesar disso, técnicos da Pre-
feitura avaliam ser possível con-
siderar que não haverá falta de
UTIs até o fim da epidemia, le-
vando em conta que devem re-
ceber mais 300 respiradores es-
ta semana e ainda há leitos da
rede privada que poderão ser
usados, em um esquema de alu-
guel definido há três semanas.
A questão dos leitos é um dos
pontos da flexibilização: para a
gestão Covas, não seria possível
manter 40% dos leitos de UTIs
vagos. A Prefeitura paga diária
de R$ 2.100 por leito que usa da


rede privada, o que significa gas-
to diário de quase R$ 500 mil.
Assim, se o leito fica vazio, sai
da soma do total, fazendo o por-
centual de ocupação subir.
Em reuniões desde sábado, o
governo Doria decidiu que have-
rá critérios diferentes. Um de-
les é usar outros parâmetros, co-
mo uso do transporte público,
para avaliar o isolamento – a co-
bertura da rede de telefonia
tem falhas em algumas regiões.

Interior. Ao longo das últimas
semanas, prefeituras do inte-
rior têm negociado com o gover-
no planos regionais de abertu-
ra, que serão detalhados hoje.
Em linhas gerais, são tabelas
em que cada atividade econômi-
ca tem um calendário de reaber-
tura, que vai variar de acordo
com uma “nota” que a região ob-
tiver seguindo os três critérios
originais de reabertura.
Os planos têm quatro fases,
vermelha, laranja, amarela e ver-
de, em que a primeira é a restri-
ção atual e a verde é a liberação.
No Vale do Ribeira e no Lito-
ral Norte, por exemplo, acade-
mias e casas noturnas só pode-
rão abrir mediante adoção de
novos protocolos e, na primeira
fase, bares e restaurantes só po-
derão voltar a operar nas duas
primeiras semanas com 30% da
capacidade, o que vai se elevan-
do a cada duas semanas. Tem-
plos e igrejas terão de ter uma

pessoa a cada cinco metros qua-
drados.
Na região de Bauru, o comér-
cio será primeiro autorizado a
funcionar em esquemas como
drive-in e, depois, os locais po-
derão atender clientes respei-
tando uma ocupação de 10%
dos espaços das lojas. Já na re-
gião de Araçatuba, o plano local
vai determinar que empresas fa-
çam acompanhamento da saú-
de dos funcionários, incluindo
a medição da temperatura, para
isolar pessoas que possam estar
com sintomas da covid-19.
Todos os planos, por sua vez,
terão os gatilhos para início defi-
nidos pelo Centro de Contin-
gência do Coronavírus, e o ór-
gão estadual já declarou que o
momento atual é de crescimen-
to, não de redução de casos no
interior do Estado. Desta for-
ma, não há garantias ainda de
que nenhum dos projetos terá
início na semana que vem.

Marlla Sabino / BRASÍLIA

O Senado aprovou por unanimi-
dade ontem o projeto de lei que
permite que o Sistema Único de
Saúde (SUS) utilize leitos de
Unidades de Terapia Intensiva
(UTI) em hospitais privados no
caso de pacientes com síndro-
me respiratória aguda grave ou
com suspeita ou diagnóstico de
covid-19. O texto segue para a
análise da Câmara.
De autoria do senador Rogé-
rio Carvalho (PT-SE), a propos-
ta foi relatada pelo senador
Humberto Costa (PT-PE). Em
seu parecer, o parlamentar esta-
beleceu os critérios para que os
leitos possam ser usados.
O governo deverá, inicialmen-
te, abrir um chamamento públi-
co para contratação emergen-
cial dos leitos. Os gestores te-
rão de apresentar, no mínimo,
quantidade, prazo de utilização

dos leitos e valores de referên-
cia. Em última instância, ficará
permitido o uso compulsório.
Nesses casos, os leitos priva-
dos de UTI deverão ser os que já
estavam destinados para pa-
cientes com covid-19. Também
só poderão ser usadas vagas em
hospitais com taxa de ocupação
inferior a 85%. Para controle, os
hospitais, públicos e privados,
deverão informar a quantidade
de leitos e ventiladores pulmo-
nares livres e ocupados.
O texto determina ainda que
a administração pública pagará
“justa indenização” pela utiliza-
ção das vagas. O valor será deter-
minado com base nos valores
de ato do Ministério da Saúde
ou definido pelo colegiado da
Comissão Intergestora Biparti-
te (CIB).
O uso de leitos da rede priva-
da é defendido por especialis-
tas como uma alternativa para
evitar o colapso do sistema pú-
blico de saúde. Estudo da Fun-
dação Getúlio Vargas (FGV) es-
tima que a chamada “fila única”
para UTIs públicas e privadas
evitaria até 14,7 mil mortes pelo
coronavírus em todo o País.

Menos de 0,5%


da população do


País foi testada


Guilherme Amaro


Especialistas ouvidos pelo Esta-
dão dizem que pode ser cedo
para iniciar a flexibilização em
São Paulo. Isso porque a curva
do número de casos e mortes
por coronavírus ainda é ascen-
dente e uma pessoa infectada
pode transmitir a covid- 1 9 para
outras três. O ideal, segundo os
especialistas, seria flexibilizar a
quarentena com a curva descen-
dente e com a taxa de contágio
em torno de 1.
“Não acredito que já esteja-
mos prontos. Não só São Paulo,
mas o Brasil todo. Não está na


hora de flexibilizar o isolamen-
to. Não temos nenhum indicati-
vo de que estejamos no pico de
infecção. Temos a vantagem de
olhar para trás e ver o que fun-
cionou e o que não funcionou
em outros países. O principal
critério que vem dando certo é
flexibilizar no declínio da cur-
va. Os países europeus começa-
ram a flexibilizar agora e estão
mais ou menos um mês na nos-
sa frente”, afirmou o presiden-
te do comitê científico da Socie-
dade Brasileira de Imunologia,
João Viola.
O epidemiologista Airton
Stein, professor titular de saú-
de coletiva da Universidade Fe-
deral de Ciências da Saúde de
Porto Alegre (UFCSPA), lem-
bra que é preciso definir estraté-
gias para flexibilizar a quarente-
na. “Não tem solução mágica,
as medidas de isolamento so-
cial são necessárias. Hoje a taxa

de transmissão é muito alta, e
as restrições só deveriam ser
afrouxadas com a taxa em torno
de 1. É preciso testar para detec-
tar os casos precocemente. O
problema é fazer a flexibiliza-
ção sem essas estratégias.”
A nova quarentena em São
Paulo será “heterogênea”, com
regras diferentes para as distin-
tas regiões. Interior e litoral de-
vem ter as medidas afrouxadas

mais brevemente – na capital e
região metropolitana as restri-
ções devem permanecer por
mais tempo. Para Elize Mas-
sard da Fonseca, coordenadora
de projeto que analisa as medi-
das de enfrentamento ao coro-
navírus, a estratégia de dividir o
Estado pode não funcionar.
“Não adianta se não houver
controle na circulação das pes-
soas. Acho importante enten-
der quais evidências o governo
teve para adotar as novas medi-
das, não acredito que tomariam
uma decisão sem informação.
Mas pelo histórico temos visto
que essas decisões não têm sido
bem planejadas, como as medi-
das do rodízio e do bloqueio de
vias que duraram uma semana.
Esperamos que desta vez tenha
alguma evidência que embase
as novas medidas”, disse.
O professor Sérgio Roberto
de Lucca, da área de saúde do
trabalhador do departamento
de saúde Coletiva da Unicamp,
alerta para o baixo número de
testes de coronavírus. “Esta-
mos trabalhando no escuro, fal-
tam dados do que realmente es-
tá acontecendo.”

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lEscalada

Cidade de SP negocia regra especial


para reabrir; interior volta em 4 fases


Gestão Covas avalia ter condições de permitir algum tipo de abertura comercial, mas capital ainda tem índice de isolamento abaixo dos


55% e ocupação alta das UTIs. Prefeitos do interior discutem planos regionais com etapas, em processo que pode levar até 8 semanas


Julia Lindner / BRASÍLIA

Três meses após o primeiro ca-
so de coronavírus no País, cerca
de 900 mil brasileiros foram tes-
tados até o momento para diag-
nóstico da doença, segundo da-
dos do Ministério da Saúde. Do
total de 871,8 mil exames reali-
zados na rede pública e nos cin-
co maiores hospitais da rede pri-
vada, 235,8 mil deram resultado
positivo. O número representa
menos de 0,5% da população.
O secretário substituto de Vi-
gilância Sanitária em Saúde do
Ministério da Saúde, Eduardo
Macário, que apresentou os da-

dos em entrevista coletiva on-
tem, admitiu que o Brasil “não
testa na quantidade ideal ou ne-
cessária para a sua magnitude”,
mas o resultado atual ainda é
“muito melhor do que em me-
ses anteriores”. “É importante
que os testes sejam feitos e uma
ação seja desencadeada.”
Segundo Macário, os dados
da Saúde ainda não incluem to-
dos os hospitais particulares, e
sim as cinco maiores redes. A
pasta está em fase de conclusão
de uma rede nacional de dados
para a saúde, que vai integrar
todas as informações laborato-
riais da rede pública e privada.
Ele disse, ainda, que o Minis-
tério da Saúde pretende am-
pliar o número de pessoas testa-
das e implementar uma ação de
monitoramento de contatos pa-
ra aqueles com suspeita ou diag-
nóstico de covid-19.

lDistanciamento

Brasil já é o 1º no mundo em registro diário de mortes. Pág. A13 }


86.
É o número total de casos confir-
mados de coronavírus até ontem
no Estado de São Paulo – o que
representa 2.392 a mais do que
no dia anterior. O Estado já regis-
tra mais casos do que a China
(84.102). O número de registros
vem aumentando no interior.

WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Movimento. Ciclistas e pedestres no Viaduto do Chá, no centro de São Paulo: a taxa de isolamento social ficou em 53% na segunda-feira, feriado na capital

Metrópole

Ideal seria reabrir


economia somente


quando curva de mortos


e infectados estiver


descendente, alertam


Iniciar flexibilização agora pode


ser prematuro, dizem especialistas


“Não tem solução mágica,
as medidas de isolamento
social são necessárias. Hoje
a taxa de transmissão é
muito alta, e as restrições
só deveriam ser afrouxadas
com a taxa em torno de 1.”
Airton Stein
PROFESSOR TITULAR DE SAÚDE
COLETIVA DA UFCSPA
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