O Estado de São Paulo (2020-05-27)

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A14 Metrópole QUARTA-FEIRA, 27 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


SÉRGIO


CIMERMAN


Fortaleza tem dificuldade


de fazer cumprir bloqueio


Lôrrane Mendonça
ESPECIAL PARA O ESTADO
FORTALEZA

Mesmo com a crise no sistema
de saúde por causa do novo coro-
navírus, Fortaleza ainda encon-
tra dificuldades para fazer cum-
prir o lockdown (bloqueio total),
medida adotada pelo governa-
dor Camilo Santana (PT) no dia
7 de maio.
De acordo com a Secretaria
de Segurança Pública, só em
Fortaleza, desde o início da de-
terminação de isolamento so-
cial rígido até a manhã de segun-
da-feira, órgãos de segurança,
trânsito e fiscalização estaduais
e municipais atenderam 2.
ocorrências.
Foram 1.766 chamados aten-
didos por aglomeração de pes-
soas, 702 referentes a comér-
cios abertos, e 165 ocorrências
por descumprimento do uso da
máscara de proteção, que é obri-

gatório. A pasta informa que
169.383 veículos foram aborda-
dos nas barreiras nas entradas e
saídas de Fortaleza.
O Ceará vem registrando au-
mento do número de casos da
covid-19 e é um dos Estados
com mais infecções e mortes.
Até ontem, haviam sido registra-
dos 2.603 óbitos.
Em 20 de maio, a aposentada
Rosa Carlos de Araújo, de 83
anos, deu entrada no Hospital
Gonzaguinha de Maranguape,
na Região Metropolitana de For-
taleza, com dores na barriga por
causa de uma hérnia. No dia se-
guinte, ela precisou de oxigênio
e, sem melhoras, passou a fazer
o tratamento recomendado pa-
ra o novo coronavírus. Mesmo

com muita falta de ar e a necessi-
dade de ser entubada, dois tes-
tes rápidos deram negativo pa-
ra covid-19. Mas a aposentada
precisava ir para uma Unidade
de Terapia Intensiva (UTI).
A neta, Ingrid Araújo da Silva,
relata a dificuldade que enfren-
tou. “Só ouvia falar que não ti-
nha vaga para a minha avó. Cor-
ri para pedir ajuda nas redes so-
ciais, porque eu não sabia mais
o que fazer. Até que apareceu
um anjo, advogado, que pediu a
liminar para conseguir a vaga de
UTI e só assim conseguimos”,
lembrou a neta, de 26 anos. “Às
3 horas da madrugada de hoje
(segunda-feira), solicitaram
uma ambulância com UTI para
transferir minha avó, mas ela
não resistiu. O pior é que até
agora esse Samu não chegou. A
funerária vai chegar antes da
ambulância.”
No Ceará, os hospitais públi-
cos estão com uma média de
87,83% de ocupação dos leitos
de UTI – 91% por adultos. Nas
enfermarias, há 71,75% dos lei-
tos ocupados. Na rede privada
de saúde, a situação é ainda
mais grave: 93,7% das UTIs e
86,43% das enfermarias estão
sem vagas.
O Estadão questionou a Se-
cretaria de Saúde do Estado so-
bre a quantidade de pacientes
que está à espera de uma vaga
para internação em UTIs, mas
não obteve retorno.

Mortes por síndrome


respiratória têm alta


de 649% em Minas


Wilson Tosta / RIO


Um levantamento feito pela
ONG Redes da Maré aponta
indícios de subnotificação de
infecções e mortes pelo novo
coronavírus na comunidade
da zona norte carioca, onde
vivem mais de 140 mil pes-
soas. Segundo a organização,
até 18 de maio foram registra-
dos na região 193% mais doen-
tes e 65% mais óbitos do que a
contagem da prefeitura. A Se-
cretaria Municipal de Saúde
afirma desconhecer a meto-
dologia do trabalho.
Os números da Redes refor-
çam a suspeita de que nas áreas
mais pobres do Rio a doença tem
dinâmica peculiar. Impulsiona-
da por más condições sanitárias
e pela descrença da população, o
vírus pode ter avançado mais do
que se supõe oficialmente. “Não
há testagem”, disse Eliana Sousa,
diretora e fundadora da ONG.
“Pode ser que algumas pes-
soas estejam morrendo e o diag-
nóstico não seja conclusivo. Mui-
tas mostram (o atestado de óbito e
dizem): ‘Olha, não está dito que
foi covid, porque não houve testa-
gem, mas está dizendo que a pes-


soa morreu por complicação res-
piratória.’”
Segundo dados oficiais, na Ma-
ré, até a segunda-feira da semana
passada, havia 89 infectados e 23
mortos. A Redes contrapôs a con-
tagem que apurou até então no
bairro: 261 infectados e 38 mor-
tos. Nos dois casos, considerou
tanto confirmados por testagem
como casos suspeitos. O levanta-
mento apontou que 47% dos óbi-
tos estavam sob investigação, e
80% dos pacientes com sinto-
mas não foram testados. Os da-
dos foram compilados a partir de
informações passadas pelas re-
des sociais e checadas por equi-
pes da ONG, que foram às casas
de moradores com sintomas. “Al-
guns moradores que também
apresentaram sintomas sequer
buscaram atendimento, pois fo-
ram orientados a ficar em isola-
mento em caso de sintomas le-
ves”, indica boletim da Redes.
Moradora da comunidade
Marcílio Dias, uma das 16 da Ma-
ré, Valdineide Bernardo foi uma
das pacientes sintomáticas que
buscou ajuda médica e recebeu
orientação para voltar para casa.
Ela contou que a filha Gabriela,
grávida e com 17 anos, teve tosse

por três dias. Depois, quem come-
çou a tossir foi Valdineide, diabé-
tica. Vieram febre, dor de gargan-
ta. Ela foi ao Centro Municipal de
Saúde João Cândido, onde a
médica receitou um antibiótico.
Não houve encaminhamento pa-
ra exame. Na pequena casa, o pai
de Valdineide também adoeceu.
“Aqui é um cubículo: um quar-
to, uma sala, um banheiro. En-

tão, provavelmente deve ser (co-
vid-19). E não mandaram fazer o
teste”, queixou-se. Ela recla-
mou que levou o pai, idoso e dia-
bético, que tinha sintomas, três
vezes para ser examinado. Mas
disseram que ele estava bem,
sem nada na garganta. “E meu
pai piorando.” Sem ambulância,
levou-o em um carro de aplicati-
vo ao Hospital Getúlio Vargas,

onde foi internado e aguarda re-
sultado do teste.
Eliana diz que orientações so-
bre a covid-19 – como ficar em
casa se sintomas forem leves –
foram inadequadas para mora-
dores de comunidades. Ela tam-
bém reclamou do que chamou
de “sucateamento” das unida-
des de saúde e da falta de recur-
sos. “Não tem oxímetro (apare-

lho que mede oxigenação) nas
Clínicas da Família.” Erros de
endereço – a Maré é bairro des-
de 1994 – também estariam en-
gordando números dos vizi-
nhos Bonsucesso e Ramos.

Oficiais. A Secretaria Munici-
pal de Saúde ressaltou que “os
dados que divulga são de casos
confirmados por exames labo-
ratoriais”. Também informou
que o registro por bairros consi-
dera a notificação com o endere-
ço informado pelo paciente. A
pasta ainda negou sucateamen-
to das unidades de atenção pri-
mária nas comunidades do Rio.
A secretaria afirmou que pa-
cientes internados com suspei-
ta de Síndrome Respiratória
Aguda Grave “são testados logo
nas primeiras 24 horas da inter-
nação ou até antes”.

Q


uarentena é uma das ferra-
mentas mais antigas e efica-
zes para combater doenças
transmissíveis, como apon-
tam os doutores Smith e Freedman,
em análise feita em março de 2020
em uma publicação médica, o Jour-
nal Travel Medicine. Esta prática foi
iniciada no século 14 pelos italianos
quando os navios chegavam no por-
to de Veneza vindo de locais infecta-
dos e, assim, ficavam 40 dias ancora-
dos até restarem os sobreviventes.
Esta metodologia tem por defini-
ção a restrição de movimento de pes-
soas que se presume terem sido ex-
postas a uma doença contagiosa,
mas não estão doentes, porque não
foram infectadas ou ainda estão no
período de incubação. Os países em
que a quarentena foi implementada
reduziram o número exacerbado de
casos e viveram situações mais con-
fortáveis.
Para mostrar a melhor maneira
de sairmos do aumento da curva de

casos é preciso se basear em evidên-
cias cientificas sérias. A Cochrane, ór-
gão internacional que tem como mis-
são elaborar, manter e divulgar revi-
sões sistemáticas de ensaios clínicos
randomizados, o melhor nível de evi-
dência para as decisões em saúde, nos
revela em abril um artigo que inclui 29
estudos que apontam o que a maioria
de médicos, órgãos de classe, socieda-
des científicas e governantes sérios
têm dissertado: a quarentena é mais
efetiva e tem menor custo quando ini-
ciada cedo.
A questão econômica que envolve a
quarentena é um obstáculo na imple-
mentação mais efetiva e todos somos
sabedores desta situação. Uma nação
para prosperar e seguir de modo linear
precisa apresentar recursos financei-
ros e giro de capital. A falta de dinheiro
para colocar alimento na boca da famí-
lia, em famílias carentes, faz com que
esta quarentena seja falseada, o que
traz impacto negativo sobre o pico da
curva de novos casos e uma maior pos-

sibilidade de óbitos em países em de-
senvolvimento, em especial no Brasil.
O diretor-geral da Organização Mun-
dial de saúde (OMS), Tedros Adha-
nom, em uma de suas falas à imprensa,
comenta que a curva cresce rápido,
mas diminui muito mais devagar.
Quer dizer que um deslize durante
uma semana pode ser nocivo e perpe-
tuar o impacto que causará. Afrouxar o
processo pode refletir no colapso da
rede hospitalar, sobretudo na área pú-
blica, onde já se nota lotação nas unida-
des de terapia intensiva beirando os
100% nas principais localidades.

Outro ponto de destaque na quaren-
tena nestes mais de 60 dias de confina-
mento é o aumento de casos de obesi-
dade tanto na população adulta quan-
to pediátrica. As pessoas não têm segui-
do regras alimentares, fazendo uso de
alimentos mais calóricos. Devemos
nos policiar para que o pós-pandemia
não apresente danos maiores. Nesta
mesma linha de pensamento, a inges-
tão de bebida alcoólica apresentou in-
cremento considerável como muitos
médicos têm visto, e vêm sendo feitos
alertas à população para que não se in-
tensifique este consumo.

A saúde mental também tem sido
um fator importantíssimo na quarente-
na. Um maior consumo de ansiolíticos
e até casos de suicídio têm ocorrido. A
depressão que já era a patologia do sé-
culo, com a pandemia, vem forte em
muitas famílias. Aqui se observa espe-
cialmente nos idosos que têm certa di-
ficuldade em aceitar este tipo de situa-
ção. Esta população de risco é a que
mais tem de estar em quarentena por
apresentar doenças preexistentes.
Para combater e amenizar a quaren-
tena é permitida a realização de exercí-
cios físicos, até porque muitas pessoas
por apresentarem riscos cardiovascu-
lares devem realizar esta atividade pe-
lo menos 30 minutos diariamente em
modo de caminhada. Isto é saudável e,
portanto, não é contraindicado. O que
não se permite em tempos de quarente-
na são aglomerações por razões óbvias
de contágio e transmissibilidade. As-
sim se a caminhada for feita em am-
biente aberto e seguindo o distancia-
mento de pelo menos dois metros está
aprovada. O problema é que as pessoas
querem sair acompanhadas para esta
atividade, ir a parques públicos, fican-
do, assim, inviável do ponto de vista de
pandemia. Outros esportes que sejam
praticados em ambientes abertos tam-
bém são encorajados tais como a corri-
da, ciclismo, golfe, dentre tantos ou-
tros. A prática de outras modalidades
esportivas neste momento não deve

ser permitida pelo contato físico. In-
felizmente a paixão nacional, o fute-
bol, deverá ainda demorar a retor-
nar – a reintegração poderá ser feita
quando os casos ficarem mais isola-
dos.
A população terá de se doar um
pouco mais para que possamos sair
desta pandemia com número me-
nor de óbitos e casos positivos. Uma
ação coordenada e bem estruturada
fará com que não sigamos o lock-
down (fechamento geral) aqui na ci-
dade de São Paulo. Nenhum gover-
nante gostaria de determinar tal
ato, mas, se for necessário, os espe-
cialistas recomendarão, obviamen-
te. Esta medida de contenção refle-
te situações ruins, que podem levar
a multas e prisões, gerando confli-
tos que não queremos.
Vamos todos fazer nossa parte,
nos policiando, saindo em necessi-
dades essenciais, com máscaras ca-
seiras para proteção, manter as me-
didas de lavagem adequada de mãos
e uso do álcool em gel a 70% e assim
vencer a covid-19, visto que não te-
mos ainda de perto uma vacina efi-
caz e segura. O melhor ainda é ficar
em casa e confiar nos médicos. Con-
tamos com todos.

]
EX-PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEI-
RA DE INFECTOLOGIA

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lAtenção tardia

Moradores do Complexo da Maré afirmam que falta testagem e que as condições de moradia não favorecem a redução dos contágios


Evidências da quarentena


lOcupação

Furtos e roubos caem no Estado de SP; homicídios aumentam. Pág. A15 }


Leonardo Augusto
ESPECIAL PARA O ESTADO
BELO HORIZONTE


Estudo feito pela Universidade
Federal de Uberlândia (UFU)
aponta uma elevada subnotifica-
ção de mortes pela covid-19 no
Estado de Minas Gerais. A pes-
quisa mostra ainda que o primei-
ro óbito pela doença em Minas
pode ter ocorrido no início de
março, e não no dia 30 daquele
mês, conforme diz o governo.
Os pesquisadores, em levan-
tamento que considerou regis-
tros de óbitos por Síndrome
Respiratória Aguda Grave (S-
RAG) de 2017 a 2020, afirmam
que, entre janeiro e abril deste
ano, em comparação com a mé-
dia dos anos anteriores, foi veri-
ficado aumento de 649% nas


mortes por doenças desse tipo,
ou seja, aquelas que apresen-
tam sintomas parecidos com os
da covid-19.
Conforme o trabalho, entre
janeiro e abril de 2020, 201 mor-
tes em Minas tiveram como cau-
sa na certidão de óbito a covid-


  1. No mesmo período, 539 pes-
    soas morreram de SRAGs. Na
    média dos anos de 2017 a 2019,
    foram registradas, segundo o es-
    tudo, 72 óbitos por SRAGs.
    Dados oficiais divulgados pe-
    lo Estado invariavelmente
    apontam Minas com resultados
    que poderiam ser considerados
    satisfatórios no enfrentamento
    à covid, sobretudo se considera-
    dos os vizinhos São Paulo e Rio.
    A explicação apresentada pelo
    governo é a rapidez na adoção
    de medidas como o isolamento
    social e sua aceitação pela popu-
    lação. Mas especialistas criti-
    cam também o baixo índice de
    testagem no Estado.
    Segundo o professor Stefan
    Vilges de Oliveira, um dos res-
    ponsáveis pelo estudo, o exces-
    so de casos de SRAGs começou


a ser notado a partir da semana
entre 1.º e 7 de março. “Fomos
atrás das séries históricas de me-
ses anteriores e, de fato, o que
observamos foi excesso no nú-
mero de mortes.” Segundo ele,
é fundamental a realização dos
diagnósticos precisos. “Núme-
ros subestimados podem cau-
sar falsa sensação de segurança,
e acarretar afrouxamento por
parte da população”, afirmou.

Resposta. A Secretaria de Esta-
do da Saúde afirmou que os tes-
tes, seguindo determinações do
Ministério da Saúde, são realiza-
dos atualmente em todos os óbi-
tos suspeitos, pacientes hospita-
lizados com SRAGs e também
em profissionais da linha de fren-
te de combate à pandemia.

ESCREVE QUINZENALMENTE

“Os profissionais de saúde
relatam que os moradores
de comunidades já chegam
em estado muito ruim.”
Eliana Sousa
DIRETORA DA ONG REDES DA MARÉ

WERTHER SANTANA/ESTADÃO

ONG vê subnotificação em favelas do Rio


Aglomeração. Mais de 140 mil pessoas moram no complexo de favelas da zona norte

A população terá de se doar
mais para sairmos da pandemia
com número menor de óbitos

Ceará é um dos
Estados mais afetados, e
parentes de vítimas
relatam demora para
conseguir leito de UTI

87,83%
dos leitos de UTI dos hospitais
públicos do Ceará estão ocupa-
dos

93,7%
é a ocupação das UTIs da rede
privada no Estado

LUIDGI CARVALHO/FUTURA PRESS

Estudo de universidade


aponta explosão de


óbitos com sintomas


similares à covid e vê


possível subnotificação Lotado. Clientes no Mercado
Central de Belo Horizonte

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