O Estado de São Paulo (2020-05-27)

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A8 Política QUARTA-FEIRA, 27 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


VERA


MAGALHÃES


N


ão se pode dizer que Jair Bol-
sonaro não logrou êxito na
pauta que levou à dantesca
reunião ministerial de 22 de abril. A
partir dali ele de fato:
l interveio na Polícia Federal;
l “escancarou” a política armamen-
tista de seu governo em várias medi-
das;
l está sendo informado, e informan-
do seus aliados, sobre passos de in-
vestigações;
l degolou o ministro da Justiça, co-
mo ameaçou fazer,
l E fez os ministros se exporem, e
muito.
Agora só falta “prender" governa-

dores e prefeitos, como pregou a dili-
gente Damares Alves, mas não parece
estar distante o dia em que ele tentará
essa jogada.
De todas as agendas que explicitou
no encontro, a das armas acima de tu-
do é uma das mais avançadas.
O presidente revogou, e anunciou
no Twitter, portarias editadas pelo
Exército que previam a marcação e o
rastreamento de armas e munições.
Mais: o general Eugenio Pacelli, que
havia assinado as portarias estabele-
cendo a necessidade de rastrear armas
e munições, depois revogadas, foi exo-
nerado da função e saiu dizendo que
houve pressão por parte da indústria

armamentista.
Em seguida, Bolsonaro editou, com a
assinatura de Sergio Moro, a portaria da
qual falava na fatídica reunião, aumen-
tando o número de munições que po-
dem ser compradas por civis e militares.
Por que a sanha armamentista? O
próprio presidente desenhou: armada,
a população poderá resistir a ordens
consideradas abusivas de governado-
res e prefeitos. Para isso, deu como

exemplo as regras de distanciamento
social ditadas pela necessidade de com-
bater a pandemia do novo coronavírus.
Ao investir claramente para criar gru-
pos armados e dispostos a defender o
governo a qualquer preço, como fica pa-
tente nos posts nas redes sociais e no
incentivo a atos semanais de conforma-
ção golpista em Brasília, o presidente
dá a senha para a criação de milícias pa-

ramilitares no Brasil, nos moldes da Mi-
lícia Nacional Bolivariana da Venezue-
la, criada por Hugo Chávez em 2007, e
que hoje conta com mais de 1 milhão de
cadastrados. Nicolás Maduro, o dita-
dor que sucedeu Chávez, quer chegar a
2 milhões de homens armados, que, jun-
tamente com o Exército amplamente
inflado pelo chavismo são as duas for-
ças que mantêm o regime de pé.
Escrevi a esse respeito na coluna inti-
tulada “Bolsochavismo”, ainda em fe-
vereiro, quando o apoio dos bolsonaris-
tas ao criminoso motim de policiais mi-
litares em vários Estados já era o ovo
da serpente do que se quer criar.
Não é coincidência o fato de pulula-
rem nas redes sociais vídeos de poli-
ciais militares de todo o País se colo-
cando à “disposição" para defender
Bolsonaro do STF, do Congresso e de
governadores (aos quais as PMs estão
subordinadas).
Aliada à investida sem disfarces so-
bre a Polícia Federal e seu uso como
polícia política, inclusive perseguindo
adversários políticos do presidente, a

urdidura de milícias fortemente ar-
madas e dispostas e matar e morrer
por Bolsonaro é a gestação de um
projeto autocrático de poder que, se
não for parado agora pelos demais
Poderes, aos quais a Constituição
delegou a tarefa de exercerem o con-
trole sobre os arreganhos do Execu-
tivo, será difícil de deter no pós-pan-
demia.
Não é à toa o uso do verbo “apro-
veitar" a covid-19 para “passar a boi-
ada”, feito por Ricardo Salles na
reunião dos círculos do Inferno.
Não é só no Meio Ambiente que o
presidente aproveita a confusão
que ele mesmo cria diariamente no
combate à peste para avançar com
o arbítrio.
Isso está sendo feito sobre a liber-
dade de imprensa, sobre os direitos
fundamentais e trabalhistas e tam-
bém no sentido de um Estado poli-
cial e paramilitar que garanta a Bol-
sonaro não ser admoestado. E tal-
vez nem fosse precisar, dada a tibie-
za da resposta das instituições.

E-MAIL: [email protected]
TWITTER: @VERAMAGALHAES
POLITICA.ESTADAO.COM.BR/COLUNAS/VERA-MAGALHAES/

Tudo dominado


A advogada Helena Witzel, pri-
meira-dama do Rio de Janeiro
foi alvo de buscas e apreensões
ontem, junto do marido, o go-
vernador Wilson Witzel (PSC),
durante a operação Placebo,
que investiga supostos desvios
de recursos públicos para hospi-
tais de campanha durante a pan-
demia do novo coronavírus. O
Ministério Público Federal en-


xergou “vínculo bastante estrei-
to e suspeito” entre o escritório
de advocacia da primeira-dama
e a empresa DPAD Serviços
Diagnósticos Limitada, de Ales-
sandro de Araújo Duarte – apon-
tado na investigação como su-
posto operador do empresário
Mário Peixoto, preso na Opera-
ção Favorito, deflagrada no dia
14 de maio.
Firmado em 2019, o contrato
resultou em pagamentos men-
sais à banca de Helena. Segun-
do a decisão do ministro Benedi-
to Gonçalves, do Superior Tri-
bunal de Justiça (STJ), que auto-
rizou as buscas e apreensões, a
investigação até agora não en-

controu comprovação de que
os serviços referentes às entra-
das de dinheiro foram efetiva-
mente prestados. “O escritório
de advocacia da primeira-dama
do Estado do Rio de Janeiro
H.A.B.W. (Helena Alves Bran-
dão Witzel) supostamente reali-
zou contratos com empresas in-
vestigadas, sem que a investiga-
ção, até o momento, encontra-
se provas da prestação do res-
pectivo serviço, o que explicita
possível exercício profissional
de atividade delitiva”, escreveu
o ministro.
Assim como o governador,
Wilson Witzel, Helena teve
equipamentos eletrônicos

apreendidos durante a opera-
ção, que também vasculhou seu
escritório. Por ser advogada, o
ministro destacou que a docu-
mentação apreendida deve ser
“exclusivamente correlata aos
fatos aqui investigados’.

Defesa. Em nota, Helena Wit-
zel afirmou ter prestado os ser-
viços de advocacia, disse que a
diligência não encontrou nada
que pudesse comprovar irregu-
laridades, e classificou a opera-
ção como “imbuída de indisfar-
çada motivação política”.
“A HW Assessoria Jurídica
prestou serviços para a empre-
sa apontada pelo MPF, tendo re-

cebido honorários, emitido no-
ta fiscal e declarado regular-
mente os valores na declaração
de imposto de renda do escritó-

rio”, diz o texto. “A advogada
Helena Witzel reitera seu res-
peito às instituições, mas la-
menta que a operação tenha si-
do imbuída de indisfarçada mo-
tivação política, sendo sinto-
mático, a esse respeito, que a
ação foi antecipada na véspera
por deputada federal aliada do
presidente Jair Bolsonaro”, con-
clui a nota, referindo-se à depu-
tada federal Carla Zambelli
(PSL-SP).
Na segunda-feira, Zambelli
disse em entrevista a uma emis-
sora de rádio que “já tem alguns
governadores sendo investiga-
dos pela Polícia Federal” e ante-
cipou que haveria operações da
Polícia Federal. / PAULO ROBERTO
NETTO, PEPITA ORTEGA, FAUSTO
MACEDO, CAIO SARTORI e WILSON
TOSTA

Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA


O procurador-geral da Repú-
blica, Augusto Aras, deve se
posicionar contra o pedido de
apreensão dos celulares do
presidente Jair Bolsonaro e
do vereador Carlos Bolsona-
ro (Republicanos-RJ), filho
do chefe do Executivo, segun-
do o Estadão apurou com fon-
tes do Ministério Público Fe-
deral (MPF). Os partidos
PDT, PSB e PV pediram ao Su-
premo Tribunal Federal
(STF) a apreensão dos apare-
lhos “o quanto antes, sob pe-
na de que haja tempo suficien-
te para que provas sejam apa-
gadas ou adulteradas” dentro
das investigações sobre inter-
ferência política do presiden-
te na Polícia Federal.
Na semana passada, o decano
do STF, ministro Celso de Mel-
lo, encaminhou a Aras três notí-
cias-crime apresentadas no fi-
nal de abril por políticos e parti-
dos de oposição sobre suposta
interferência do presidente da
República na PF. Os pedidos fo-
ram feitos pelos deputados fede-
rais Gleisi Hoffman (PR) e Rui
Falcão (SP), ambos do PT, e pe-
las bancadas do PDT, PSB e PV.
Na avaliação de Augusto
Aras, não cabe a terceiros pedir
a abertura de inquéritos ou me-
didas de investigação no caso.
Essa posição do MPF, aliás, já
foi externada pelo próprio Aras
em parecer encaminhado ao
STF no mês passado.
“Tratando-se de investigação
em face de autoridades titula-
res de foro por prerrogativa de
função perante o Supremo Tri-


bunal Federal, como corolário
da titularidade da ação penal pú-
blica, cabe ao procurador-geral
da República o pedido de abertu-
ra de inquérito, bem como a in-
dicação das diligências investi-
gativas, sem prejuízo do acom-
panhamento de todo o seu trâ-
mite por todos os cidadãos”, es-
creveu Aras na ocasião.
Naquele parecer, Aras se posi-
cionava contra um outro pedi-
do, apresentado pelo senador
Randolfe Rodrigues (Rede-AP),
contra a apreensão do celular da
deputada Carla Zambelli (PSL-
SP) no inquérito que investiga
se Bolsonaro tentou interferir
politicamente na PF, como acu-
sa o ex-ministro Sérgio Moro.
O encaminhamento à PGR
dos pedidos de apreensão do ce-
lular de Bolsonaro e de Carlos
levou o ministro do Gabinete
de Segurança Institucional (G-
SI), Augusto Heleno, a divulgar
nota em que afirma considerar
“inconcebível” a requisição. He-
leno afirmou ainda que, caso
aceita, a medida poderá ter
“consequências imprevisíveis
para a estabilidade nacional”.
“O Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência
alerta as autoridades constituí-
das que tal atitude é uma eviden-
te tentativa de comprometer a
harmonia entre os Poderes e po-
derá ter consequências imprevi-
síveis para a estabilidade nacio-
nal”, disse Heleno, em nota.
A nota assinada por Heleno
foi autorizada por Bolsonaro e
chancelada pelos ministros mi-
litares. “Eu olhei e falei: ‘O se-
nhor fique à vontade’”, relatou
o presidente no dia em que o

comunicado do general foi di-
vulgado. O ministro da Defesa,
Fernando Azevedo e Silva, tam-
bém endossou a nota. “A sim-
ples ilação de o presidente da
República ter de entregar o seu
celular é uma afronta à seguran-
ça nacional”, afirmou.
Depois da manifestação de

Heleno, um grupo de 90 oficiais
da reserva do Exército divulgou
uma nota de apoio ao ministro
do GSI, na qual atacam o Supre-
mo e falam em “guerra civil”.

Visita. Anteontem, Bolsonaro
fez uma visita inesperada a Aras.
O encontro ocorreu logo após so-

lenidade de posse do subpro-
curador Carlos Alberto Vilhe-
na no cargo de Procurador Fe-
deral dos Direitos do Cidadão,
que era acompanhada por Bol-
sonaro do Palácio do Planalto,
via videoconferência. Ao fim
da cerimônia, Aras o questio-
nou se gostaria de falar algo. O
presidente, então, “se convi-
dou” para ir pessoalmente à se-
de da PGR “apertar a mão” do
novo subprocurador.
“Se me permite a ousadia,
se me convidar, eu vou agora
aí apertar a mão do nosso no-
vo colegiado maravilhoso da
Procuradoria-Geral da Repú-
blica”, disse Bolsonaro. “Es-
taremos esperando Vossa Ex-
celência com a alegria de sem-
pre”, respondeu Aras.
O Estadão apurou que, ini-
cialmente, o procurador-ge-
ral achou se tratar de uma
brincadeira.

GABRIELA BILO / ESTADAO-28/11/
Olimpio diz que

presidente tenta


‘proteger filho’


Após reunião, Bolsonaro
interferiu na PF e ‘escancarou'
política armamentista

l O prefeito de Fortaleza, Rober-
to Claudio, contestou a Operação
Dispneia realizada pela Polícia
Federal. Para ele, houve “falta de
honestidade e motivação política”
na ação que apura desvio de ver-
ba na compra de respiradores.

Escritório da primeira-dama também é alvo de buscas


l O ministro Ricardo Lewan-
dowski, do Supremo Tribunal
Federal (STF), rejeitou o recurso
apresentado pelo Estadão para
certificar que o presidente Jair
Bolsonaro entregou mesmo à
Justiça todos os exames realiza-

dos para identificar se foi conta-
minado ou não pelo novo corona-
vírus. Antes mesmo de o minis-
tro Ricardo Lewandowski decidir
sobre o caso, a defesa de Bolso-
naro encaminhou ao Supremo
três laudos – com codinomes –
que informam resultado negati-
vo. Em um deles, da Fiocruz, não
há CPF, RG, data de aniversário
nem qualquer outra informação
que vincule o documento ao pre-
sidente da República.

Em Fortaleza,


prefeito critica ação


MPF vê vínculo suspeito’


entre escritório de


Helena Witzel e empresa
investigada; advogada


diz que prestou serviços


Lewandowski nega


recurso sobre teste


para coronavírus


Aras deve


vetar pedido


por celular


de Bolsonaro


Apreensão do aparelho foi requisitada no


inquérito que apura interferência na PF


Procuradoria. Augusto Aras vai analisar pedido enviado por partidos de oposição

Pedro Venceslau
Marcelo Godoy

Eleito em 2018 com mais de 9
milhões de votos, o senador Ma-
jor Olimpio (SP), líder do PSL
no Senado, afirmou ontem que
está sendo pressionados por co-
legas da Polícia Militar a ter “leal-
dade cega” ao presidente Jair
Bolsonaro (sem partido), e que,
por isso, decidiu abandonar
uma eventual candidatura ao go-
verno de São Paulo e a política
após o término de seu mandato,
em 2026. O senador afirmou
que Bolsonaro rompeu com ele
“de forma pessoal” para “prote-
ger filho bandido”.
“Todo mundo sabe que meu
sonho era disputar o governo
em 2022, mas estou fora”, disse
Olimpio ao Estadão. “Não que-
ro mais me candidatar. Estou
enojado com essa situação. Poli-
ciais militares estão me cobran-
do lealdade cega ao presidente.
Me chamaram de traíra. Não
sou traíra. Quem está desvian-
do conduta é o presidente.”
A indignação do senador, que
foi eleito na esteira do bolsona-
rismo, se difundiu entre poli-
ciais após Olimpio responder o
áudio de um colega que o procu-
rou. “Era um conversa privada,
mas ele resolveu dar publicida-
de”, disse o parlamentar. Olim-
pio preferiu não revelar o nome
do colega, que na gravação é cha-
mado de Azevedo. O senador in-
gressou na Polícia Militar há 42
anos e entrou na política tendo
como base a categoria.
O motivo do rompimento
com Bolsonaro, diz Olimpio, foi
o fato de ele ter sido um dos se-
nadores que assinaram o reque-
rimento para a criação da CPI
da Lava Toga. “Quem se des-
viou foi o presidente (Bolsona-
ro), que não quis que eu assinas-
se a CPI da Lava Toga para pro-
teger filho bandido. Eu não te-
nho bandido de estimação. Isso
de palavrão em reunião (ministe-
rial) é besteira”, disse Major
Olímpio na gravação.
Na época, Flávio Bolsonaro,
que hoje está no Republicanos,
foi o único dos quatro senadores
do PSL que não assinaram a peti-
ção pela abertura da comissão. A
CPI era defendida principal-
mente por parlamentares classi-
ficados como “lavajatistas”.
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