O Estado de São Paulo (2020-05-28)

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A14 QUINTA-FEIRA, 28 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Internacional


EUA passam marca de 100 mil mortos,


ampliando críticas à política de Trump


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


WASHINGTON


A birra de Donald Trump com o
uso de máscaras é antiga. Mas
ganhou um ar de guerra declara-
da na segunda-feira, quando o
presidente zombou de seu ad-
versário democrata, Joe Biden,
que apareceu com o rosto cober-


to durante uma cerimônia em
homenagem aos americanos
mortos em combate. Ontem,
cresceu o número de republica-
nos que publicamente se opõe à
implicância de Trump com o
método de proteção mais usado
contra a disseminação do vírus,
identificado por ele como um si-
nal de fraqueza pessoal.
“Usar uma cobertura no ros-
to não é uma questão política. É
ajudar outras pessoas”, disse o
governador de Ohio, o republi-
cano Mike DeWine, repetindo
comentários feito por Doug
Burgum, governador de Dakota

do Norte, também republicano.
Ontem, o líder do partido no Se-
nado, Mitch McConnell, aliado
do presidente, postou uma foto
sua no Instagram com uma más-
cara. No início do mês, o deputa-
do Fred Upton e o senador John
Cornyn fizeram a mesma coisa,
pedindo que outros adotassem
a prática.
Segundo pesquisas, as iro-
nias de Trump aumentaram a
divisão dentro do Partido Repu-
blicano – pois a maioria dos de-
mocratas e dos eleitores inde-
pendentes adotou o uso. Uma
sondagem realizada neste mês
pela Kaiser Family Foundation
indicou que 89% dos democra-
tas e 72% dos independentes re-
latam usar máscara toda vez ou
na maioria das vezes quando
saem de casa, em comparação
com 58% dos republicanos.
Outras três pesquisas recen-
tes apontaram que entre 64% e
72% dos americanos dizem que

Trump também deveria usar
uma máscara. Entre 38% e 48%
dos republicanos dizem que o
presidente deveria fazê-lo. “Es-
sa é uma questão que divide os
republicanos. E mais nin-
guém”, disse Nick Gourevitch,
estrategista democrata, que es-
creveu um memorando reco-
mendando o uso da máscara.
A preocupação de Trump
com a máscara animou a campa-
nha de Biden, que viu uma chan-
ce de mostrar o contraste entre
os dois candidatos. Na terça-fei-
ra, quando questionado pela
CNN se a máscara passava uma
imagem de força ou de fraque-
za, Biden deu uma terceira op-
ção, dizendo que projetava lide-
rança. “Presidentes devem lide-
rar, não se envolver em boba-
gens e passar uma imagem falsa
de masculinidade”, disse. Logo
em seguida, o democrata tro-
cou sua foto no Twitter por uma
imagem sua de máscara. / WP

Beatriz Bulla
CORRESPONDENTE / WASHINGTON


Quando a primeira morte por
covid-19 foi registrada nos Es-
tados Unidos, no fim de feve-
reiro, o país não imaginava
que, três meses depois, 100
mil pessoas teriam perdido a
vida em razão da pandemia.
Na época, o presidente Do-
nald Trump afirmava que o ví-
rus era um problema chinês,
não dos americanos, e garan-
tia que a situação estava sob
controle. Não foi o que acon-
teceu.
Especialistas dizem que a in-
capacidade de organizar um sis-
tema de testagem da população
nos primeiros dois meses do
ano, a negação da crise pelo pre-
sidente e a demora em imple-
mentar um programa de isola-
mento social fizeram o país
mais rico do mundo e responsá-
vel por centros de pesquisa de
ponta ultrapassar a marca de
100 mil mortos ontem.
Apesar das notícias de trans-
missão interna do vírus, a vida
continuava normal nos EUA
até o fim de semana de 15 de mar-
ço. Em pleno ano eleitoral, os
comícios com arquibancadas lo-
tadas foram organizados tanto
por democratas quanto por re-
publicanos. As viagens interna-
cionais continuavam normal-
mente – com exceção dos voos
vindos da China, suspensos no
início do ano –, assim como as
grandes aglomerações e even-
tos esportivos.
Os 15 dias que separaram a pri-
meira morte oficial nos EUA,
no Estado de Washington, da
adoção de uma quarentena fo-
ram determinantes para o desfe-
cho catastrófico. Um estudo pu-
blicado por pesquisadores da
Universidade de Columbia esti-
ma que 36 mil pessoas não te-
riam morrido se as medidas de


isolamento social tivessem co-
meçado em 8 de março, uma se-
mana antes do que de fato acon-
teceu.
No final de março, questiona-
do pela revista Science sobre
qual havia sido o erro dos ameri-
canos em colocar em prática a
preparação contra pandemias,
o epidemiologista e integrante
da força-tarefa da Casa Branca,
Anthony Fauci, mencionou o
problema com os testes. “Ob-
viamente, a testagem foi um
problema claro, que precisará
ser avaliado. Por que não fomos
capazes de mobilizar isso em
uma escala ampla?”, questio-
nou.

Os EUA tiveram quase dois
meses para preparar uma res-
posta à pandemia, desde o aviso
sobre o surto na China, em janei-
ro. Mas, no início de março, os
americanos faziam menos de
seis testes de coronavírus a ca-

da milhão de habitantes, en-
quanto a Coreia do Sul realiza-
va quase 2 mil. Para Luciana Bo-
rio, ex-diretora de preparação
médica e de biodefesa do Conse-
lho de Segurança Nacional, que
assessora a Casa Branca, e ex-
cientista chefe da FDA, agência
reguladora de drogas e alimen-
tos dos EUA, o país falhou ao
não engajar o setor privado des-
de o início na produção e distri-
buição de testes.
Ainda segundo ela, durante
os últimos três anos, o sistema
de biodefesa americano, cons-
truído desde o governo George
W. Bush, deixou de dar atenção
à preparação para epidemias e

passou a se concentrar em ar-
mas biológicas. “Houve uma
mudança de direção. Perdemos
tempo nesses três anos”, afir-
mou.
Ao entrevistar 50 fontes do
governo e do setor privado so-
bre o assunto, o New York Times
informou que a dificuldade de
implementar os testes em larga
escala passou por falhas técni-
cas, obstáculos regulatórios, bu-
rocracias comuns e falta de lide-
rança em vários níveis.
Agora, com as medidas de iso-
lamento e ampliação da capaci-
dade de testagem da popula-
ção, todos os Estados america-
nos iniciaram planos de reaber-

tura gradual do comércio e reto-
mada das atividades nas últi-
mas duas semanas. O número
de novas infecções e hospitali-
zações pelo vírus caiu nacional-
mente, apesar de se manter ain-
da preocupante em centros ur-
banos, como Chicago e Los An-
geles.
Assim como aconteceu com
o plano de isolamento, a reaber-
tura também tem sido bastante
diferente em várias partes do
país. Até agora, 17 Estados regis-
tram crescimento no número
de casos desde que o processo
de flexibilização começou – e as
autoridades de saúde temem
uma nova onda de infecções.

De acordo com especialistas, incapacidade de organizar um sistema de testagem da população nos primeiros dois meses do ano,


negação da crise e demora em adotar isolamento social deixaram o país mais rico do mundo vulnerável ao avanço da pandemia


Presidente desdenha


equipamento e recebe


críticas até de aliados;


Biden se aproveita e


posta foto com proteção


WASHINGTON


O presidente dos EUA, Donald
Trump, afirmou ontem que as
plataformas de mídia social “si-
lenciam totalmente as vozes
conservadoras” e disse que deve
regulá-las ou fechá-las. A decla-
ração ocorreu depois que o Twit-
ter marcou dois posts de Trump
com um alerta, pedindo a seus


usuários que checassem os fa-
tos relatados pelo presidente.
“Os republicanos sentem
que as plataformas de mídia so-
cial silenciam totalmente as vo-
zes conservadoras. Vamos regu-
lar fortemente, ou fechá-las, an-
tes que isso aconteça. Vimos o
que eles tentaram fazer e falha-
ram em 2016”, escreveu
Trump, também no Twitter.

As mensagens de Trump se re-
feriam à votação pelos correios


  • o presidente sugere que have-
    rá fraude no envio de cédulas.
    “Caixas de correio serão rouba-
    das, as cédulas serão falsifica-
    das e até impressas ilegalmente
    e assinadas de forma fraudulen-
    ta”, escreveu.
    Um porta-voz do Twitter afir-
    mou que o alerta nos dois posts


foram colocados porque os tuí-
tes “contêm informações enga-
nosas”. Em seguida, Trump acu-
sou a empresa de “interferir nas
eleições”. “O Twitter está sufo-
cando a liberdade de expressão,
e eu, como presidente, não vou
permitir que isso ocorra.”
O caso não foi a única teoria
conspiratória espalhada por
Trump nesta semana. Em ou-

tro tuíte, o presidente sugeriu
que um jornalista da MSNBC
assassinou uma assessora em


  1. Lori Klausutis trabalha-
    va para Joe Scarborough, que
    então era deputado republica-
    no. Ela sofreu um ataque car-
    díaco e, segundo a perícia, ba-
    teu com a cabeça numa mesa
    antes de morrer.
    Scarborough apresenta um


programa de debates com a mu-
lher, Mika Brzezinski. Os dois
são desafetos de Trump. Recen-
temente, o presidente ressusci-
tou a teoria de que ela teria sido
assassinada, pedindo que inves-
tigadores reabrissem o caso, o
que causou indignação até da fa-
mília de Lori. O viúvo, T.J. Klau-
sutis, chegou a escrever uma
carta para Jack Dorsey, CEO do
Twitter, pedindo à empresa
que apagasse as mensagens de
Trump – o que não aconteceu. /
WP e AFP

lTropeço

Rejeição de Trump


ao uso de máscaras


divide republicanos


Presidente ameaça ‘regular ou fechar’ mídias sociais


BRENDAN MCDERMID / REUTERS

“Obviamente, a testagem é
um problema claro, que
precisará ser avaliado. Por
que não fomos capazes de
mobilizar isso em uma
escala ampla?”
Anthony Faucci
EPIDEMIOLOGISTA DA CASA BRANCA

Consequências. Memorial aos mortos pela covid-19 no cemitério Green-Wood, no Brooklyn, em Nova York: tempo perdido no início custou caro ao governo

STEPHEN MATUREN /AFP

Morte de negro causa protesto


Em meio à pandemia, milhares saíram ontem às ruas de Minneapolis, no
Minnesota, para protestar contra a morte de George Floyd, um negro de
40 anos asfixiado por um policial branco.
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