O Estado de São Paulo (2020-05-28)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-15:20200528:


O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 28 DE MAIO DE 2020 Internacional A


SANTIAGO


Os leitos de UTI dos hospitais
do Chile estão quase todos ocu-
pados em meio a uma avalan-
che de infectados. Os médicos
estão tendo de tomar a difícil
decisão sobre quais pacientes
devem ocupar os últimos luga-
res. Funcionários da área de
saúde disseram que quase to-
dos os 2,4 mil leitos de UTI es-
tão ocupados, mesmo após a ca-
pacidade ter sido dobrada em
março.


O governo chileno anunciou
planos de criar mais 400 novos
leitos de UTI nos próximos
dias. “É um período difícil”, dis-
se o ministro da Saúde, Jaime
Mañalich. Com 18 milhões de
habitantes, o Chile tinha on-
tem mais de 82 mil casos de co-
vid-19 – é o terceiro país com
mais infectados na América do

Sul, depois de Brasil e Peru,
com uma média de 4 mil novos
contágios diários. Cerca de 15%
desses casos necessitam de in-
ternação.
A lotação está forçando os
médicos chilenos a encarar um
dilema que já foi enfrentado
por profissionais de saúde de
vários outros países, como

EUA, Itália e Espanha: qual pa-
ciente com covid-19 deve rece-
ber o último leito de UTI dispo-
nível?
Khaty Barriga, prefeita do po-
puloso distrito de Maipú, disse
que havia apenas um respira-
dor livre na terça-feira no Hos-
pital El Carmen. A área faz par-
te da região metropolitana de

Santiago, que registrou mais de
80% das notificações de coro-
navírus do país e grande parte
das 841 mortes no Chile.
Em entrevista para uma emis-
sora de TV local, Claudia Vega,
chefe da UTI do hospital, disse
que os médicos já estavam esco-
lhendo “qual leito será esvazia-
do e qual a pessoa certa para
ocupá-lo”. “Que Deus me ilumi-
ne nesta hora”, afirmou.

Colapso. A Sociedade Chilena
de Medicina Intensiva, que dá
orientações a centenas de hos-
pitais e clínicas diariamente,
disse que a ocupação dos leitos
de atendimento crítico na área
da Grande Santiago está em
97%.
Um relatório da Universida-
de do Chile estima que o au-
mento de novos casos “sugere
uma possível completa satura-
ção do sistema ainda nesta se-
mana”. A região de Santiago,
que abriga mais de 8 milhões de
pessoas, está sob quarentena
há 11 dias. As pessoas só podem
sair para comprar comida ou pa-
ra realizar atividades considera-
das essenciais. / REUTERS e WP

EUA tiram de


Hong Kong status


de região autônoma


Medida permite aos americanos, críticos à nova lei de segurança


nacional, praticar mesmas normas aplicadas na relação com a China


BUENOS AIRES


O governo da Província de Bue-
nos Aires decidiu isolar a favela
Villa Azul, no sul da capital ar-
gentina, após a confirmação de
84 notificações de covid-19. Há
ainda outros 100 casos suspei-
tos no local. Para proteger os 3
mil habitantes da região, autori-
dades usaram cercas que impe-
dem a circulação de pessoas. Se
o vírus chegar à vizinha Itatí,
com cerca de 16 mil habitantes,
do outro lado da rodovia, o qua-
dro ficaria mais complicado.
A comunidade, a 17 quilôme-
tros do centro de Buenos Aires,
tem ruas estreitas e moradias
precárias. As cercas foram colo-
cadas em cada via de acesso pa-
ra impedir a saída e entrada de
pessoas pelos próximos 15 dias,
cobrindo um perímetro de 120
mil metros quadrados.
Villa Azul, que fica entre Avel-
laneda e Quilmes, é uma das 1,
mil comunidades e assentamen-
tos vulneráveis, que abrigam
mais de 3 milhões de pessoas
nos arredores de Buenos Aires.
Essas comunidades se torna-
ram o principal foco do presi-
dente Alberto Fernández, que
declarou quarentena em 20 de
março e, no sábado, prolongou
o isolamento até 7 de junho.
O governo alertou que “não
há histórico (de como tratar es-
ses locais), pois na Europa e nos
EUA não existe esse tipo de co-
munidades populares, como na
América Latina”. As autorida-
des planejam distribuir alimen-
tos, remédios e produtos de de-
sinfecção e higiene pessoal,
mas, como em outras favelas,
prevalece a desconfiança e o
sentimento de abandono.
“Até a semana passada, eu tra-
balhei, mas agora não temos saí-


da, tenho a sensação de que esta-
mos presos”, diz José Sequeira,
de 63 anos. “Tenho um pouco
de dinheiro economizado. Mas,
se não posso ir às compras, não
sei o que vou comer.”
Outros 350 mil habitantes de
Buenos Aires moram em comu-
nidades pobres. Em uma delas,
a Villa 31, as infecções se multi-
plicaram de forma alarmante

há duas semanas, em meio a um
prolongado corte de água. O ca-
so forçou uma interrupção da
flexibilização da quarentena na
Argentina.
Autoridades sanitárias e espe-
cialistas já haviam alertado pa-
ra o perigo da pandemia nas
áreas mais vulneráveis da
América Latina. Agora que o co-
ronavírus chegou às favelas da

região, seus milhões de habitan-
tes precisam enfrentá-lo em rea-
lidades adversas: a falta de servi-
ços básicos e a impossibilidade
de cumprir o confinamento por
ter de buscar sustento.
“Estamos cada vez mais
preocupados com os pobres e
outros grupos vulneráveis
com maior risco de doença e
morte pelo vírus”, disse Caris-

sa Etienne, diretora da Organi-
zação Pan-Americana da Saú-
de (Opas).
As “villas” miseráveis da Ar-
gentina são como as “barria-
das” peruanas, as favelas no Bra-
sil, os “cerros” na Venezuela e a
população “callampa” no Chile.
Independentemente de como
são conhecidas, embora com ní-
veis variáveis de precariedade,
essas comunidades pobres pos-
suem traços comuns, que fa-
zem das recomendações de saú-
de uma utopia.
Com a curva de contágio ain-
da acelerando em países como
Brasil, Peru e Chile, e uma possí-
vel subnotificação de casos, a ca-
tástrofe deve se agravar nas
próximas semanas. Segundo a
Organização Internacional do
Trabalho (OIT), existem 1,7 bi-
lhão de pessoas no mundo tra-
balhando no setor informal.
“Para elas, existe uma con-
tradição entre morrer de fome
ou morrer do vírus”, disse a
economista Dalia Maimon,
coordenadora do Laboratório
de Responsabilidade Social
(Lares) da Universidade Fede-
ral do Rio de Janeiro (UFRJ). A
lógica predominante, segundo
ela, é a de que, se morrer de
fome é uma certeza, melhor ar-
riscar e voltar a trabalhar.
Nas favelas, o distanciamen-
to social é complexo: os vizi-
nhos passam muito tempo nas
ruas estreitas como forma de ali-
viar a superlotação dentro de
suas casas precárias, onde mui-
tas vezes várias gerações convi-
vem juntas.
Em alguns lugares, a ausência
institucional, que em alguns ca-
sos é crônica, tem sido usada
por organizações criminosas pa-
ra fortalecer o domínio territo-
rial, prestando assistência em
meio à pandemia.
“A capacidade desses grupos
de preencher o vácuo do Esta-
do é a tendência mais alarman-
te, substituindo-o como um
ator e provedor de serviços le-
gítimos”, apontou Douglas Fa-
rah, especialista em segurança,
em um fórum em Washington,
convocado pela Organização
dos Estados Americanos
(OEA). / AFP

No Chile, médicos são


forçados a escolher


quem vai para UTI


México iniciará


abertura, apesar


de contágios


HONG KONG


O secretário de Estado dos
EUA, Mike Pompeo, disse on-
tem ao Congresso americano


que Hong Kong já não tem a
autonomia prometida pela
China, o que retira do territó-
rio o status especial sob a lei
americana.

“Nenhuma pessoa razoável
pode dizer hoje que Hong Kong
mantém um alto grau de auto-
nomia em relação à China, da-
dos os fatos ocorridos no local”,

disse Pompeo, em comunicado
divulgado antes da aplicação de
uma nova lei de segurança na-
cional, que deve ser imposta ho-
je por Pequim.
A medida permite que o presi-
dente Donald Trump suspenda
a relação econômica especial
dos EUA com o território. A par-
tir de agora, Washington pode-
ria aplicar a Hong Kong as mes-
mas tarifas e exigências já prati-
cadas com a China.
Segundo lei aprovada no ano
passado pelo Congresso ameri-
cano, com o objetivo de apoiar
o movimento pró-democracia
de Hong Kong, o governo deve
se certificar de que o território
ainda é autônomo para que te-
nha status especial com os EUA
para fins comerciais.
“Os EUA esperavam que o ter-
ritório de Hong Kong, livre e
próspero, proporcionasse um
modelo para a China autoritá-

ria. Agora, está claro que a Chi-
na está moldando Hong Kong à
sua imagem”, disse Pompeo.
“Os EUA apoiam o povo de
Hong Kong, enquanto o mesmo
luta contra a crescente negativa
do Partido Comunista à autono-
mia que lhe prometeu.”

Protesto. Ontem, a polícia de
Hong Kong usou spray de pi-
menta para dispersar um pro-
testo pró-democracia em fren-

te ao prédio do Legislativo lo-
cal. Pelo menos 300 pessoas
foram presas. A confusão
aconteceu pouco antes do iní-
cio do debate de um projeto
de lei que penaliza com até 3
anos de prisão ofensas ao hino
nacional chinês.
A discussão da proposta no
Conselho Legislativo (LegCo),
que segundo o movimento pró-
democracia viola a liberdade de
expressão, ocorre pouco depois
da decisão da China de impor em
Hong Kong uma lei de segurança
nacional, que cria punições para
traição, subversão e sedição.
Para conter a multidão, a polí-
cia colocou barreiras ao redor
do prédio do LegCo e os mani-
festantes foram dispersados
com violência. “Agora, é como
se, de fato, houvesse um toque
de recolher”, disse Nathan Law,
um dos líderes do movimento
democrático. / AFP e REUTERS

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lCerco

Fechado. Crianças jogam bola diante de policial na Villa Azul, periferia de Buenos Aires: vírus avança em áreas vulneráveis

lSem opção

Para conter vírus, Buenos Aires põe cercas em favela


Covid-19. Paciente é levado de Concepción para Santiago

CIDADE DO MÉXICO

O México inicia no dia 1.º a rea-
bertura gradual de suas ativida-
des sociais e econômicas, mes-
mo diante do aumento de no-
vos casos e mortos – são mais de
74 mil infectados e 8 mil mor-
tos. O presidente, Andrés Ma-
nuel López Obrador, atribuiu o
avanço da pandemia “a um ajus-
te”, já que determinar as causas
dos óbitos “leva tempo”. Ele as-
segurou haver indícios de uma
redução do vírus na Cidade do
México, epicentro da doença.
Claudia Sheinbaum, chefe de
governo da capital, que tem 21
mil infectados e 2.150 mortos,
admitiu horas após as declara-
ções do presidente um ligeiro
aumento de casos nos hospitais
da Cidade do México, o que le-
vou a epidemiologista Alejan-
dro Macías a dizer que a situa-
ção “não está controlada”. / EFE

lManifestação

“Tenho a sensação de que
estamos presos. Tenho
um pouco de dinheiro
economizado. Mas, se não
posso ir às compras, não sei
o que vou comer”
José Sequeira
MORADOR DE VILLA AZUL

JUAN MABROMATA / AFP

“Agora mesmo estou
escolhendo qual leito será
esvaziado e qual a pessoa
certa para ocupá-lo. Que
Deus me ilumine nesta
hora”
Claudia Vega
CHEFE DA UTI DO
HOSPITAL EL CARMEN

Vírus chega às áreas mais


pobres da América Latina,


sem serviços básicos e
com dificuldades para


cumprir quarentena


MARTIN BERNETTI / AFP

Ocupação de leitos


chega a 97% e relatório


de universidade


prevê saturação
ainda nesta semana


300
pessoas foram detidas ontem
pela polícia durante um protesto
contra uma lei que trata como
crime, com prisão de até
3 anos, ofensas contra o
hino nacional chinês.
Free download pdf