O Estado de São Paulo (2020-05-28)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-17:20200528:


O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 28 DE MAIO DE 2020 Metrópole A


‘Se é para ouvir


a ciência, não


libera ninguém’


Ceará e Amazonas têm


planos de reabertura


José Maria Tomazela
SOROCABA
Bruno Ribeiro
Pedro Venceslau
Paula Reverbel


A proposta de reabertura eco-
nômica anunciada ontem pe-
lo governador João Doria
(PSDB) autoriza o início do
processo de flexibilização em
583 das 645 cidades do Esta-
do. Ficaram de fora as regiões
do Vale do Ribeira, da Baixa-
da Santista e a Grande São
Paulo – com exceção da capi-
tal –, que ainda devem conti-
nuar com restrição total.
Regiões como as de Ribeirão
Preto, Campinas, São José do
Rio Preto e Sorocaba estão auto-
rizadas a iniciar a fase 2 de rea-
bertura, que permite o funcio-


namento de atividades como
imobiliárias, comércio e shop-
ping com algumas restrições.
Já a Grande São Paulo foi clas-
sificada em fase 1, em que ape-
nas fica permitida a atividade in-
dustrial e a construção civil. O
governo estadual vinha sofren-
do pressão de prefeitos pela rea-
bertura econômica, ao mesmo
tempo em que a quantidade de
infectados e óbitos avança no
interior.
A proposta apresentada on-
tem desagradou até municípios
que tiveram a primeira abertu-
ra autorizada. A prefeita de So-
rocaba, Jaqueline Coutinho
(sem partido), considerou in-
justa a colocação da cidade e vai
pedir a passagem para a fase 3,
que permite a abertura de bares
e restaurantes e salões de bele-

za. Segundo ela, Sorocaba tem
menos casos e mortes que to-
das as outras cidades com popu-
lação entre 500 mil e 1 milhão
de habitantes, exceto São José
dos Campos.
“Faremos uma avaliação e, se
os indicadores da saúde confir-
marem o que acho, vamos pedir
administrativamente e, se for o
caso, recorrer à Justiça”, disse.
Com 828 casos e 41 mortes, a
cidade de Sorocaba, com 679
mil habitantes, está na chama-
da fase 2 e, a partir de 1.º de ju-
nho, reabre 20% do comércio
de rua, lojas de shoppings, imo-
biliárias e escritórios. O trans-
porte coletivo terá a frota am-
pliada na mesma proporção.
A prefeita pretende mostrar
que, embora a ocupação de lei-
tos de UTI no sistema público

esteja na faixa de 80%, em hospi-
tais particulares, está em torno
de 30%. “Sorocaba tem realida-
de diferente de outras cidades
da região, mas fomos colocados
na mesma seara.”
De acordo com a gestora mu-
nicipal, com o fechamento do
comércio e serviços, a cidade
perdeu, só em abril, R$ 42,3 mi-
lhões de arrecadação, uma redu-
ção de 33,6%. Em maio, a perda
estimada passa de R$ 50 mi-
lhões. Já para o secretário muni-
cipal de saúde, Ademir Watana-
be, a situação da pandemia está
longe de ser tranquila. “O pior
ainda está por vir.”

Grande SP. A proposta de man-
ter fechados os 39 municípios
da Grande São Paulo, com exce-
ção de capital, também foi alvo

de críticas. O prefeito de São
Bernardo do Campo, Orlando
Morando (PSDB), argumenta
que foi adotado um critério que
beneficia a reabertura da capi-
tal, mesmo que os índices de
sua cidade estejam melhores
(mais informações nesta página).
No caso da capital, a decisão
de Prefeitura e governo do Esta-
do de incluir a cidade de São
Paulo na lista de municípios

que poderiam começar a reto-
mada se deu por pressão da ges-
tão Bruno Covas (PSDB), uma
vez que as subprefeituras vi-
nham relatando dificuldade de
manter as restrições vigentes.
O diagnóstico da equipe foi que
a restrição ao comércio não se
sustentaria por mais uma sema-
na, e que algo precisaria ser fei-
to: ou um endurecimento das
medidas, com apoio do Estado
(o lockdown), ou um processo
de abertura controlado. A pala-
vra “desobediência civil” pas-
sou a circular no WhatsApp dos
gestores, ao falarem da manu-
tenção da quarentena atual.
Os técnicos da Prefeitura no-
taram dificuldade em adotar as
medidas que haviam determina-
do anteriormente para tentar
aumentar o isolamento social.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


A decisão por uma reabertura
na cidade de São Paulo desagra-
dou aliados da Região Metropo-
litana. Também tucano, o pre-
feito de São Bernardo do Cam-
po, Orlando Morando, um dos
principais aliados do governo
estadual, criticou o governador
João Doria e o prefeito de São
Paulo, Bruno Covas (PSDB).
“A Região Metropolitana têm
39 cidades incluindo a capital,
administrada por uma diretoria
regional de saúde. Se você pe-
gar o número de leitos para co-
vid-19 das 39 cidades e dividir
pelo número de habitantes, to-
dos ficam em um índice verme-
lho (de alerta máximo)”, afir-
mou Morando ao Estadão.
“Se é para tirar a capital da
Região Metropolitana, tem de
tirar também São Bernardo – o
meu número de disponibilida-
de (de leitos) é muito maior que
na capital.”
Ele afirma ainda que os consu-
midores vão ter a opção de fre-
quentar o comércio paulistano,
mas não o de sua cidade. O pre-
feito defende que ou todas as
cidades da região sejam conside-
radas na faixa vermelha, ou que
todos se separem de vez. “Por
que aí não estão ouvindo a ciên-
cia”, argumentou. “Se é para ou-
vir a ciência, não é para liberar
ninguém da Região Metropoli-
tana”, defendeu.
Procurado pelo Estadão, o
governo paulista afirmou que o
comitê de contingenciamento
irá avaliar o pleito de municí-
pios da Região Metropolitana.
“O modelo heterogêneo delimi-
ta uma análise específica de ca-
da uma das regiões”, afirmou o
secretário de desenvolvimento
regional do governo João Doria,
Marco Vinholi. /PV. e P.R.

Fabiana Cambricoli


Diferentemente do Estado de
São Paulo, que anunciou reto-
mada de atividades econômi-
cas apenas 15 dias após registrar
recorde de novos casos de coro-


navírus, os países mais afetados
pela pandemia esperaram ao
menos um mês depois do pico
para iniciar a reabertura.
Levantamento feito pelo Es-
tadão com base em dados da
Universidade Johns Hopkins
mostra que, nos cinco países
com mais vítimas pela doença
(Estados Unidos, Reino Unido,
Itália, França e Espanha), os go-
vernos esperaram (ou vão espe-
rar), em média, 44 dias para au-
torizar um relaxamento da qua-
rentena.

A Itália registrou seu pico de
casos no dia 21 de março, mas só
começou a reabertura no dia 4
de maio, ou seja, 44 dias depois.
Mesmo assim, a retomada tem
sido gradual. Na primeira sema-
na, os italianos puderam final-
mente sair de casa sem ter que
apresentar justificativas, mas a
maioria dos serviços não essen-
ciais e espaços públicos perma-
neceram fechados.
Somente nas semanas seguin-
tes foi autorizada a abertura de
igrejas, academias e salões de

beleza. Restaurantes e bares fo-
ram reabertos, mas só poderão
voltar a servir nas mesas em ju-
nho. No dia do pico de casos, a
Itália registrou 6,6 mil novas in-
fecções em 24 horas. Quando
iniciou a reabertura, esse núme-
ro havia caído para 1,2 mil.
Processo semelhante passa
Espanha. Seu recorde de casos
em um dia foi registrado em 25
de março, com 9,6 mil registros.
Já a reabertura teve início em 4
de maio, quando 545 novas in-
fecções foram confirmadas.
Na França, o início da retoma-
da teve início no dia 11 de maio,
praticamente um mês após o pi-
co de casos, registrado em 12 de
abril. Foram reabertos alguns
serviços não essenciais, mas ou-
tros, como restaurantes, bares,

cafés e hotéis, só poderão voltar
à normalidade em junho.
O Reino Unido tem se mostra-
do o país mais cauteloso diante
da ameaça de uma segunda on-
da de contaminações. O pico no
território britânico foi registra-
do em 10 de abril, mas o gover-
no local anunciou que os servi-
ços não essenciais poderão rea-
brir somente no dia 15 de junho.
Nos Estados Unidos, a deci-
são sobre a reabertura tem sido
diferente em cada Estado. Na
cidade de Nova York, área mais
atingida, o processo de reaber-
tura teve início em 15 de maio,
40 dias depois da data em que a
cidade registrou recorde de ca-
sos diários (4 de abril).
O recorde de casos diários no
Estado de São Paulo ocorreu no
dia 15 de maio, quando 4.
mil novas infecções foram con-
firmadas. Não é possível dizer
ainda que há queda sustentada
por duas razões: o número se-
gue alto (ontem foram confir-
mados 3.466 novos casos) e o
total de testes realizados é insu-
ficiente. Segundo especialistas,
nem sequer é possível saber se
já atingimos o pico das infec-
ções. “É precoce falar em rea-
bertura com a curva subindo de
maneira exponencial. Não há in-
dício de que vá diminuir. Está
muito inclinada ainda. A ocupa-
ção dos leitos também é gran-
de”, destaca a bióloga Natália
Pasternak, criadora do Institu-
to Questão de Ciência (IQS).
Para ela, o governo de São
Paulo deveria obedecer os crité-
rios de flexibilização da Organi-
zação Mundial da Saúde, que é
baseada no número de trans-
missão e também na oferta de
leitos. “A Alemanha esperou o
Rt (índice de transmissão) che-
gar em menos do que 1 para co-
meçar a flexibilização. Ainda as-
sim viu aumento dos casos e pre-
cisou repensar”, disse. “No Bra-
sil tem o agravante da subnotifi-
cação. A falta de testes preocu-
pa.”/COLABOROU JOÃO PRATA

Após redução no número de óbi-
tos por covid-19 em Manaus, o
governador do Amazonas, Wil-
son Lima (PSC), afirmou que o
comércio reabrirá gradualmen-
te a partir do dia 1.º de junho.
No interior, que concentra 54%
dos casos de coronavírus do
Amazonas, a decisão ficará sob
critério das prefeituras.
Lima já havia antecipado, no
domingo, a retomada do comér-
cio porque, segundo ele, “a vida
precisa voltar à normalidade”.
Mas em coletiva à imprensa na
terça-feira esclareceu que a sus-
pensão das medidas restritivas
dependeria da curva de casos
do novo coronavírus – caso con-
trário, o Estado retrocederia
com a decisão. O decreto que
permite apenas serviços essen-
ciais vai até o dia 31 de maio.
“Tem havido número menor
de óbitos e isso tem diminuído
ao longo dos últimos 15 dias. Te-
mos um aumento de casos, mas


um número alto também de re-
cuperados. Temos mais de 23
mil recuperados. A gente conse-
gue enxergar uma luz no fim do
túnel. Todas as decisões de rea-
bertura do comércio estão con-
dicionadas à essa curva.”
Para o infectologista Marcus
Lacerda, o momento pede equi-
líbrio. “É uma decisão complica-
da. Acho que deve haver meio-
termo. Voltar aos poucos com
cuidado e acompanhar de per-
to. Não podemos juntar dados
do Amazonas com Manaus; as
mortes na capital caíram. Aber-
tura total não pode, nem fecha-
mento total. O comércio de Ma-
naus nunca fechou de fato, ape-
nas uma mínima parcela.”
O Amazonas tem 33 mil casos
confirmados da doença e 1.
mortes. No auge da crise, Ma-
naus enfrentou dificuldades pa-
ra atender pacientes no sistema
público de saúde – profissio-
nais também se queixaram da

falta de equipamentos básicos e
muitos acabaram contamina-
dos pelo coronavírus.

Ceará. O governador do Cea-
rá, Camilo Santana (PT), tam-
bém afirmou que pretende ini-
ciar a abertura da economia no
Estado a partir da próxima se-
gunda-feira. A retomada será
feita considerando indicadores
de saúde, com orientações aos
municípios de acordo com a in-
cidência do coronavírus em ca-
da região. O plano de reabertu-
ra deve ser divulgado oficial-
mente nesta semana e foi elabo-
rado em conjunto com as equi-
pes econômica e de saúde. Co-
mo uma das justificativas, o go-
vernador citou a tendência de
estabilização no número de ca-
sos da capital, Fortaleza, a ter-
ceira cidade do País a implemen-
tar o lockdown.
A capital cearense ainda en-
contra dificuldades em se fazer
cumprir a determinação. Mais
de 2.600 ocorrências por des-
cumprir isolamento social rígi-
do foram registradas até segun-
da-feira. /THAÍSE ROCHA, ESPECIAL
PARA O ESTADO

lBaque

País tem 1.086 novas mortes; total passa de 25 mil. Pág. A18}


FABIO FRUSTACI/EFE

SP anuncia retomada


15 dias após recorde de


casos; especialista vê


retorno precoce e


destaca falta de testes


EUA, Itália e França flexibilizaram


mais de um mês após pico do surto


Reabertura. Itália iniciou retomada das atividades econômicas em maio, 44 dias depois de ter recorde de novas infecções


“O vírus afetou fortemente
a economia do Brasil e do
Estado que lidera a
economia. Mantivemos 74%
das atividades em
funcionamento”
João Doria

Ribeirão abre; Grande SP segue fechada


Proposta do governo do Estado prevê flexibilização em 583 dos 645 municípios paulistas em junho; prefeitos queriam menos restrições

Free download pdf