O Estado de São Paulo (2020-05-28)

(Antfer) #1

Danilo Casaletti
ESPECIAL PARA O ESTADO


“Caetano, quando você vai fazer
a live?”. Quem acompanha as re-
des sociais de Caetano Veloso já
viu que ele é sempre instigado pe-
la companheira e empresária
Paula Lavigne a aderir ao movi-
mento das lives. Ele diz ora que
está pensando, ora que está “es-
perando a voz estar boa”. Passa-
dos mais de 60 dias da recomen-
dação de isolamento social, a live
do cantor ainda não saiu. Os ví-
deos postados por Lavigne vira-
ram uma diversão para os fãs e,
claro, servem para aumentar a ex-
pectativa de que Caetano se ren-
da à apresentação online.
Assim como ele, outros nomes
da música brasileira ainda não de-
ram as caras nas lives. Uns, como
o cantor e compositor baiano,
por escolha. Outros, por falta de
condições técnicas, por não toca-
rem um instrumento ou mesmo
pela falta de patrocínio.
Ney Matogrosso igualmente
foge das lives. Em entrevista ao
repórter do Estadão Julio Ma-
ria, o cantor demonstrou descon-
forto com a modalidade. “Não
sinto atração por fazer. Talvez se-
ja medo da novidade.”
Desde que lançou o álbum A
Mulher do Fim do Mundo, em
2015, Elza Soares, de 89 anos, re-
novou seu público e tem as redes
sociais como grande aliada. Mas
tampouco se apresentou virtual-
mente. “Tenho recebido muitos


convites e negado vários, mas es-
tou a fim de fazer. Estou pensan-
do em fazer um grande live show
em julho, quando carimbo meu
passaporte (completa 90 anos)”,
diz a cantora, que interrompeu a
turnê do show Planeta Fome por
causa da pandemia.
Na lista dos que ainda não fize-
ram live, há ainda nomes desde
sempre reclusos, como Maria Be-
thânia – sua assessoria diz que
ela não tem planos de se apresen-
tar nas redes sociais, apesar dos
pedidos dos fãs –, Chico Buarque
e Jorge Benjor; artistas que se co-
municam bem com o público vir-
tual, como Gal Costa e Erasmo
Carlos; e outros que encontra-
ram diferentes soluções para se
fazerem presentes.
Milton Nascimento, por exem-
plo, tem soltado vídeos cantan-
do alguns de seus sucessos e Gil-
berto Gil tem reciclado imagens
com aulas sobre como tocar suas
composições ou gravado mensa-
gens para campanhas de solida-
riedade às vítimas da covid-19. Já
Rita Lee participou recentemen-
te de um bate-papo sobre seu ál-
bum Lança Perfume e gravou um
vídeo cantando o hit Saúde.
O produtor Marcus Preto, que
trabalhou com artistas como
Gal, Erasmo e Nando Reis, diz
compreender que nem todos se
sintam à vontade nas lives. “É
um formato novo para eles, que
pensam: ‘Será que o som vai ficar
bom?’. Também não terão toda
uma equipe que costuma ficar

no palco e que resolve qualquer
problema com rapidez”, diz. Pre-
to acredita que, cedo ou tarde, os
citados poderão aderir ao forma-
to, mas na hora em que se senti-
rem confortáveis.
O grupo Racionais Mc’s, que
soma mais de 1 milhão de segui-
dores no Instagram, aponta um
outro motivo para a ausência no
movimento. De acordo com sua
assessoria de
imprensa, Ma-
no Brown e
seus compa-
nheiros não
querem passar
a impressão de
que estariam
desrespeitan-
do o isolamen-
to social – já
que uma apre-
sentação deles
reuniria ao me-
nos oito pes-
soas no mes-
mo ambiente.

E quem não pode? Caetano Ve-
loso e Ney Matogrosso fazem
parte de um grupo que lota casas
de shows e teriam apoio de grava-
doras e patrocinadores. Porém,
há um grupo de artistas que está
à margem das lives. São nomes
ainda atuantes – como Claudet-
te Soares, Eliana Pittman, Doris
Monteiro, Luiz Ayrão, Zezé Mot-
ta, As Galvão –, mas sem possibili-
dades de aderir à única forma de
apresentação possível no mo-

mento.
O produtor Thiago Marques
Luiz, há quase 20 anos no merca-
do, é responsável por revitalizar
as carreiras de Cauby Peixoto e
Angela Maria, no início dos anos
2000, e, de certa forma, se espe-
cializou em trabalhar com artis-
tas da velha guarda. Ele traçou
um perfil dos preteridos: mais de
70 anos de idade, 50 de carreira,
sem o número
expressivo de
seguidores em
redes sociais e
que precisam
de pelo menos
um músico
presente – o
que, por esta-
rem no grupo
de risco para o
coronavírus,
não é recomen-
dável.
“Eles estão
em casa, sem
trabalho por
conta da pandemia. Muitos se
sentem inúteis, mas a história
que eles construíram ao longo da
carreira é muito importante para
ser esquecida neste momento”,
diz Marques Luiz, que criou o
projeto Vozes da Melhor Idade.
A ideia é que os artistas façam pe-
quenos vídeos contando suas his-
tórias e cantem uma música de
seu repertório, para que depois,
em estúdio, um violonista grave
o acompanhamento. Uma tenta-
tiva de aproximá-los de seu públi-

co, enquanto os shows continua-
rem proibidos. “Já bati em várias
portas em busca de patrocínio,
mas não houve interesse.”
Aos 73 anos, a cantora Eliana
Pittman havia acabado de lançar
o álbum As Divas do Sambalanço
(ao lado de Claudette Soares, de
83 anos, e Doris Monteiro, de 85)
quando foi declarada a pande-
mia. “Estou dentro de casa ten-
tando me reinventar. Esse é o de-
safio do momento”, afirma Elia-
na, que mora sozinha e pede aju-
da de um vizinho quando quer
gravar vídeos para postar em
suas redes. As Divas estavam
com seis shows marcados, mas
tudo foi interrompido.
O compositor Luiz Ayrão, de
78 anos, outro da turma dos sem-
live, afirma ficar preocupado
com a falta de qualidade técnica
que poderia oferecer para fazer
uma apresentação de dentro do
seu apartamento, em São Paulo,
onde passa a quarentena ao lado
da mulher e de um neto. “Não
acho que ficaria interessante. Pa-
ra fazer de qualquer jeito, prefiro
não fazer”, diz. No entanto, quis
fazer a entrevista para a reporta-
gem por chamada de vídeo – e fez
praticamente uma minilive. Ne-
la, contou histórias, tocou violão
e cantou – abriu a chamada en-
toando os primeiros versos da
canção She, de Charles Azna-
vour, um de seus ídolos.
Grupos como MPB4 e Quarte-
to em Cy, também com limita-
ções para se reunir, tentam mar-

car presença na internet. O pri-
meiro resolveu a questão com
um vídeo no qual cada integran-
te gravou sua participação de ca-
sa e, depois, as vozes e os instru-
mentos foram juntados. Já Cyna-
ra Faria, uma das fundadoras do
Quarteto em Cy, cantou acompa-
nhada dos filhos, representando
o grupo.

Fazer ou não fazer? Os shows
presenciais ainda não têm previ-
são de volta. Mas, até lá, é impor-
tante o artista ficar em contato
com o público, por meio de lives?
“Quem não fizer live agora vai
perder financeiramente, mas a
pandemia vai passar e a história
de muitos artistas é mais forte do
que tudo isso”, acredita Thiago
Marques Luiz, referindo-se aos
veteranos.
Para Marcus Preto, os artistas
terão de repensar suas apresenta-
ções online, sob pena de cansar o
público. “Tem gente que está
apenas trabalhando, apresentan-
do seus sucessos. O formato vai
se desgastar.”
O produtor Ricky Bonadio,
que trabalhou com bandas como
Charlie Brown Jr e CPM22, diz
ser importante que o artista se
mantenha ativo – e os que são
“verdadeiros” se sairão melhor
diante da falta de uma grande
produção. “Esse momento deixa
claro quem é quem, quais artis-
tas são muitos produzidos e pro-
tegidos no palco e quais têm qua-
lidade musical de verdade.”

OS SEM-LIVE


NA


QUARENTENA


Determinados artistas, apesar do apelo de fãs,


preferem não aparecer online


JF DIORIO/ESTADÃO

Caderno 2


Spike Lee acerta contas com a História PÁG. H5


Bethânia. Ela não tem planos de se apresentar nas redes

ANDRE D. WAGNER/NYT

Luiz Ayrão. Falta de qualidade técnica é uma preocupação

Eliana Pittman. Para postar vídeos, um vizinho a ajuda Erasmo. Sem shows online, apesar de boa presença virtual


IARA MORSELLI /ESTADÃO

Elza. Cantora promete apresentação em seus 90 anos

“ESSE MOMENTO DEIXA


CLARO QUEM É QUEM;


QUAIS SÃO PRODUZIDOS E


QUAIS SÃO DE VERDADE”


“TEM GENTE QUE APENAS


APRESENTA SEUS


SUCESSOS. O FORMATO


SE DESGASTARÁ”


NILTON FUKUDA /ESTADÃO

Caetano. Incentivo a fazer lives vem de Paula Lavigne


MURILO ALVESSO PATRICK GOMES ANA OLIVEIRA

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