O Estado de São Paulo (2020-05-28)

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H8 Especial QUINTA-FEIRA, 28 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Tião Oliveira


Neste ano, pela primeira vez
desde que passou a fazer parte
do calendário regular da Fórmu-
la 1, em 1955, o Grande Prêmio
de Mônaco não foi realizado. A
prova no principado é uma das
mais charmosas do Campeona-
to Mundial e foi palco de fatos
históricos, como as estreias na
categoria da Ferrari, em 1950
(quando o circuito ainda era
usado esporadicamente), e de
uma mulher, em 1958.
O feito foi protagonizado pe-
la italiana Maria Teresa de Filip-
pis, que tinha então 32 anos.
Nascida em Nápoles, em uma
família muito rica, ela era con-
tratada pela Maserati.
A italiana não chegou a largar,
pois não conseguiu se classifi-
car para a prova. Assim como
outros 14 pilotos, entre os quais
estava Bernie Ecclestone, que
corria pela equipe Connaught-
Alta e nos anos 1970 passaria a
ser o chefão da F-1.
Curiosamente, a ligação de
Maria Teresa com o automobi-
lismo surgiu de uma aposta en-
tre seus dois irmãos. Um deles
dizia que ela só era boa em equi-
tação e o outro garantia que a
garota, então com 22 anos, seria
uma ótima piloto.
Aposta feita, Maria Teresa dis-
putou sua primeira corrida de
carro, a Salerno-Cava dei’ Tirre-
ni, na Itália, a bordo de um Fiat
500 de sua família. A estreante
terminou a prova na segunda
posição. Ela ficou fascinada pe-
lo universo das pistas e decidiu
que seria piloto.
Em 1954, após terminar o
Campeonato Italiano na vice-li-
derança, ela foi contratada pela
Maserati como piloto de testes.
A equipe pela qual Juan Manuel
Fangio conquistou seu quinto
título mundial da F-1, em 1957,
abraçou a ideia de ter uma mu-
lher defendendo seu escudo.
Na temporada de 1958, Maria
Teresa estreava como uma das
pilotos do time. Aliás, o carro
com o qual ela tentou a classifi-
cação para o GP de Mônaco era
o mesmo que havia sido pilota-
do pelo argentino na conquista
do pentacampeonato.
Em 6 de julho, a italiana foi
vítima de uma das mais nefas-
tas arbitrariedades da história
da competição. Embora tivesse
participado dos treinos, foi im-
pedida de disputar o GP da Fran-
ça pelo fato de ser mulher.
Diretor da prova, Toto Ro-
che, que também dirigiu a Fede-
ração Francesa de Automobilis-
mo, foi à coletiva de imprensa
antes da corrida levando uma
grande foto de Maria Teresa. Ao
informar que ela não participa-
ria da prova, ele mostrou a ima-
gem e disse: “Uma jovem tão bo-
nita como essa não deve usar
nenhum capacete a não ser o se-
cador do cabeleireiro.”
A italiana ficou furiosa. Em
uma entrevista ao jornal portu-
guês Público, em 2011, ela disse
que se estivesse à frente de To-
to o teria esmurrado. “Além dis-
so, creio que não sofri nenhum
tipo de preconceito, apenas sur-
presa com meu sucesso”, afir-
mou a italiana em uma outra en-


trevista – ao jornal britânico
The Guardian, em 2006.
Menos de dez dias depois ela
mostrava a que veio. Em 15 de
junho de 1958, a piloto italiana
obteve o melhor resultado de
sua curta carreira na Fórmula 1.
No GP da Bélgica, largou na
15ª posição e chegou na 10ª colo-
cação. Ficou à frente de estrelas
como o australiano Jack Brab-
ham e os britânicos Graham
Hill e Stirling Moss.
Na entrevista
ao The Guardian,
Maria Teresa dis-
se que teve dois
grandes ídolos
na F-1. Na época
em que corria,
ela era fã de Fan-
gio. Depois, pas-
sou a admirar Ayrton Senna.

Carreira. No total, Maria Tere-
sa tentou se classificar em cin-
co GPs, sendo quatro pela Mase-
rati e um pela alemã Porsche.
Mas só conseguiu pontos para
disputar três provas.
Uma delas foi o Grande Prê-
mio da Itália, em Monza, realiza-
do em setembro de 1958. Mas
ficou entre os retardatários.
Ainda assim, quando a prova foi

finalizada ela estava à frente de
Moss, Brabham e Carol Shelby.
Oito anos depois, o norte-
americano protagonizaria um
dos mais impressionantes fei-
tos da história do automobilis-
mo mundial. Shelby liderou o
desenvolvimento do Ford GT,
modelo que quebraria a hege-
monia da Ferrari na 24 Horas de
Le Mans. Na edição de 1966 da
mítica prova francesa de longa
duração, os Ford GT ficaram
com as três pri-
meiras posições.
Maria Teresa
parou de correr
em 1959. Ela dis-
se que o motivo
foi ter visto mui-
tos de seus ami-
gos morrendo
nas pistas, como Luigi Musso,
Peter Collins, Alfonso de Porta-
go e Mike Hawthorn.
No mesmo ano ela se casou
com Theo Huschek, com quem
teve uma filha. Em 1979, entrou
no Clube Internacional de Ex-
Pilotos de F-1. Em 1997, virou
presidente do Maserati Club.
A morte de Maria Teresa de
Filippis foi em 9 de janeiro de


  1. Tinha dois netos e mora-
    va perto de Milão, na Itália.


DE F-1


A PRIMEIRA


Em maio de 1958, Maria Teresa de Filippis estreava a bordo do


Maserati com o qual Fangio conquistara o pentacampeonato


JornaldoCarro


PILOTO


A


ndei caindo, ou caí andando.
Cara no chão, joelhos esfola-
dos, mas nada grave. Uma
das simpáticas enfermeiras que me
atenderam na emergência do hospi-
tal se chamava Verlaine. Só vi os
seus olhos, por cima da máscara.
Um dos efeitos colaterais dessa mal-
dita pandemia é que nos obrigou a
migrar, de uma civilização de rostos

inteiros para uma civilização só de
olhos. Os rostos perderam os recursos
de comunicação que tinham, como o
beicinho e o muxoxo e, principalmen-
te, o sorriso. Agora, os olhos precisam
fazer trabalho dobrado, o trabalho de
um rosto inteiro. A máscara nos rou-
bou o rosto. Não posso dizer nada so-
bre o sorriso da Verlaine. Mas foi dife-
rente ser atendido por uma enfermei-

ra com nome de poeta.
Não foi minha primeira queda adul-
ta, e não foi a primeira vez que ouvi a
sugestão de passar a andar com uma
bengala, para restabelecer o prumo per-
dido. Há quem diga que a bengala mais
atrapalha do que ajuda quem precisa
de uma terceira perna, e tropeçar na
própria bengala é uma ocorrência que
se repete, para divertimento geral. Ou-

tros dizem que a bengala não ajuda
nem atrapalha, é apenas uma maneira
de parecer inglês sem necessariamen-
te ser inglês, uma exigência desumana.
Existiriam tipos diferentes de cabos de
bengala, dependendo do tipo e do cará-
ter de quem as usa. Cabos com uma
forma sensual feminina proporciona-
riam aos cavalheiros o prazer de uma
bolina interminável, eximindo-o de bo-
linar sua mulher, ou cabos de guarda-
chuvas usados como bengalas – três uti-
lidades em uma! E, claro, cabos ocos,
com espaço para um bom conhaque.
Mas é preciso lembrar que, do jeito

que as coisas vão ou não vão no país,
estamos à beira de uma guerra civil.
O presidente Bolsonaro & Filhos já
anunciou que quer armar a popula-
ção brasileira para eliminar comu-
nistas como o kal7xp0t!! do João Do-
ria e tem sua própria polícia, o Pri-
meiro Filho Flávio Bolsonaro tem,
notoriamente, contatos com gente
da milícia, e o Exército brasileiro se
dedica ao seu papel constitucional,
que é o de mal governar o país en-
quanto os outros poderes se xingam
mutuamente. Nós precisamos ter la-
do nessa briga. Bengalas, gente!

Verissimo


LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE
ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

l]


ITALIANA VIROU


PILOTO POR CAUSA


DE UMA APOSTA


ENTRE SEUS IRMÃOS


Bengaladas


lArbitrariedade


Time de ponta.
Maria Teresa
começou na
Maserati como
piloto de testes FOTOS: ACZ/DIVULGAÇÃO

“Uma jovem tão bonita
como essa não deve usar
nenhum capacete a não ser
o secador do cabeleireiro.”


Toto Roche, DIRETOR DE
PROVA DO GP DA FRANÇA DE 1958
Respeito. Em entrevista, piloto disse que não costumava sofrer preconceito por ser mulher


Fugaz. Italiana participou de apenas 3 provas da categoria
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