O Estado de São Paulo (2020-05-28)

(Antfer) #1

%HermesFileInfo:A-8:20200528:


A8 Política QUINTA-FEIRA, 28 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


WILLIAM


WAACK


O


nde hoje mora o perigo para
Bolsonaro não é no Congres-
so, é no STF. E não é no in-
quérito que resultou das acusações
do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Mo-
ro ao sair do governo. É no inquérito
das fake news, também no Supre-
mo, que começou há mais de um
ano atirando nos “procuradores de
Curitiba” como principais suspei-
tos de articulações contra o STF e
acabou acertando no esquema bol-
sonarista de pressão e propaganda
que, suspeita-se, é articulado em
parte desde o Palácio do Planalto.
Não cabe aqui discutir todos os

aspectos jurídicos relacionados ao in-
quérito, que começou impondo cen-
sura a órgãos de imprensa (logo der-
rubada), corre em sigilo e transforma
o STF em investigador e juiz ao mes-
mo tempo. Integrantes da corte
acham que o tal inquérito virou uma
metralhadora giratória nas mãos do
ministro Alexandre de Moraes – o
mesmo se ouve na PGR, que foi con-
tra, depois a favor, e agora contra de
novo, mas são coisas que ninguém ad-
mite em público.
Em outras palavras, o mundo corre-
to jurídico acha o inquérito abominá-
vel, porém ainda mais abominável o

que representam as redes bolsonaris-
tas. Uma vez que essa ação dirigida pe-
lo Supremo tem como alvo quem se
organizou para destruir a instituciona-
lidade, o inquérito é amplo o suficiente
para, eventualmente, levar a uma acu-
sação política grave, além de criminal
contra seus alvos. Difícil de calcular
são as consequências do tipo de am-
biente que provoca.
Os alvos da vez são personalidades
das redes bolsonaristas, empresários
amigos do presidente e parlamentares
que o apoiam. Na lista figura também
um ministro, o da Educação, que deve-
rá ser ouvido pelo que disse na já céle-
bre reunião ministerial do dia 22 de
abril não no inquérito relacionado a
Moro, mas no inquérito das... fake
news contra o Supremo. No Legislati-
vo o mesmo inquérito do Supremo re-
força uma CPMI para apurar...fake
news nas eleições.
Outra voz que ganhou destaque nos
últimos dias, a do empresário Paulo
Marinho, ex-adepto convertido em ini-
migo do presidente, também deve ser
incluída no que o TSE tem investigado,
via corregedoria (considerada mais

contundente pelos especialistas) co-
mo abuso de poder econômico e políti-
co nas eleições de 2018, incluindo dis-
paros em massa de mensagens em re-
des sociais e, claro, fake news.
Por um lado, o empenho dos atingi-
dos por operações da PF deflagradas
por Alexandre de Moraes em caracteri-
zar os ministros do STF como meros
adversários políticos, fora o resto, vai
em boa parte ao encontro do que pen-
sam militares graúdos que manifes-
tam (tão somente nos bastidores) des-
contentamento com os rumos gerais
do governo, mas não escondem a fúria
com o que consideram ingerência inde-
vida do Judiciário nos negócios do Exe-
cutivo. A reação ao STF forja um tipo
de “união”.
Por outro, o que as redes bolsonaris-
tas em geral e o presidente em particu-
lar conseguiram com os sucessivos ata-
ques às pessoas dos ministros foi levar
o STF a uma inusitada convergência de
posturas entre ministros divididos por
querelas pessoais ou pelas sérias dúvi-
das quanto ao inquérito das fake news.
Em outras palavras, em que pesem as
divergências internas, a resposta do

STF tem sido mais institucional do
que “pessoal”.
Os ministros do STF reiteram
em uníssono que o Judiciário está
sendo atacado pelos que não acei-
tam fiscalização ou limitação de
poderes, não respeitam o pacto fe-
derativo, interferem em órgãos
do Estado (como Polícia e Receita
Federal) por motivos pessoais ou
políticos, agem contra a saúde pú-
blica ao desrespeitar critérios téc-
nicos e científicos no combate ao
coronavírus, desprezam a educa-
ção e mobilizam setores do eleito-
rado contra instituições como Le-
gislativo e Judiciário. Em resumo,
Jair Bolsonaro.
Nos bastidores do mundo do di-
reito em Brasília admite-se que não
surgiram até aqui evidências con-
tundentes para basear eventual de-
núncia da Procuradoria que “auto-
maticamente” encurtaria a perma-
nência de Jair no Planalto. Tal desfe-
cho só poderia surgir de um julga-
mento político no Congresso, reite-
ra-se. É exatamente o que um grupo
dentro do STF espera conseguir.

Jussara Soares
Julia Lindner / BRASÍLIA


Após uma reunião de emer-
gência no Palácio do Planal-
to, na tarde de ontem, o gover-
no discute agora detalhes de
um habeas corpus preventi-
vo para o ministro da Educa-
ção, Abraham Weintraub. In-
tegrante da ala ideológica do
governo, Weintraub foi con-
vocado pelo Supremo Tribu-
nal Federal para prestar de-
poimento na Polícia Federal
após dizer que, por ele, magis-
trados da Corte deveriam ser
presos. A estratégia de enfren-
tamento ao Supremo foi tra-
çada ontem pelo presidente
Jair Bolsonaro com o minis-
tro da Justiça, André Luiz
Mendonça, como reação do
Planalto depois da operação
da PF que atingiu blogueiros
e empresários bolsonaristas.
Weintraub disse, em reunião
ministerial do dia 22 de abril,
que, se dependesse dele, “bota-
va esses vagabundos todos na
cadeia, começando no STF”. O
ministro do Supremo Alexan-
dre de Moraes viu indícios de
práticas de delitos como difa-
mação, injúria e crime contra a
segurança nacional por parte
do titular da Educação e deu cin-
co dias para que ele preste de-
poimento à PF no âmbito do in-
quérito das fake news.
Trata-se da mesma investiga-
ção que ontem alvejou apoiado-
res de Bolsonaro. Ao chegar ao
Palácio da Alvorada, na noite de
ontem, Bolsonaro disse aos
apoiadores que trabalharia até
meia-noite com Mendonça. O
ministro da Advocacia-Geral
da União (AGU), Levi Mello,
também se juntaria a eles. “Es-
tou trazendo trabalho pra casa,
estou com o ministro da Justiça
para trabalhar até a meia-noite
para resolver alguns proble-
mas, tá ok?”, disse o presidente.
Segundo auxiliares de Bolso-
naro, a divulgação de uma nota
conjunta rechaçando a atuação
do STF, após mandados de bus-
ca e apreensão cumpridos on-
tem em endereços de pessoas
ligadas a Bolsonaro, também
continua sendo discutida no go-
verno. Além disso, não está des-
cartada uma “renomeação” de
Alexandre Ramagem, atual che-
fe da Agência Brasileira de Inte-
ligência (Abin), para a chefia da


Polícia Federal. Próximo da fa-
mília Bolsonaro, Ramagem foi
impedido de assumir o cargo
por uma liminar de Alexandre
de Moraes, o mesmo que con-
duz o inquérito das fake news
no Supremo.
A reunião no Planalto deba-
teu a recusa de Weintraub de
comparecer ao depoimento de-
terminado por Moraes para es-
clarecer ataques que fez a minis-
tros do STF. A proposta foi leva-
da pelo Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), comanda-
do pelo general Augusto Hele-
no Ribeiro, e discutida pelos mi-

nistros da área jurídica.
Durante o dia, Bolsonaro e mi-
nistros também analisaram a
possibilidade de ações indivi-
duais contra magistrados do Su-
premo por abuso de autorida-
de. Nos bastidores, auxiliares
do presidente disseram que in-
tegrantes da Corte “ultrapassa-
ram todos os limites”.
O Estadão apurou que, na
reunião de ontem, Bolsonaro
apresentou decisões do STF
que, em sua visão, representam
“excessos” da Corte. Na lista
consta a divulgação do vídeo da
reunião ministerial de 22 de
abril, determinada pelo decano
da Corte, Celso de Mello, no in-
quérito que apura a interferên-
cia do presidente na Polícia Fe-
deral. A acusação de ingerência
foi feita pelo ex-ministro da Jus-
tiça Sérgio Moro.
Nas redes sociais, Weintraub
comparou a operação de ontem
da PF a ações do regime nazista,
responsável pela morte de mi-
lhões de pessoas. Sobre os man-
datos de busca e apreensão na
casa de bolsonaristas, Wein-
traub disse que a data será lem-

brada como a “Noite dos Cris-
tais Brasileira”, que marcou um
período de agressões contra os
judeus em 1938.
“Hoje foi o dia da infâmia, ver-
gonha nacional, e será lembra-
do como a Noite dos Cristais
brasileira. Profanaram nossos
lares e estão nos sufocando. Sa-
bem o que a grande imprensa
oligarca/socialista dirá? Sieg
Heil!”, escreveu Weintraub. A
expressão Sieg Heil é uma sau-
dação nazista que significa “sal-
ve a vitória” ou “viva a vitória”,
usada frequentemente com a
saudação de Adolf Hitler.
O assessor especial da Presi-
dência Filipe Martins chegou a
compartilhar a publicação de
um blogueiro que foi alvo da ope-
ração da PF, dono do perfil Lets
Dex. Na mensagem, o bolsona-
rista pediu reação do presidente
Jair Bolsonaro à operação. “Sem-
pre farei tudo o que estiver ao
meu alcance, dentro e fora do
governo, para combater qual-
quer tentativa de criminalizar
opiniões, sejam elas quais fo-
rem. Defenderei a liberdade”,
escreveu Martins no Twitter.

Julia Lindner / BRASÍLIA


Ao abrir a sessão do plenário do
Supremo Tribunal Federal


(STF), ontem, o vice-presiden-
te Luiz Fux afirmou que a Corte
continua “vigilante contra qual-
quer forma de agressão à insti-
tuição”. A afirmação foi feita
dias depois da divulgação do ví-
deo da reunião ministerial de 22
de abril, na qual o ministro da
Educação, Abraham Wein-
traub, foi flagrado defendendo
a prisão de ministros do STF.
Fux destacou que ofender a

instituição representa “notório
desprezo pela democracia”. Ele
assumiu o comando do tribunal
durante o afastamento de Dias
Toffoli, internado desde sába-
do em hospital em Brasília. Ape-
sar dos recados contra ataques
ao Supremo, Fux também fez
um gesto de conciliação, ao di-
zer que “o diálogo entre os dife-
rentes faz parte do espírito de-
mocrático”.
O discurso ocorre horas de-
pois da operação deflagrada pe-
la Polícia Federal para cumprir
mandados de busca e apreen-
são no âmbito do inquérito do
STF que apura suspeitas de fake

news. Entre os alvos, estão alia-
dos do governo Jair Bolsonaro.
“Imbuído dessa ponderação,
este Supremo Tribunal Fede-

ral, no exercício de seu nobre
mister constitucional, trabalha
para que, onde houver hostilida-
de, construa-se respeito; onde
houver fragmentação, estabele-
ça-se diálogo; e onde houver an-
tagonismo, estimulem-se coo-
peração e harmonia”, disse Fux.
Ele também fez gesto de
apoio ao decano da Corte, mi-
nistro Celso de Mello, que tam-
bém foi alvo de ataques de inte-
grantes do governo e de seus
apoiadores nos últimos dias.
Na semana passada, Celso de
Mello determinou a divulgação
do vídeo da reunião na íntegra.
A gravação faz parte do inquéri-

to que apura a acusação do ex-
ministro da Justiça Sérgio Mo-
ro de que Bolsonaro tentou in-
terferir na Polícia Federal.
“Faço especial menção ao
nosso decano, ministro Celso
de Mello, líder incansável desta
Corte na concretização de tan-
tos direitos e garantias funda-
mentais dos cidadãos brasilei-
ros. Se hoje podemos usufruir
liberdades e igualdades dos
mais diversos tipos, sem nenhu-
ma dúvida isso se deve, em gran-
de medida, aos mais de 30 anos
de judicatura do ministro Celso
de Mello neste Tribunal”, afir-
mou Fux.

Para onde levam


os inquéritos


l’Infâmia’

Governo avalia habeas corpus preventivo para titular da Educação, convocado para depor sobre ameaças ao STF, e ações contra ministros


Supremo está vigilante lTrabalho


contra agressão, diz Fux


lSenado
O presidente
do Senado,
Davi Alcolum-
bre, criticou
ontem sites de
fake news:
“Contaminam
a sociedade”

“Hoje foi o dia da infâmia,
vergonha nacional, e será
lembrado como a Noite dos
Cristais brasileira.
Profanaram nossos lares e
estão nos sufocando. Sabem
o que a grande imprensa
oligarca/socialista dirá?
SIEG HEIL.”
Abraham Weitraub
MINISTRO DA EDUCAÇÃO

O resultado prático


deste inquérito


é três vezes zero


O


Supremo Tribunal Federal, co-
mo se sabe, abriu em março do
ano passado uma investigação
para apurar possíveis delitos – e os cul-
pados por eles – na divulgação de “fake
news” que têm ou teriam ocorrido con-
tra o próprio STF, seus integrantes e
membros de suas famílias. É uma des-
sas coisas que começou no escuro e ca-
minha em direção ao escuro. Sua mani-
festação mais ruidosa acaba de aconte-
cer com a realização de cerca de 30 bus-
cas e apreensões, executadas por agen-
tes da PF numa inédita missão a serviço
do Supremo. Os alvos foram editores de
blogs pró-governo e anti-STF, indiví-
duos diversos e oito deputados no exer-
cício dos seus mandatos, seis deles fede-
rais. Pode isso?
Não foi uma decisão dos 11 ministros
que compõem o plenário do tribunal.
Quem resolveu assim foi o presidente
do STF, Dias Toffoli, e desde o início o
Ministério Público foi contra. O STF,
segundo entendia o MP de então, não
tinha o direito de abrir e operar uma in-
vestigação de crimes supostamente co-
metidos contra ele mesmo – ou, na ver-
dade, contra ninguém. Muitos dos mais
respeitados juristas brasileiros têm exa-
tamente a mesma posição. Mas por uma
dessas coisas que tornam o Brasil, com
frequência, um país incompreensível, a
PGR mudou de opinião e começou a
achar que o procedimento era legal,
sim, desde que o presidente Jair Bolso-
naro nomeou o novo e atual chefe, Au-
gusto Aras. Como assim?
O ministro Luís Roberto Barroso ti-
nha dito, dois dias antes, que o STF é
quem garante a manutenção da demo-
cracia no Brasil, e as críticas a ele são
livres – o que não se pode é deixar de
cumprir as suas decisões. Onde se encai-
xa, então, o rapa de hoje? Se as críticas
são realmente livres, por que as apreen-
sões de celulares e outros atos de repres-
são contra editores de blogs e, mais que
isso, seis deputados federais, que fazem
parte de um Poder independente?
O resultado prático de todo esse som
e fúria vai ser três vezes zero: ninguém
vai para a cadeia, nenhum deputado se-
rá cassado e não haverá órgãos de im-
prensa proibidos de funcionar.

]
ANÁLISE: J. R. Guzzo

MARCOS CORRÊA/PR

Planalto discute enfrentamento à Corte


Escudo. Presidente Jair Bolsonaro avalia ações na Justiça para evitar o constrangimento de aliados

“Este Supremo Tribunal
Federal, trabalha para que,
onde houver hostilidade,
construa-se respeito; onde
houver fragmentação,
estabeleça-se diálogo; e
onde houver antagonismo,
estimulem-se cooperação.”
Luiz Fux
VICE-PRESIDENTE DO STF

Presidente interino


afirma que ataques


à Corte representam


‘notório desprezo


pela democracia’

Free download pdf