Valor Econômico (2020-05-28)

(Antfer) #1

JornalValor--- Página 17 da edição"28/05/2020 1a CAD A" ---- Impressapor rcalheiros às 27/05/2020@19:20:


Quinta-feira, 28 de maiode 2020|Valor| A

O drama da sustentabilidade


Discussãoétãourgentequantocombaterovírus.PorMarcos Pereze GabrielGalipolo


“Em realidade,


representama


divulgação de


opiniões e visões


de mundo,


protegidas pela


liberdade de


expressão”.
DeAugusto Aras, daPGR, aopedir a
suspensão deinquérito defakenews

José Eli da Veiga


Sociedades civisdevem
pressionar para que a
sustentabilidade deixe
de ser um acessório,ou
um mero enfeite

A


pandemia talvezcom-
portealgumincentivo
aque se evitemanter
debaixo do tapete a
maiordas dúvidas do séculoXXI:
se os atuaispadrõessocioeconô-
micospoderãocontinuaracoe-
xistir com a biosfera.Não foi por
outrarazãoqueemergiu,háqua-
se trintaanos,o novovalorque é
asustentabilidade.
Todavia, omais provável éque
as instânciasde governança glo-
bal maisgraúdas —como o G-
ou aAssembleiaGeralda ONU—
continuem a agir sem realmente
levarasério agrande dúvidado
século. Pois os agentesque as in-
fluenciamtendem a ser os últi-
mos da fila entreos que chegam
a se sensibilizar com este tipo de
aflição.Além disto,não há moti-
vo paraqualquerotimismo em
contextomundialultrabipolar,
espéciede segunda GuerraFria,

em que os governosdos EUA eda
Chinadisputam outrogênerode
pioneirismo. Para ambos,a tran-
siçãoenergéticadas fósseis às re-
nováveis é muitomenosrelevan-
te que anova corridapara aLua,
por exemplo. Circunstância em
que iniciativasnos âmbitos das
grandes convençõesinternacio-
nais dos anos 1990 —principal-
menteas do climae da biodiver-
sidade—têm relesinteresse se
comparadas aos seus atritosdi-
plomáticosnaOMCounaOMS.
Ao mesmotempo, esta inevitá-
velinérciadadesgovernançamun-
dial da sustentabilidadenão deve
impedir que sociedadescivis, em
maisde 190 nações,exerçamlegí-
tima pressão,especialmente sobre
osmuitosentessubnacionais,para
aumentar as chances de que a sus-
tentabilidade deixe de ser um
acessório,quando não mero enfei-
te. Para tanto,certamente contri-
bui a vigência da Agenda 2030,
comseusdezesseteODS(Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável).
Porém, ela só poderá cumpriro re-
levante papelinstitucional de
abrir caminhos na direçãode tão
nobresobjetivos, se —além de o
mundoevitaracidentenuclear —
consiga acelerar o ritmoem que
vêm surgindo as maisinfluentes
inovaçõestecnológicas. Asusten-
tabilidadevai dependeressencial-
mente da velocidadecom que sur-

ja um próximo padrão energético,
capaz de favorecer o retornode ra-
zoávelcooperaçãointernacional.
Recorrendoa uma metáfora,é
comose Sísifo não estivesseape-
nas condenadoarepetireterna-
mente a tarefade empurrara
pedraaté o topoda montanha,
mastambéma executá-lacom
crescente rapidez.Eéaprópria
história, natural e socioeconô-
mica,que mostraoquantoahu-
manidadeestá obrigadaa ser ca-
da vez maiságil em inovar.Sem
isso,com certezajá teriasucum-
bido à profecia malthusiana,
não apenasno quesitoalimenta-
ção,mas também no âmbito
energéticoe nos de muitosou-
tros recursosnaturais.

mos,cidades,economiaseem-
presas”.Taléoextensosubtítulo
de seu prodigioso livro Scale,pu-
blicado, em 2017,pela Penguin
(R$ 30 no kindle).Mostracomo
foramficandocada vez maiscur-
tos os intervalosentreas vinte
maisimportantesinovaçõessur-
gidas,desdeoaparecimentoda
vida até a invençãodo computa-
dor pessoal.Das quais,maisda
metadeprecederam o processo
civilizador.
Semumaúnicaequação em
481 páginas,aobra conseguede-
monstraraexistênciade surpre-
endentes regularidadese simila-
ridades entreinúmerosfenôme-
nos biológicosesocioeconômi-
cos, principalmentereferentesàs
“leis de escala”, aorigem, tanto
dateoriametabólicadaecologia,
quantoda alometria,ramoda
biologia.Embora oautor tenha
inicialmentetrabalhadocom fí-
sica quântica,no célebrelabora-
tórioLosAlamos,foialipertinho,
no InstitutoSantaFé, que,nos
anos1990,se juntoua dois ex-
poentes da macroecologia —Ja-
mesH.BrowneBrianJ.Enquist—
paradesenvolverpesquisas de
fronteirasobresistemascomple-
xos, tantobiológicosquantoso-
cioeconômicos.
Do sistemaimune ao mercado
global,passandopor um cérebro
ou por um formigueiro, não fal-

Mas,muitaatenção!Nãose
tratade conjectura, esim de pre-
ciosasmedições matemáticases-
tampadasnas 81 figurascom
que o físico teórico Geoffrey
West ilustrousuas tesessobre“as
leis universaisdo crescimento,
da inovação,da sustentabilidade
e do ritmode vida em organis-

O


Brasilprecisa de uma
agendaclarapara a re-
tomadado crescimen-
toeconômiconoperío-
do pós-pandemia de covid-19.
Esta agendadependede um ma-
nejo sobreo papeldo Estadona
economiaeaindanão está na
mesa.Precisamosdiscuti-lacom
omesmosentidode urgênciae
solidariedadesocialcom o qual
tentamoscomprarventiladores,
EPIsecombaterovírus.
Por um conjuntoextensode
fatos,nos últimosanosoBrasil
consumiupartede suasforças
produtivas no debate público
que polarizou Estadoe mercado
em um antagonismo radical,
possível de existir apenas no
campoimaginárioecaricatural.
OEstadosempreatuouesem-
pre atuará na economia. Até
mesmoquando, por exemplo,
executaum programade privati-
zação (que constituiria, para
muitos,a extinçãoda interven-
ção estatalna economia), há por
trazdissoumapolíticapública.
Podeparecercontraditório,mas
contratosde concessãoou PPPs
podem proporcionarmelhores in-
centivos à iniciativa privada para o
alcance do interesse público. Ao
atribuir ao concessionário a res-
ponsabilidade não só pela cons-
trução,mas tambémpela manu-
tenção e operação do ativo, ocon-
tratotendeaimpor maiorzelo
quanto sua qualidade efunciona-
lidade. Mais uma vez temos políti-
ca pública, seja na fixação dosob-
jetivos desseprograma,seja na re-
gulação ou no fomentodas ativi-
dadesempresariais.
Na prática a economia e a so-
ciedade são constituídas por Es-
tado e mercado. Os discursos de
ocasião por vezesdissimulames-
sa realidade, atentosemvendero
pão quente da ocasião, seja para
segmentos maisideológicos, seja
paraquemacreditaoufingeacre-
ditaremdogmaseconômicos.
Apandemiadacovid-19tendea
gerar efeitoseconômicos muito
perversosno curto,médio e longo
prazos, se os governos não reagi-
rem e passarem, desdelogo, adia-
logarcomasociedade,comomer-
cadoe, ao cabodesseprocesso, to-
marem decisões claras sobreme-
didas que incrementem o desen-
volvimentoeconômicoesocial.
Apósocrashdabolsaem1929,
os Estados Unidos ingressam nos
anos 1930 comsua taxa de de-
sempregosuperiora22%.Naelei-
ção de 1932se estabeleceuode-
bate entre a cautela e paciência
para superação da crise, repre-
sentada pelo presidente Herbert
Hoover,eum “novo acordo”pro-

tam exemplosanálogosem que
amplasredesauto-organizadas
fazememergir—mediantesim-
ples esquemas operacionais e
sem qualquer controle central—
sofisticadoscomportamentos e
tratamentode informações.Ea
maior partede tais conjuntos
tambémtemcapacidadeadapta-
tiva, seja por evolução, comopor
aprendizado.
Issotudosópodeparecermui-
to bizarroà esmagadora maioria
dos que lidamcom o dramada
sustentabilidade,poistodoscon-
tinuamosvítimasdapesadainér-
cia disciplinar,estejamosrefle-
tindoem instituiçõesde pesqui-
sa, ou coma mãona massaem
empresase terceirosetor. Daí a
importânciade que se tomeco-
nhecimentodos resultadosobti-
dos em um quartode séculode
esforços transdisciplinares.
GeoffreyWest tambémnos lem-
bra de umaentrevista em que
perguntaram a seu saudosocole-
ga StephenHawkingse este não
seriaoséculodabiologia,domo-
do em que o anteriorfoi o da físi-
ca. Aresposta não poderiater si-
do maisdiretae concisa:“Seráo
séculodacomplexidade”.

JoséElidaVeiga,professorsêniordo
Instituto de EstudosAvançadosda USP,
mantémdois sites: http://www.zeeli.pro.br e
http://www.sustentaculos.pro.br

posto por Franklin Roosevelt. O
“New Deal”de Roosevelt,vence-
dor,alterouopanoramadasocie-
dade e da economia americana.
Alémde avanços institucionais
no terreno da regulação econô-
mica, na infraestruturaoprogra-
ma alcançouaproximadamente
70 mil quilômetros de rodovias,
1,6 milquilômetros de hidrovias,
238 aeroportos, 7represas, 800
parques,3bilhões deárvores
plantadas e4milescolas cons-
truídasoureformadas.
Os anos 1930 nos EstadosUni-
dos narrama históriade uma na-
ção lutandopela sua sobrevivên-
cia edo pragmatismodo “New
Deal” aderrotaros outros"is-
mos"dodebateideológico.
NoBrasildehojetambéméne-
cessárioque sejamos pragmáti-
cos.Nainfraestrutura,setoresco-
mo saneamento, energiae trans-
portes,entreoutros,podem,em
curtoe médioprazos,gerarmais
riqueza, maisrendapara os tra-
balhadores, ganhosde produti-
vidadeemaiorbem-estarsocial.
Nessessetores,um conjunto
de medidasvoltadaao cresci-
mentodevepriorizar:
● a geração de recursos, por
meiodeemissão de moedaede
títulospúblicos;
● ummarcojurídicoparaa

renegociação dos contratos mais
afetados;
● acriação de licitaçõessim-
plificadas, por meiode pré-qua-
lificaçãoeprocessosdialogados;
● a aceleração na elaboração
deprojetosdeengenharia;
● um programa extenso esus-
tentávelde financiamentodesses
empreendimentos no curto prazo,
capaz de articular crédito público
e privado,buscando maiorpartici-
pação deste último no médio pra-
zo, especialmentena fase de ope-
raçãodessesempreendimentos;
● um programa simplificado
de garantias (umprograma de
aval da União para garantir con-
cessões dos entes subnacionais),
lastreado por risco soberano, co-
moformadetornaratrativospro-
jetos intensivos em capital ede
longo prazo de maturação em
um ambientede extrema eleva-
çãonapreferênciapelaliquideze
● a criaçãode normas que fa-
cilitemaremessade dinheiroda
Uniãopara essesentese, por fim,
que desburocratizea emissãode
títulospúblicos pelosentessub-
nacionais que reúnamas condi-
çõesparatanto.
Na indústriaaprioridadedeve
se dar em setoresque atraemno-
vas tecnologias, que possamem
curtoprazogerarimpactos so-

ciais e ambientaispositivos.A in-
dústriabrasileiraapresenta sua
menorparticipaçãono PIB desde
1947.Adisputaglobalpeloespa-
çomanufatureirodemandacola-
boraçãocom todosos setoresin-
dustriaisna exploraçãode novas
tecnologiasemanejona transi-
ção para o sistemaindustrial in-
teligente,aIndústria4.0.
Experiênciasinternacionaissuge-
rem ao Estado opapeldecoordena-
ção eintegração entreacademia e
setorprivadoem Pesquisae Desen-
volvimento,estabelecendometasde
elevação da participação da indús-
tria na economiaenasexportações;
aformulação de políticas compen-
satórias aos efeitosda automação e
substituiçãodamãodeobraeatran-
siçãoparaumaeconomiaverde.
Imaginem um programa de
substituição da frota de cami-
nhõesoudeônibusnasgrandesci-
dades brasileiras, por veículos que
utilizembaterias elétricas. O pro-
grama pode gerar empregos,re-
qualificar oparqueindustrial au-
tomobilístico,ativar setores da
pesquisa universitária ede quebra
reduziremissões de poluentes na
atmosfera. Este é só um exemplo
entre vários setores que poderiam
ser diretamente estimulados, uma
vez que agregamfatores como:
utilização de base industrial exis-
tente; qualificação da mão de
obra;incorporação de novastec-
nologias e geração de externalida-
des positivasparaodesenvolvi-
mentohumano.
Em2017osEUAcriaraminstitu-
tos de inovação em manufatura —
são “parcerias público-privadas”,
cada um com seu distinto focotec-
nológico.O“Manufacturing USA”
operaem parceria com o Departa-
mentode Defesa,oDepartamento
de Energia,aNasa,aFundação Na-
cional de Ciência,oD epartamento
de Educação e oDepartamento de
Agricultura. O programa europeu,
batizado de “Factoriesof the Futu-
re”, também usa omodelo de par-
ceriapúblico-privada.
Em suma, há soluções. Mas é
preciso priorizareplanejar de
modo transparente. Eénecessá-
rio que isso sejafeito logo, senão
não haveráagenda aexecutar na
pós-pandemia eficaremosperdi-
dosentreosdiscursosliberalees-
tatista vazios,sem perceber quea
realidadeexigepactoecoordena-
ção entre a atuação do Estado,do
mercadoedasociedade.

MarcosAugustoPerezé professorda
Faculdadede Direito da USPe Sóciode
Manesco,Ramires, Perez, Azevedo
Marques.
GabrielGalipoloé economistae
presidente do BancoFator.

Cartasde


Leitores


A retomada no pós-pandemia


Frase do dia


Vácuona liderança
Gostariadeparabenizaroedi-
tor-executivoPedroCafardopela
ótimareflexãofeitanoartigo
“Elepoderiapelomenosderra-
marumalágrima”,publicadona
edição26/5.Éumtextoessencial
parachamarnossaatençãopara
estemomentodesafiadorquevi-
vemos.Ovácuodeumalideran-
çasérianaPresidênciatemcus-
tadovidaseoportunidadesco-
mofoimuitobemcolocado.
ArnaldoJardim
Deputadofederal e líderdo Cidadania
na Câmara dos Deputados

Marcha à ré
Quandojulgávamosqueasdéca-
dasperdidasseriamtristesfatos
deumpassadoe,finalmente,esta-
ríamosnospreparandoparain-
gressarnumcírculovirtuoso,alei-
turadoartigodoeconomistaNil-
sonTeixeira,noValordeontem,
27/5/2020(A11),jogaumbaldede
águafria,principalmenteaocons-
tatarquenossoPIBrecuarácerca
de1%naatualdécadae,emter-
mosdepercapita,maisde9%com
relaçãoa2010.Alinhaosdiversos
motivosdessatristeperformance,
especialmenteassociadaàco-
vid-19,àmágestãodaspolíticas
públicasemváriasfrentesegover-
noseàbaixaprodutividadedos
trabalhadores,emfunçãodadefi-
ciêncianaeducação.Resumindo,
aoinvésdeavançarmosnessadé-
cada,houveumamarchaàré.
DirceuLuiz Natal
[email protected]

Brasil sembússola
“Brasilsaidoradardoinvestidor
estrangeiro”.Essafoiamanchete
doValordeontem(27/5,quar-
ta-feira),sugeremais:expressouo
insigneprofessorCelsoLáfer,em
entrevistatelevisiva,que,passada
acrise,aindahaverá—infelizmen-
te—adualidadeopostadedois
segmentosinternacionais,um
que,sensibilizadopelosofrimen-
to,proporáumcapitalismosoli-
dárioesocial;outroquetrataráde
reforçarsuasfronteiras,evitarpa-
rasinovosvírusedeixaraoléudas
desgraçasosoutrospovos.
Eaconclusãomelancólica:o
Brasil,cujafederaçãoestácarco-
midapelacolisãopolíticaentrea
UniãodestrambelhadaeosEsta-
dos-membros,incerto,duvido-
so,perdidonumacaçamba,não
sesentaráemnenhumadasme-
sas,daspontesoudosmuros.
AmadeuGarrido
[email protected]

Cartãoilimitado
Asautoridadesprecisamexplicar
odestinododinheiropúblicopa-
raoscontribuintes.Afaturado
cartãodecréditodopresidenteda
República,porexemplo,precisa
sertransparente.Osbrasileiros
têmodireitodesaberquaisforam
ositenscompradoscomocartão
deBolsonaro,quetotalizouR$1,
milhãonoúltimomês.Nãoconse-
guimoscompreenderomotivo
peloqualopresidentedoBrasil
temcréditoilimitadoemseucar-
tão,enquantoostrabalhadores
sãoobrigadosaseadaptaraosal-
tíssimosimpostoscobrados.
JoséCarlosSaraiva daCosta
[email protected]

É precisoplanejarde
modotransparentelogo
ou não haverá agendaa
executarpós-pandemiae
ficaremosperdidosentre
os discursosliberal e
estatista vazios,sem
perceberque a realidade
exige pacto e
coordenaçãoentre a
atuaçãodo Estado,do
mercadoe da sociedade

Opinião


Correspondênciaspara
Av. 9 de Julho,5229 - Jardim
Paulista- CEP01407-907 - São
Paulo - SP, ou para
[email protected],comnome,
endereço e telefone. Os textos
poderãoser editados.

.

VAI CORINTHIANSSSSSSSSS

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