O Estado de São Paulo (2020-05-29)

(Antfer) #1

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B6 Economia SEXTA-FEIRA, 29 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


ENTREVISTA


Mônica Scaramuzzo


As declarações do ministro


do Meio Ambiente, Ricardo


Salles, na reunião ministerial


do 22 de abril, que veio a pú-


blico na semana passada, pro-


vocou um racha em uma das


principais entidades ruralis-


tas do País.


No encontro ministerial,


Salles disse ao presidente


Jair Bolsonaro que “precisa


haver um esforço (...) enquan-


to estamos nesse período de


tranquilidade no aspecto de


cobertura de imprensa, foca-


da na covid-19, e ir passando


a boiada e mudando o regra-


mento e simplificando nor-


mas”.


A declaração do ministro


provocou fortes reações de


ambientalistas, que se mani-


festaram publicamente a fa-


vor da saída de Salles do go-


verno. Ao mesmo tempo, vá-


rias entidades de classes se


posicionaram favoráveis ao


Ministério do Meio Ambien-


te, reforçando que “a burocra-


cia também devasta”.


Contrariado com o posicio-


namento de apoio da Socieda-


de Rural Brasileira (SRB) ao


ministro Salles, Pedro de Ca-


margo Neto, vice-presidente


da entidade, renunciou ao


seu posto. “Pretender usar o


momento de dor e mesmo pâ-


nico na saúde pública para


aprovar medidas contra a bu-


rocracia fere meus princí-


pios”, disse Camargo Neto,


que presidiu a entidade nos


anos 90 e se mantinha no co-


legiado até o dia 25 de maio.


Camargo Neto também fez


parte do Ministério da Agri-


cultura na gestão de Fernan-


do Henrique Cardoso. A se-


guir, os principais trechos da


entrevista.


lO sr. é uma das principais lide-


ranças do agronegócio do País.


Por que decidiu sair da SRB?


A SRB é um microcosmo do


Brasil. Sempre tivemos, e é


bom que assim seja, as diver-


sas tendências político-parti-


dárias e mesmo ideológicas.


Saí pela questão ética. Fui


contra assinar o anúncio de


apoio ao Ministério do Meio


Ambiente que entendo ser


equivocado e que fere meus


princípios. Pretender usar o


momento de dor e mesmo pâ-


nico na saúde pública para


aprovar medidas contra a bu-


rocracia fere meus princí-


pios. O debate e a participa-


ção da sociedade são essen-


ciais. Burocracia em excesso


atrapalha o desenvolvimento,


empobrece a população. Te-


mos avançado muito pouco.


lO agronegócio vive uma dicoto-


mia. Por um lado, o setor vai fe-


char o ano com aumento do fatu-


ramento, atingindo valores recor-


des. Por outro lado, enfrenta uma


crise ambiental sem preceden-


tes, desde o ano passado, provo-


cada pelos incêndios na Amazô-


nia. Como o sr. avalia essa ques-


tão?


Tudo indica que cresceu o


desmatamento ilegal cujo


maior problema são o garim-


po e o comércio madeireiro


ilegal, não a agropecuária le-


galmente estabelecida. Os


ambientalistas, porém, colo-


cam seu foco contra o agrone-


gócio e continua sendo fácil


explorar e exportar madeira


ilegal.


lO setor voltou ao olho do fura-


cão com as declarações do minis-


tro do Meio Ambiente, Ricardo


Salles, ao afirmar na reunião do


dia 22 de abril que o governo de-


veria ‘passar a boiada’ e aprovar


normas ambientais em meio à


pandemia. O agronegócio é a fa-


vor do ministro?


Seu discurso forte agrada a


muitos. O que precisamos,


contudo, não é discurso. Esta-


mos retrocedendo na ques-


tão ambiental. São medidas


concretas que não ocorre-


ram. A atual polarização difi-


culta ainda mais. A MP 910


da regularização fundiária pa-


ra o pequeno e o médio pro-


dutor esquecido na Amazô-


nia, que os ambientalistas


chamam de MP da grilagem,


não foi aprovada por causa


da polarização. O avanço que


representou o Código Flores-


tal vem sendo crescentemen-


te contestado.


lAs lideranças do agronegócio


estão totalmente alinhadas ao


Ministério do Meio Ambiente?


Respondo por mim.


lO setor teve a imagem arranha-


da no ano passado por conta dos


incêndios. Há risco de o País pio-


rar a sua imagem por conta das


declarações do ministro Ricardo


Salles?


Certamente não ajuda.


lComo essas questões delica-


das deveriam ser conduzidas?


Antes de mais nada, sem pola-


rização. Com diálogo e respei-


to podemos avançar. Quando


fui presidente da SRB, em


1991, publicamos uma carti-


lha com o título “Valorize


sua propriedade. Preserve o


meio ambiente” antecipando


a Rio Eco 92. Atacar tudo e to-


dos facilita os que atuam de


maneira ilegal. Precisamos se-


parar o joio do trigo.


lComo o setor avalia as novas


demarcações de terras indíge-


nas?


A Constituição de 1988 am-


pliou justamente os direitos


dos indígenas. Precisam ser


apoiados, saúde e educação


no mínimo, valorizados em


sua cultura, protegidos em


suas terras. O julgamento no


Supremo Tribunal Federal do


épico caso da reserva Raposa


do Sol, em Roraima, incluiu a


jurisprudência chamada mar-


co temporal. As populações


indígenas têm o direito das


áreas em que estavam em



  1. Ampliar além disso ago-


ra confronta seu vizinho, ou-


tro brasileiro, que está lá na


área há 50 anos e mesmo 100


anos, com seu título de pro-


priedade regular. Precisamos


é pacificar respeitando direi-


tos constituídos de ambos os


lados.


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lPonto de vista


‘Retrocedemos na questão ambiental’


‘Não vislumbramos nada que seja pior do que agora’, diz presidente da Gol. Pág. B8}


Cenas de desgoverno


l]


ROGÉRIO L. FURQUIM


WERNECK


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Vendo 1alq. Tr. (19)99755-


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COMUNICADO FURTO


DE DOCUMENTOS
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hoje que foram furtados dados de
computador do declarante,Gabriel
Antonio Soares Freire Junior, inclu-
sive cópias digitais do RG, CNH, CPF
e comprovante de residência do
Declarante.


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“Pretender usar o


momento de dor e mesmo


pânico na saúde pública


para aprovar medidas


contra a burocracia fere


meus princípios.”


“Fui contra assinar o


anúncio de apoio ao


Ministério do Meio


Ambiente que entendo


ser equivocado e


que fere meus princípios.”


A Constituição de 1988


ampliou justamente os


direitos dos indígenas.


Precisam ser apoiados,


saúde e educação


no mínimo,


valorizados em


sua cultura, protegidos


em suas terras.”


PEDRO DE CAMARGO NETO/ACERVO PESSOAL

De fora. Imagem do Brasil está arranhada, diz Camargo


Camargo Neto deixa


vice-presidência da SRB


por discordar do apoio


da associação ao


ministro Ricardo Salles


Pedro de Camargo Neto, agricultor e ex-vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB)


É


impossível ver o vídeo da fatídi-


ca reunião ministerial de 22 de


abril sem ser tomado por avas-


saladora apreensão com a forma co-


mo o País vem sendo governado. Ca-


lam fundo não só os gritos, como os


silêncios. Entre muitas outras barbari-


dades, o presidente da República con-


fessou aos brados, com todas as letras,


para quem quisesse ouvir, que está os-


tensivamente empenhado em levar


adiante um projeto com o objetivo de-


liberado de “armar o povo” para que


possa confrontar autoridades consti-


tuídas dos governos subnacionais.


Já houve tempo – e não me refiro às


duas décadas de regime militar – em


que tal confissão faria soar todos os alar-


mes nas Forças Armadas. Não foi o que


se viu. Nenhum dos muitos oficiais-gene-


rais presentes na reunião sequer piscou.


Mas o que de fato importa, no caso, é o


que o Supremo e a Procuradoria-Geral


da República terão a dizer sobre tão desa-


fortunada confissão. Acuado como está,


o presidente não perde oportunidade de


se encalacrar cada vez mais.


Teria sido menos deprimente se os par-


ticipantes da reunião tivessem se limita-


do a não contestar os acessos de primiti-


vismo de Bolsonaro. Mas o que se viu foi


um torneio de capachismo, em que mi-


nistros e outras autoridades presentes


se revezavam em louvores aos despro-


pósitos vociferados pelo presidente,


sem descuidar do estilo primitivo que pa-


recia ser de uso protocolar na reunião.


Afora uma intervenção curta e anódi-


na do ministro 02 da Saúde, pouco se


ouviu sobre a pandemia, a não ser diatri-


bes impublicáveis contra governadores


e prefeitos, trovejadas por um presiden-


te inconformado com as limitações que


lhe são impostas pelos preceitos consti-


tucionais de uma República federativa.


Nesse ambiente carregado, o ministro


da Economia fez o que pôde para tentar


dar seu recado, com amplo uso da cota


de excessos verbais que lhe cabia na reu-


nião. Arguiu que, por abalado que tenha


sido pela crise, o governo não tinha perdi-


do a bússola. E que, se souber retomar o


trilho da política econômica, tão logo a


pandemia esteja sob controle, o País sur-


preenderá o mundo. E a reeleição do pre-


sidente estará assegurada.


O problema é que, na bússola de Bolso-


naro, o único rumo a seguir passou a ser


o da resistência ao impeachment. E, co-


mo bem mostrou a reunião, boa parte do


governo e de seus novos aliados no Con-


gresso anda fascinada com a possibilida-


de de acelerar a recuperação da econo-


mia com a adoção de políticas nacional-


desenvolvimentistas.


Não há autoengano que resolva. É im-


possível não perceber quão gritante é a


desproporção entre a enormidade dos


desafios com que o País se defronta e as


acanhadas possibilidades de atuação efi-


caz da cúpula do governo, cruamente


desnudadas pelo vídeo da reunião de 22


de abril, em Brasília.


Questão de múltipla escolha: imagi-


ne que você esteja entre os 210 passagei-


ros de um voo intercontinental e, em ple-


na travessia do Atlântico, o avião seja co-


lhido por uma tempestade perfeita – a


maior em 100 anos, surgida do nada, pa-


ra grande surpresa dos meteorologistas.


Atribulada com o enfrentamento da tem-


pestade e a tranquilização dos passagei-


ros, a tripulação começa a se dar conta de


que o comandante parece estar fora de


si, gritando frases desconexas, alheio à


gravidade da situação e, o que é pior, in-


sistindo em manobrar o avião com alar-


mante imprudência, ao arrepio do que,


em circunstâncias tão adversas, suge-


rem regras elementares de condução da


aeronave.


Responda para você mesmo: o que


deveria fazer a tripulação?



  1. Nada, porque é ao comandante, e


só a ele, que cabe a escolha da melhor


forma de enfrentar a tempestade;



  1. Esperar que o avião atravesse a


tempestade e reavaliar a situação;



  1. Esperar que o avião chegue a seu


destino e avaliar se seria o caso de rela-


tar o ocorrido à ouvidoria da empresa,


com a discrição cabível;



  1. Afastar o comandante da cabine


de comando, tão logo quanto possí-


vel, para que o copiloto possa assumir


pleno controle da aeronave em situa-


ção tão crítica;



  1. Prefiro não responder, nem para


mim mesmo;



  1. Não tenho tempo a perder com


questão tão idiota.


]


ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDA-


DE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO


DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO


Opinião

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