O Estado de São Paulo (2020-05-29)

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B8 Economia SEXTA-FEIRA, 29 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


PEDRO


DORIA


O presidente americano Donald


Trump está atacado. As pesquisas


eleitorais não lhe têm sido gentis. E,


atacado como anda esses dias,


Trump é sempre igual: tira do nada


as teorias mais mirabolantes, inven-


ta o quanto pode e se vê sempre de-


sempenhando ao mesmo tempo os


dois papéis habituais – o de vítima e


o de herói, simultaneamente. Até


lembra alguém que conhecemos.


Dentre as vítimas dos arroubos de


Trump, desta vez, está um ex-depu-


tado, hoje âncora de TV, que o presi-


dente acusa de assassinato. Provas?


Nada. Nem indícios. Outra vítima é


o Twitter. Afinal, a rede social come-


çou a indicar quando informações mui-


to distribuídas estão erradas. E marca


mesmo quando o tuíte falso vem de


quem ora vive na Casa Branca.


Os tuítes problemáticos foram dois,


ambos sobre o mesmo assunto. Em


um, publicado na terça-feira, Trump


afirmou que cédulas enviadas por cor-


reio serão “substancialmente fraudu-


lentas”. Essa é uma briga política por


lá. Se a pandemia continuar, alguns Es-


tados americanos cogitam incentivar


o voto por correio nas eleições presi-


denciais. Trump está convencido de


que, nessa modalidade, haverá muito


mais democratas do que republicanos


participando. Há outras opiniões. Mas


“fraudulentas” é, no mínimo, hipérbo-


le. Certamente uma afirmação sem ne-


nhuma base que a substancie. Muito


provavelmente invenção pura e sim-


ples. O outro tuíte foi um ataque ao


processo eleitoral da Califórnia.


O que o Twitter fez foi incluir um


aviso aos leitores do presidente de que


eles podem “encontrar os fatos” a res-


peito do tema noutro canto. E tascou o


link. Pra quê. Trump ficou furioso. Acu-


sou a rede social de estar interferindo


no processo eleitoral, ameaçou “regu-


lar pesadamente” o negócio ou mesmo


cerrar as portas de empresas do setor.


O alvo de Trump é o artigo no equiva-


lente americano ao Marco Civil da In-


ternet, que isenta as plataformas de res-


ponsabilidade pelo que outros publi-


cam nelas e oferece tranquilidade para


que façam a moderação como acharem


relevante. O presidente assinou uma


ordem que autoriza reguladores a enca-


rar Facebook, Google e Twitter.


Nada é tão complicado que não pos-


sa piorar. Ontem, Mark Zuckerberg,


fundador e CEO do Facebook, entrou


na história. Afirmou que empresas de


mídias sociais não deveriam se meter


no conteúdo. Diz que companhias pri-


vadas não podem se colocar no papel


de árbitros do que é verdade ou não.


Há um quê de hipocrisia na fala de


Zuckerberg – afinal, o Facebook também


já trabalhou com empresas de checagem


de fatos e, agora, montou um comitê ex-


terno que tomará decisões a respeito do


conteúdo. Pode não ser uma empresa,


pode ser independente do Facebook,


mas esse comitê é certamente privado.


A nova direita, no mundo, atua em


relação às redes com ambiguidade. Por


um lado, falsear informação, manipular


o discurso e até mentir abertamente se


tornou uma tática não só eleitoral co-


mo de governança. É assim lá como é


assim cá. Só que no mundo de tanta


fake news circulando, por vezes as


empresas decidem agir, banindo


bots, contas de gente que falseia para


além do limite e, agora, apagando tuí-


tes de presidentes – já ocorreu com


Bolsonaro – ou marcando como fal-


so. Quando isso ocorre, essa mesma


nova direita, que tanto depende das


redes para driblar o jornalismo pro-


fissional, acusa as grandes do Vale de


censurar vozes conservadoras.


A proximidade das eleições presi-


denciais americanas e o fato de notí-


cias falsas durante uma pandemia


fizeram com que o tema ganhasse


urgência. Aqui no Brasil um grupo


de parlamentares está tentando


aproveitar o período da pandemia


para regular fake news, coisa que ne-


nhuma democracia fez por conta da


complexidade tamanha. As empre-


sas, evidentemente, sentem a pres-


são.


Negócios

Bruno Capelas


A fintech brasileira Nu-


bank segue crescendo em


meio à pandemia do novo


coronavírus: ao comple-


tar sete anos neste mês de


maio, a startup anuncia que


tem cerca de 25 milhões de bra-


sileiros como clientes de seus


serviços financeiros – entre


eles, a conta digital NuConta e


o cartão de crédito roxo que lhe


deu fama. Desde que adotou o


trabalho remoto, no início de


março, a empresa já contratou


178 funcionários, indo na con-


tramão do mercado. E, na visão


do presidente executivo David


Vélez, o cenário de longo prazo


é bom para a companhia.


“O isolamento social acele-


rou o movimento de digitaliza-


ção, que já era acelerado. O


mundo pós-pandemia vai forta-


lecer empresas como o Nu-


bank, que são mais digitais, têm


tecnologia, são ágeis e conse-


guem se adaptar rapidamente”,


disse o executivo em entrevista


exclusiva ao Estadão. Conheci-


da por não cobrar taxas de anui-


dade no cartão ou de manuten-


ção para a conta bancária, a em-


presa afirma ter ajudado os


clientes a economizar R$ 8 bi-


lhões em tarifas desde 2013.


Segundo Vélez, uma das amos-


tras das mudanças de comporta-


mento em meio à pandemia é o


crescimento de clientes do Nu-


bank em faixas etárias mais ele-


vadas – em abril, foram 30 mil


novas contas de usuários acima


dos 60 anos, bem como 300 con-


tas abertas por pessoas acima de


90 anos. “O público mais velho é


mais resistente a um banco


100% digital, mas quando não se


pode tomar café com o gerente,


a mudança acontece”, afirmou.


Hoje, o Nubank vai lançar uma


nova ferramenta para seus usuá-


rios, permitindo doações diretas,


via cartão de crédito. A princípio,


quatro organizações receberão


os donativos: o Hospital das


Clínicas, a Ação da Cidadania, a


Cruz Vermelha do Brasil e o Ac-


tion Aid. Segundo Vélez, a cada


R$ 100 mil arrecadados para uma


das instituições, o Nubank tam-


bém vai contribuir com R$ 100


mil, até o limite de R$ 500 mil em


doações por parte da empresa.


Planos. Questionado acerca do


cenário de crise econômica cau-


sado pela pandemia, Vélez não


se amedronta. “Nós crescemos


entre 2013 e 2019, o único cená-


rio que a gente conhece é a cri-


se”, diz. Apesar do otimismo, Vé-


lez afirma que o Nubank reviu


planos para os próximos meses.


Em testes há algum tempo en-


tre os clientes, a função de em-


préstimo pessoal deve demorar


mais tempo para chegar a todos


os usuários da conta digital da


empresa. “Estamos num am-


biente em que há mais risco para


um produto de crédito como es-


se”, afirma o executivo. Segundo


ele, porém, a fintech está se movi-


mentando para dar “um bom sal-


to na parte de produtos financei-


ros” até o final do ano, com no-


vas funções para as contas de pes-


soa física e pessoa jurídico – ho-


je, 200 mil microempreendedo-


res utilizam o serviço.


ENTREVISTA


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


lCrescimento


Nubank chega aos sete anos com 25 milhões de clientes


Luciana Dyneiwicz


Com as finanças menos dete-


rioradas que Azul e Latam, a


Gol tem trabalhado interna-


mente para atravessar a crise


da covid-19. Enquanto a pri-


meira contratou a consultoria


Galeazzi para renegociar dívi-


das e a segunda pediu recupe-


ração judicial nos EUA, a Gol


não sentiu necessidade de me-


didas mais extremas – ainda


que tenha visto a receita cair


em 90%. “Não conseguimos


vislumbrar nada que seja pior


do que agora”, diz o presiden-


te da empresa, Paulo Kakinoff.


Diante desse cenário, a Gol


cortou a folha de pagamentos


pela metade ao reduzir jorna-


das e criar um programa de li-


cença não remunerada ao qual


38% dos funcionários aderi-


ram. Kakinoff, porém, acredita


que o pior momento começa a


ficar para trás e espera chegar


ao fim do ano com demanda


entre 65% e 80% do normal. A


seguir, trechos da entrevista.


lQual a situação financeira da


Gol? Há possibilidade de seguir


os passos da Latam?


Como não estamos dando pro-


jeções para 2021, continua váli-


do o que já publicamos: temos


caixa para, no mínimo, até de-


zembro. Enxergando a crise


em três fases. A primeira come-


çou no pós-carnaval, com que-


da na Bolsa e dólar disparan-


do. Essa fase vai até a inflexão


das medidas de quarentena e,


nela, a perspectiva é que a de-


manda seja dada por clientes


que precisam viajar, como pro-


fissionais de saúde. A segunda


fase começa com as medidas


de relaxamento da quarente-


na. A gente estima que, nas


próximas duas ou três sema-


nas, inicie esse ciclo e que ele


vá até o dia em que a socieda-


de diga que o problema está


sob controle. Nessa fase, a de-


manda deve ser crescente. Es-


tamos falando do mercado do-


méstico, porque o cenário in-


ternacional é pior. Projetamos


chegar ao fim do ano com uma


demanda entre 65% e 80% do


normal, mas tem uma margem


de erro importante. A terceira


fase tem uma tendência de re-


cuperação relativamente rápi-


da da demanda. Mas aí já esta-


mos falando em 2021.


lO pior momento, então, já pas-


sou para o setor aéreo?


Não conseguimos vislumbrar


nada que seja pior do que ago-


ra. A receita caiu para 10% do


que era. Neste momento, esta-


mos com 70 voos diários e, pa-


ra junho, vislumbramos 100.


Esses 100 vão representar de


15% a 17% do que era normal. A


retomada é gradual e traz um


desafio grande para as aéreas.


Felizmente, entramos na crise


com uma posição robusta.


lNessa fase dois, dadas as medi-


das de segurança sanitária, as


passagens ficarão mais caras e


as margens da empresa cairão?


Esses itens podem significar


uma pressão adicional de cus-


tos, mas tendem a ser em pro-


porção menor que o câmbio e


a querosene. Em relação ao va-


le da crise, o barril de petróleo


saiu de US$ 20 para US$ 35 e o


câmbio está flutuando entre


R$ 5,40 e R$ 5,70. Essa combi-


nação pressiona custos e tende


a ter maior impacto na tarifa.


lAnalistas têm apontado a Gol


como a aérea mais forte para se


recuperar. A empresa deve sair


da pandemia com participação


maior de mercado?


O momento é desafiador para


todo o setor, inclusive para


nós. Em termos relativos, te-


mos uma vantagem comparati-


va por causa do nosso modelo


de negócio: exposição menor


ao mercado internacional e


um modelo de baixo custo


que, em um mercado deprimi-


do, tende a sair fortalecido. As-


sumindo que haverá a necessi-


dade de uma readequação de


frota a um mercado menor,


nossos custos para readequa-


ção são menores também. Ope-


ramos um avião com mais li-


quidez. Esses itens têm aponta-


do uma posição mais robusta


da companhia neste momento


e consequentemente uma pro-


babilidade maior de êxito.


lNo vídeo da reunião interminis-


terial que se tornou público, o


ministro Paulo Guedes disse que


não haveria ajuda para aéreas.


Como viu essa afirmação? O so-


corro do BNDES é suficiente?


Não tenho conhecimento de


nenhum statement (declaração)


governamental que seja dife-


rente da estruturação da linha


do BNDES. Temos falado com


o governo de pautas concre-


tos. A primeira é a possibilida-


de de venda antecipada de bi-


lhetes para o governo, que não


sabemos se será viabilizada. A


segunda é a linha do BNDES.


Em nenhum momento, coloca-


mos o empréstimo do BNDES


como condição de sobrevivên-


cia para a companhia. Poderá


vir a ser uma necessidade em


função de variáveis imprevisí-


veis neste momento.


lComo vê o mercado doméstico


pós-pandemia? O governo queria


a entrada de novas empresas no


País. Há possibilidade de que ago-


ra elas entrem por aquisições?


O setor terá um apetite menor


para aquisições e investimen-


tos. A aviação mundial foi afe-


tada em liquidez. Deverá haver


mudanças importante nos pla-


yers (empresas) em relação ao


pré-covid: empresas falindo,


empresas que vão se juntar e


empresas que vão recuar no ta-


manho. Mas não vejo investi-


mentos em novos mercados


ou aquisição. Haverá movimen-


tos como esses, mas pontuais.


lPode ter quebra no Brasil?


Dada a imprevisibilidade da cri-


se, sim, pode. Mas não acho


que vá acontecer.


Trump contra Twitter


A nova direita, no mundo,


atua em relação às redes


sociais com ambiguidade


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PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

178 pessoas


foram contratadas pelo Nubank


desde o início de março


200 mil contas


de pessoas jurídicas estão ativas


Startup contrata 178


pessoas desde o início da


pandemia e lança função


para doações; para Vélez,


visão de longo prazo é boa


GABRIELA BILO / ESTADAO-21/2/

Prazo. De acordo com Kakinoff, companhia tem caixa até, no mínimo, dezembro deste ano


‘Não vislumbramos


nada que seja pior


do que agora’


Modelo da Gol, de baixo


custo e menor exposição


ao mercado internacional,


tende a sair fortalecido


da crise, diz Kakinoff


Paulo Kakinoff, presidente da Gol

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