O Estado de São Paulo (2020-05-29)

(Antfer) #1

Camila Tuchlinski


Ajudar a trazer uma nova vida


ao mundo de maneira tranqui-


la e humanizada. Assim é o tra-


balho das doulas, assistentes


de parto que oferecem suporte


emocional e encorajamento pa-


ra as mulheres. E, em tempos


de pandemia do novo coronaví-


rus, a coragem precisa ser mul-


tiplicada.


“Está sendo um desafio enor-


me trabalhar de acordo com os


novos conceitos de segurança e


proteção, principalmente em


ambientes hospitalares e, mais


ainda, em ambiente domiciliar.


Porque aí, por parte das gestan-


tes, pode acontecer um afrouxa-


mento de condutas de seguran-


ça, de utilização de EPI (equipa-


mentos de proteção individual), hi-


giene e distanciamento”, afirma


a doula Paulina Lorena Verde Ri-


quelme, que já participou de


dois partos desde o início da qua-


rentena no Brasil. Ela diz que es-


sa é uma situação em que a ges-


tante fica muito ansiosa. “Por vá-


rios motivos. Em muitos luga-


res, a doula está sendo impedida


de entrar, para ter o mínimo de


pessoas em contato umas com


as outras. Então, além de todo o


cenário incerto de transmissão


vertical mãe/bebê, ainda há in-


certeza se a equipe de escolha da


mulher estará presente.”


Janaina Lacerda é doula há


seis anos em Jacareí, no interior


de São Paulo, e também já acom-


panhou alguns partos durante a


pandemia. “Foi uma experiên-


cia peculiar. É estranho para


nós, que transitamos no cenário


do parto com certa naturalida-


de, ter equipamentos de prote-


ção, preocupação com toques,


proximidade. Acompanhei as


gestantes durante o trabalho de


parto em casa dando o suporte


necessário para que elas se sen-


tissem seguras, confortáveis e


fossem para o hospital em mo-


mento oportuno”, conta.


Na maternidade de Jacareí, a


gestante tem a garantia de um


acompanhante de sua livre esco-


lha, segundo a Lei Federal nº


11.108. “Antes da pandemia, elas


podiam ter o acompanhante e a


presença da doula durante todo


o período do trabalho de parto.


Porém, a pandemia nos trouxe


essa limitação e, então, algumas


gestantes escolheram que eu en-


trasse para auxiliá-las. É uma de-


cisão difícil, mas são escolhas ne-


cessárias nos dias atuais e que


buscamos trabalhar com antece-


dência para não trazer ainda


mais insegurança no momento


do parto”, avalia Janaina.


Paulina também observa o so-


frimento das grávidas por ter de


abrir mão da doula na hora do


nascimento do bebê. “Está sen-


do bem desafiador adaptar meu


trabalho para essa nova realida-


de. Tem muito lugar no Brasil


que proibiu a entrada das dou-


las”, conta. “Isso está sendo um


conflito para estas gestantes


que estavam achando que a dou-


la estaria com certeza no dia do


parto.”


Na cidade de Jundiaí, tam-


bém no interior paulista, Izabel


Medeiros auxilia partos há pou-


co mais de dois anos. Em tem-


pos de coronavírus, ela partici-


pou de alguns procedimentos,


incluindo um domiciliar. “To-


dos tiveram em comum um pou-


co mais de tensão. Mesmo com


todos os cuidados e EPIs, partu-


riente, acompanhante e equipe


estavam um pouco mais apreen-


sivos”, relata.


A doula também teve de adap-


tar o trabalho pré-natal com as


gestantes, que é feito presencial-


mente, para o universo virtual.


“Os encontros pré-parto passa-


ram a ser online, assim como os


de pós-parto”, diz.


Para as grávi-


das, Izabel


aconselha: “Vi-


va o presente.


Permita sentir


suas emoções


e sensações,


sejam elas po-


sitivas ou nega-


tivas, trazen-


do à consciên-


cia o que está


sentindo e bus-


cando cami-


nhos para que


os dias pas-


sem com mais


tranquilidade. Trazer o acompa-


nhante para perto, incluí-lo no


processo, é de suma importân-


cia para um parto mais tranqui-


lo. E também preparar-se para o


pós-parto, já que nem sempre


poderemos contar com ajuda ex-


tra”, conclui.


Parto domiciliar. Aos 38 anos


de idade e na terceira gestação,


Giovanna Balogh já havia decidi-


do realizar o parto domiciliar


muito antes da pandemia do no-


vo coronavírus. “Tive dois par-


tos normais. Sou mãe do Bento,


que tem 10 anos, e do Vicente, de



  1. Os dois foram hospitalares. E


eu sempre dizia que, se eu engra-


vidasse de novo, queria que fos-


se em casa”, lembra.


Ela e a família vivem no muni-


cípio de Mogi das Cruzes, em


São Paulo. Durante a gestação,


todos tomaram os cuidados ne-


cessários e estão isolados em ca-


sa desde o dia 15 de março. O ma-


rido, que é fotógrafo freelancer,


recusou diversos trabalhos para


não colocar a família em risco.


Sem plano de saúde, a opção


de hospital seria a Santa Casa da


região. “Era nosso ‘plano b’, se


tivesse alguma intercorrência.


Tenho uma médica particular,


que atende pela Santa Casa, que


seria nossa médica backup. Se


precisasse de uma analgesia ou


se algo não transcorresse como


planejado, a gente iria para lá”,


relata. “Só que, diante da pande-


mia, queria menos ainda ir para


o hospital. Também porque esta-


vam restringindo acompanhan-


te, as parteiras não poderiam en-


trar e era uma coisa que eu não


queria passar de jeito nenhum.”


Giovanna contou com a pre-


sença de duas enfermeiras obste-


tras – equipadas com EPIs –, o


marido e os dois filhos. “A gente


conversou bastante com eles so-


bre a mamãe gritar, ficar fora de


si durante o trabalho de parto.


Eles entenderam, mas optaram


por não estar presentes na cena.


Eles passavam na porta do quar-


to, davam uma espiada e, só de-


pois que ela nasceu, é que eles qui-


seram ver”, diz.


Teresa nasceu no quarto de


Giovanna, pesando 3,2 quilos e


medindo 51 centímetros, em


uma piscina levada pelas enfer-


meiras que deram assistência.


“Foi a experiência mais incrível


da minha vida! Nem parece que


vivi tudo isso aqui. E, assim que


ela nasceu, meu marido a pegou


no colo. Ela ficou o tempo todo


comigo, veio pra cama; foi uma


experiência muito gostosa. Só la-


mento as pessoas mais próxi-


mas não poderem vir visitar, as


avós e os


avôs”, desaba-


fa.


Emociona-


da, Giovanna


chora ao con-


tar que havia


planejado pas-


sar o puerpé-


rio ao lado da


mãe, no mo-


mento mais


frágil da mu-


lher após o nas-


cimento do be-


bê. “Eu ideali-


zava muito a


minha mãe estar comigo, ajudan-


do a arrumar o enxoval. Eu ideali-


zava ter um chá de bênção com


minhas amigas, receber o cari-


nho na reta final, e não rolou. Fa-


zer o quartinho com a minha


mãe. E deixamos tudo isso para


depois. A gente deixa para de-


pois porque você vê que é supér-


fluo e que dá para deixar para de-


pois. Sofro muito de ver o tempo


passar e minha mãe não poder


pegar minha filha no colo. Eu


choro, me emociono. Fico tor-


cendo para o povo se conscienti-


zar e essa fase passar logo, as pes-


soas ficarem em casa para a gen-


te poder ter, enfim, uma vida


mais normal.”


NA


QUARENTENA


Música


Adriana Calcanhotto lança ‘Só’ PÁG. H7


CORAGEM


EM DOBRO


LEO AVERSA

Os desafios encarados


pelas doulas em


tempos da covid- 19


DIEGO PADGURSCHI

Apoio emocional. A doula Paulina (à dir.) durante parto hospitalar: readaptação necessária durante a pandemia


PAULINA RIQUELME

PAULINA RIQUELME

Em casa. Giovanna realizou o sonho do parto domiciliar com ajuda de doula e enfermeiras


POR CAUSA DA PANDEMIA,


GESTANTES SÓ PODEM


TER UM ACOMPANHANTE


NA SALA DE PARTO


TRABALHO DE


PRÉ-NATAL FOI


ADAPTADO PARA O


UNIVERSO VIRTUAL


Dupla proteção. Paulina (à dir.) conta que há hospitais que proibiram a entrada das doulas


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