Música*
MAHMUNDI E
A FORÇA DO
VELHO MUNDO
Cantora de origem
eletrônica faz primeiro
disco‘orgânico’ com
canções de convívio
Mahmundi, cantora e compositora
Julio Maria
A cantora Mahmundi se lançou
no mundo dos álbuns em 2016
depois de dois EPs promissores,
com um disco que buscava suas
referências nos anos 80. Um pro-
jeto de bases eletrônicas feito
com computador emprestado e
fluido nos caminhos de uma in-
tuição que dizia muito do que
pensava e a seu jeito. Dois anos
depois, já fazendo algumas pas-
sagens para a canção menos du-
ra, falou de amor em Para Dias
Ruins, quando o mundo ardia em
ódios de classe e universais e os
cantores precisavam empunhar
suas armas para serem, inclusi-
ve, cantores. Agora, em um 2020
distópico, com boa parte da po-
pulação sentindo os sinais emo-
cionais de um distanciamento
social de quase 70 dias e sem pra-
zo de terminar, Mahmundi volta
falando dos poderes do encon-
tro com Mundo Novo, seu tercei-
ro álbum, feito antes de o plane-
ta fechar para descontaminação.
Mundo Novo tem primeiro o es-
pírito dos álbuns do mundo anti-
go: são as pessoas, e não as pro-
gramações, que tocam os instru-
mentos, lado a lado, sem másca-
ras de proteção de identidade
nem álcool em gel. Pela primeira
vez, Mahmundi criou uma ban-
da e chamou um músico, Frederi-
co Heliodoro, para entender
seus pensamentos, compor ar-
ranjos com intenções muitas ve-
zes transpostas da música instru-
mental e funcionar como um efi-
ciente coprodutor.
As composições ganharam a
brevidade da vida das canções
que talvez Mahmundi buscasse
desde o início e as letras, em vez
de traduzirem a alma desprotegi-
da dos confinados, trazem sensa-
ções que os dias de quarentena
podem estar anestesiando: um
amor, simples ou complexo, en-
tre duas pessoas. Assim, parece
soar tão necessário hoje ouvir al-
go como “eu me conheço mais
olhando pra você” ou “em você
eu tenho o que faltava em mim /
e descubro o que tenho de me-
lhor pra te oferecer”, de Conví-
vio, quanto os hinos de solidão
desolada que começam a brotar
de lives e de discos feitos em regi-
me de confinamento.
São sete músicas curtas, sen-
do apenas uma delas, No Cora-
ção da Escuridão, uma regrava-
ção da original feita por Jorge
Mautner e pelo baixista Dadi.
Sem Medo, a primeira a sair pelas
redes, é um reggae soul assumi-
damente pop, com frases dizen-
do que “tudo é pra aprender, tu-
do é pra evoluir.” Em outro cam-
po, Nós de Fronte é uma balada
“djavanista”, não nos tempos
mas na aura, com todo o tremor
que Mahmundi sente quando
aproximam seu nome do de Dja-
van, dizendo que “mesmo num
mundo doente, temos uma fo-
me gigante de viver.”
Nova, outra balada pop, hit de
rádio fácil e certeiro do mundo
velho dos anos 80 de onde Mah-
mundi saiu, com a suavidade de
uma tarde de outono na sacada
de um prédio de 2020. “A vida é
tão franca e tão cheia de misté-
rios”, ela diz na canção. “Vai ver
você não viu ainda, vai ver você
fica muito tempo nessa nova
TV.” Vai, produzida por Davi Mo-
raes, pede apenas que o outro vá,
que abra um sorriso e vá. E é a
voz de seu parceiro coautor em
algumas canções, Paulo Nazare-
th, que abre o disco em uma fai-
xa curta de um áudio dizendo
que “somos plurais, o convívio é
a nossa condição... Quem só te
imaginava à distância pode te co-
nhecer mais de perto... E é assim
que a gente conhece a gente mes-
mo”. Mais uma vez, uma prática
de aproximação que parece cada
vez mais tão distante.
Marechal Hermes. Mahmundi,
nome artístico de Marcia Vale
desde que tudo começou a dar
certo, nasceu e se tornou cria de
Marechal Hermes, na Baixada
Fluminense. Ela foi técnica de
som por anos em lugares como o
Circo Voador, na Lapa, até pular
para o outro lado do balcão. Sua
música não é o depósito de sua
história, ou ao menos não a de
toda, e quem a ouve, como já
aconteceu, pode querer cobrá-la
de uma postura militante mais
escancarada. Sobre essa espécie
de pedágio artístico que se tor-
nou o engajamento verbal mes-
mo de quem se engaja de outras
formas, ela diz o seguinte: “Eu já
tive casa assaltada, arma aponta-
da pra minha cabeça três vezes,
meu irmão é policial, meu pai é
mecânico, minha mãe é profes-
sora e eu sou uma artista. Eu fui
aprendendo e estou aprenden-
do sobre militância com o tem-
po, começando a entender me-
lhor sobre tudo isso.”
Ao mesmo tempo que reco-
nhece todas as legitimidades das
causas sociais, Mahmundi diz
que acha pouco resumir um artis-
ta a elas. Gritar por direitos e fa-
zer afirmações pode ser um ato
vivo também em um disco feito
na garra ou em uma singela can-
ção de amor. “Eu quero ser quem
eu sou, eu quero ser uma artista.”
sescsp.org.br
Apresentações ao vivo
e inéditas direto
da casa do artista.
Em Casa
com Sesc
MÚSICA CRIANÇAS TEATRO
/sescaovivo
/sescsp
Leila
Pinheiro
Dia 30. Sábado, 19h
Ailton Graça
em Solidão
Dramaturgia de Sérgio Roveri, a partir
da obra de Gabriel García Márquez.
Direção: Marco Antônio Rodrigues.
Dia 31. Domingo, 21h30^16
Maurício
Pereira
Participação:
Chico Bernardes
Dia 29. Sexta, 19h
Fortuna
em Cantando
pelo Mundo
Dia 30. Sábado, 12h
Denise Weinberg
em O Testamento
de Maria
Texto de Colm Tóibín.
Dia 29. Sexta, 21h30^14
Geraldo
Azevedo
Dia 31. Domingo, 19h
SEJA UM DOADOR
DO MESA BRASIL
Há mais de 25 anos o programa funciona como
uma rede de combate à fome e à má distribuição
de alimentos, com parceria entre a sociedade civil,
o empresariado e as instituições sociais.
Levamos alimentos às pessoas atingidas pela crise
do coronavírus: cestas básicas, produtos de higiene
pessoal, limpeza e diversos.
Podem doar:
Centrais de abastecimento, produtores,
supermercados atacadistas, padarias, confeitarias,
feiras, indústrias cerealistas, entre outros.
conheça o programa.
saiba como doar:
mesabrasil.sescsp.org.br
Caderno 2
CAO DENADO
Produtora de si
mesma. Canções
bem arranjadas
%HermesFileInfo:C-3:20200529:
O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 29 DE MAIO DE 2020 Especial H3