O Estado de São Paulo (2020-05-29)

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O ESTADO DE S. PAULO SEXTA-FEIRA, 29 DE MAIO DE 2020 Política A


l]


CARLOS ALBERTO DOS


SANTOS CRUZ


As Forças Armadas, por


serem instituições de Estado,


não devem fazer parte da


dinâmica de assuntos


de rotina política


Ministro diz que não passa pela cabeça do


presidente a ideia de ‘intervenção militar’


T


odos os militares são eleito-


res, do soldado/marinheiro


ao general-de-exército/briga-


deiro/almirante. E todos votam com


total liberdade de escolha nos seus


candidatos e partidos de preferên-


cia. É o exercício da cidadania, na


mais absoluta liberdade. É um dos


pontos altos da democracia. É quan-


do cada cidadão, em seu voto e por


seu voto, vale o mesmo, independen-


te de qualquer consideração de clas-


se social, credo, etnia, etc. Mas a de-


mocracia é mais que isso. É também


o funcionamento harmônico das ins-


tituições. É a liberdade de imprensa


e de associação. É um processo coleti-


vo de construção, a partir da diversi-


dade da nossa sociedade, de um País


mais justo, próspero e tolerante.


Na cultura militar, não há propagan-


da nem discussão política sobre prefe-


rência de candidatos e partidos dentro


dos quartéis. Quando o cidadão coloca


a farda e representa a instituição, ele


tem compromisso institucional e cons-


titucional. Seu compromisso é com a


Nação. As Forças Armadas são institui-


ções permanentes do Estado brasileiro


e não participam nem se confundem


com governos, que são passageiros,


com projetos de poder, com disputas


partidárias, com discussões e disputas


entre Poderes ou autoridades, que, na-


turalmente, buscam definir seus espa-


ços e limites. No jogo político, muitas


vezes os atores são levados por interes-


ses de curto prazo, influenciados por


emoções, limitados por suas convic-


ções. Isso é normal na democracia.


O militar da reserva, seja qual for a


função que ocupa, não representa a ins-


tituição militar. O desempenho de qual-


quer função, quando o militar está na


reserva, é de responsabilidade pessoal.


As instituições militares são representa-


das pelos seus comandantes, que são


pessoas de longa vida militar e passa-


ram por inúmeras avaliações na vida


profissional, seguramente escolhidos


entre os melhores do seu universo de


escolha. O processo seletivo acontece


em todos os níveis, do cabo ao general.


A estrutura hierárquica e a conduta dis-


ciplinar são baseadas no exemplo, no


respeito, na liberdade de expressão e na


união de todos. A união é que realmente


faz a força. Mesmo com orçamento re-


duzido, basta entrar em qualquer insta-


lação para ver a educação, a dedicação e


o zelo com que o patrimônio público é


mantido e administrado.


As Forças Armadas estão presentes


na história do Brasil, na defesa da Pá-


tria, na pacificação do País, na educa-


ção, na ciência, na construção, no desen-


volvimento e até mesmo na política, em


tempos passados, com todos os riscos,


responsabilidades e desgastes ineren-


tes. Não por acaso, foi no regime militar


que as Forças Armadas decidiram, acer-


tadamente, sair da política e ater-se ao


profissionalismo de suas funções cons-


titucionais. As Forças Armadas tam-


bém são responsáveis por terem contri-


buído para o Brasil, com todos os pro-


blemas que temos, ser um dos dez maio-


res países do mundo. O País evoluiu e as


Forças Armadas continuam presentes


na defesa da Pátria, nas diversas situa-


ções em que são chamadas para auxiliar


a população em emergências e em


apoio a políticas de governo. Suas tare-


fas estão estabelecidas na Constituição



  • defender a Pátria e garantir os pode-


res constitucionais, a lei e a ordem. O


prestígio e a admiração que a sociedade


lhes dedica foram construídos com sa-


crifício, trabalho e profissionalismo.


Nesse período, a democracia brasilei-


ra evoluiu e se consolidou. Temos um


governo e um Congresso legitimamen-


te eleitos, e as instituições funcionan-


do. Os Poderes não são perfeitos, como


é normal. Nunca serão, já que são feitos


de homens, não de anjos. Democracia


se faz com instituições fortes, buscan-


do permanentemente seu aperfeiçoa-


mento. No Brasil, há legislação que per-


mite o aperfeiçoamento das institui-


ções e práticas políticas. As discordân-


cias e conflitos não estão impedindo o


funcionamento das instituições. A bus-


ca da harmonia é obrigatória aos Pode-


res. É obrigação constitucional. As dife-


renças, o jogo de pressões e as tensões


são normais na democracia e as dispu-


tas precisam ocorrer em regime de liber-


dade, de respeito e dentro da lei. Por


isso, a Constituição se sobrepõe aos Po-


deres da República para limitar seu em-


prego, para disciplinar seu exercício. É


nesse processo que os três Poderes mo-


deram sua atuação, encontram seus li-


mites e definem as condições de empre-


go dos demais instrumentos do Estado,


inclusive as Forças Armadas, na imple-


mentação de políticas públicas.


As Forças Armadas, por serem insti-


tuições de Estado, não devem fazer par-


te da dinâmica de assuntos de rotina


política. A dinâmica de governo não


é compatível com as características


da vida militar. Os militares são uni-


dos, os comandantes são prepara-


dos, esclarecidos e mantêm o foco na


sua missão constitucional. As Forças


Armadas são instituições que não


participam de disputas partidárias,


de assuntos de rotina de governo, de


assuntos do “varejo”.


Nas últimas décadas, as Forças Ar-


madas cruzaram momentos de hipe-


rinflação, impeachment de presiden-


tes, escândalos de corrupção, reveza-


mento de governos com característi-


cas diversas, sempre com posiciona-


mento profissional, auxiliando a po-


pulação, atentas à sua destinação


constitucional, contribuindo para o


prestígio internacional do País. É um


histórico de orgulho do povo brasilei-


ro e das próprias instituições. Por is-


so mesmo, creio que não se deixarão


tragar e atrair por disputas políticas


nem por objetivos pessoais, de gru-


pos ou partidários. Acenos políticos


não arranham esse bloco monolítico


que é formado por pessoas esclareci-


das e idealistas, comprometidas


com o Estado e com a Nação, que


integram uma das instituições mais


admiradas pelo povo brasileiro.


]


EX-MINISTRO-CHEFE DA SECRETARIA DE


GOVERNO DA PRESIDÊNCIA


Tânia Monteiro /BRASÍLIA


Seis dias depois de publicar a


“Nota à Nação Brasileira” em


tom de ameaça ao Supremo


Tribunal Federal (STF) para


reclamar de uma possível


apreensão do telefone celu-


lar do presidente Jair Bolso-


naro, o ministro-chefe do Ga-


binete de Segurança Institu-


cional (GSI), general Augus-


to Heleno, adotou um tom


mais ameno. Em entrevista


na porta do Palácio da Alvora-


da, ele disse ontem que a nota


era “genérica”, “neutra” e


que houve “distorção” de


suas palavras quando decla-


rou no comunicado que, caso


fosse aceito, o pedido de parti-


dos à Corte poderia ter conse-


quências “imprevisíveis” pa-


ra a estabilidade nacional.


Na conversa com os jornalis-


tas, Heleno observou que não


citou o nome de ninguém na no-


ta, embora se referisse à medida


adotada pelo ministro Celso de


Mello, do STF de encaminhar a


solicitação de recolhimento do


celular de Bolsonaro à Procura-


doria-Geral da República. O ge-


neral aproveitou para dizer que


não passa pela cabeça do presi-


dente ou de ministros qualquer


ideia de tentativa de “interven-


ção militar”.


O discurso de Heleno foi re-


forçado por declaração do vice-


presidente. O general Hamil-


ton Mourão reiterou ao Esta-


dão que “não existe” possibili-


dade de ameaça às instituições,


que isso está “fora de cogita-


ção”. Embora na reserva e não


fale pelas Forças Armadas, o ge-


neral voltou a servir de bombei-


ro e procurou adequar o tom do


discurso militar de respeito à


Constituição ao do governo.


Interlocutores militares ob-


servam que Heleno não manda


em nenhum soldado do Exérci-


to. Mas, embora seja general da


reserva, tem respeito da caser-


na e, nos últimos meses, conso-


lidou-se como um nome políti-


co influente, atingindo 922 mil


seguidores só no Twitter. Isso


quer dizer o seguinte: na cúpula


militar, especialmente no Alto


Comando das Forças Armadas,


a hipótese de ruptura demo-


crática é limitada à guerra políti-


ca. Logo, os discursos que suge-


rem golpe são “inaceitáveis” e


não entram nem mesmo nas


reuniões dos oficiais.


Nas Forças Armadas, não


tem espaço ou apoio para os fler-


tes antidemocráticos como os


do filho 03 do presidente. Na


noite de anteontem, o deputa-


do Eduardo Bolsonaro (PSL-


SP) afirmou em uma “live” que


a ruptura institucional não é


mais uma opção de se, mas, sim,


de quando isso vai ocorrer. Na


campanha de 2018, ele chegou a


dizer que bastava um soldado e


um cabo para fechar o STF.


Na contramão dos militares


do governo que abaixaram o


tom do discurso, o presidente


Bolsonaro, que cria uma bata-


lha a cada dia, voltou a desafiar,


nesta quinta-feira, o Supremo


ao repetir que “ordens absur-


das não se cumprem”.


Desobediência. Bolsonaro de-


monstrou que fará muito baru-


lho para impedir novas deci-


sões monocráticas na Corte pa-


ra assuntos que considera “deli-


cados”. Por isso, antecipou que


não entregará o celular caso es-


se pedido seja aprovado por Cel-


so de Mello. Nem mesmo os au-


xiliares palacianos sabem o que


poderá acontecer caso se che-


gue a esse ponto. Mas, no esfor-


ço de acalmar os ânimos, os as-


sessores diretos do presidente


ressaltam que “desobediência


civil” não significa golpe. É sim


crise política.


O jargão “ordem absurda não


é cumprida” costuma ser repeti-


da no meio militar. E é aí que


Bolsonaro fala uma linguagem


dos oficiais. Há um entendimen-


to entre militares ouvidos pelo


Estadão de que está ocorrendo


“exacerbação das funções” dos


ministros do STF e medidas de


caráter jurídico “duvidoso”. Mi-


litares divergem em relação à for-


ma de enfrentar a Corte. O tom


belicoso do presidente também


é alvo de críticas. Esse confron-


to só serve para criar instabilida-


de política e atrapalhar a econo-


mia. Neste momento, observou


um assessor do Planalto, o presi-


dente enxerga que a ação de Ale-


xandre de Moraes de mirar bol-


sonaristas no inquérito das


Fake News flerta com o debate


de suspender a chapa de Bolso-


naro e Mourão e, assim, promo-


ver uma nova eleição – numa


transferência do processo para


o Tribunal Superior Eleitoral.


Os auxiliares do Palácio avaliam


que, no embate político, os “ad-


versários” não têm tido sucesso,


mas estão atentos à tentativa de


levar o jogo para o TSE.


Heleno e


Mourão


descartam


ruptura


Rafael Moraes Moura


Bianca Gomes / BRASÍLIA


O presidente Jair Bolsonaro afir-


mou ontem que daria uma vaga


ao procurador-geral da Repúbli-


ca, Augusto Aras, para o Supre-


mo Tribunal Federal (STF). “Se


aparecer uma terceira vaga, espe-


ro que ninguém desapareça, pa-


ra o Supremo, o nome de Augus-


to Aras entra fortemente”, decla-


rou o mandatário. Segundo ele,


Aras está tendo uma “atuação ex-


cepcional”. “Ele procura cada


vez mais defender o livre merca-


do, o Governo Federal nessas


questões que muitas vezes nos


amarram”, declarou o presiden-


te em transmissão ao vivo.


A declaração foi dada no mo-


mento em que Aras pode denun-


ciar o presidente no âmbito de


inquérito que tramita no Supre-


mo Tribunal Federal (STF) e in-


vestiga se Bolsonaro interferiu


na Polícia Federal para proteger


sua família e amigos. No manda-


to de Bolsonaro, ele terá apenas


duas vagas para preencher no


STF com as aposentarias dos mi-


nistros Celso de Mello e Marco


Aurélio Mello.


Desde que assumiu o coman-


do do Ministério Público Fede-


ral (MPF) em setembro de 2019,


Aras vem tomando uma série de


medidas que atendem aos inte-


resses de Bolsonaro. A mais re-


cente foi mudar de opinião e pe-


dir a suspensão do inquérito das


fake news, após uma operação


autorizada pelo ministro Alexan-


dre de Moraes, do Supremo, fe-


char o cerco contra o “gabinete


do ódio” e atingir empresários e


youtubers bolsonaristas. Assim,


Aras se tornou alvo de procura-


dores e de parlamentares da opo-


sição, que criticam sua “inércia”


frente ao que chamam de exces-


sos do chefe do Executivo.


Até quando se movimentou


pela abertura de investigações,


Aras teve a atuação contestada


pelos pares. Ao pedir ao STF a


abertura de investigação das acu-


sações de Sérgio Moro de interfe-


rência política na Polícia Fede-


ral, o procurador mirou não só o


presidente, mas também o ex-


ministro. Após Bolsonaro parti-


cipar de ato antidemocrático


convocado contra o STF em


abril, Aras pediu a apuração dos


protestos, mas livrou o presiden-


te e focou o inquérito na organi-


zação e no financiamento dos


atos. “As ações do procurador,


até agora, indicam uma certa


proteção ao presidente”, diz o


advogado criminalista Davi Tan-


gerino, professor da FGV-SP.


Na coordenação do grupo de


trabalho que atua na Operação La-


va Jato, escolheu a subprocurado-


ra Lindora Maria Araújo, também


conservadora. Nos bastidores do


MPF, ela é acusada de fazer “de-


vassa” contra governadores ad-


versários do presidente, como o


do Rio, Wilson Witzel (PSC). Pro-


curado, Aras não se manifestou.


lJustificativa


Presidente diz que pode dar vaga


no Supremo para procurador-geral


O militar e a política


Artigo


ELIANE CANTANHÊDE


Excepcionalmente, a


coluna não é publicada hoje.


JOÉDSON ALVES/EFE

“Não se justifica que a


maior autoridade do País


tenha seu telefone celular


apreendido a troco de coisas


que não tem o menor


sintoma de crime. Não


houve esse pensamento (de


intervenção).”


Augusto Heleno


MINISTRO-CHEFE GSI


Esclarecimento. Ministro negou ruptura ao mesmo tempo em que, no Alto Comando, proposta é considerada inaceitável


‘Acenos políticos não


arranham esse bloco formado


por pessoas esclarecidas’


DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–18/3/

Aras é alvo de críticas


de procuradores e da


oposição por falta de


ação para coibir excessos


de Bolsonaro no governo


Conservador. Equipe de procurador mira governadores

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