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A8 Internacional SEXTA-FEIRA, 29 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Sergio Amaral, presidente emérito do Conselho Empresarial Brasil-China
PEQUIM
A China já tem oficialmente
amplos poderes para reprimir
os protestos em Hong Kong.
Ontem, no último dia de sua
sessão anual, o Congresso chi-
nês aprovou a lei que prevê a
supressão da subversão, da se-
cessão, do terrorismo e de to-
do ato que possa ameaçar a se-
gurança nacional no territó-
rio. A medida, tomada apesar
das ameaças dos EUA, é uma
resposta às manifestações
pró-democracia que ocorrem
desde o ano passado.
O governo chinês detalhará
as especificidades da lei nas
próximas semanas e as normas
finais ajudarão a determinar o
futuro de Hong Kong, inclusive
até que ponto a autonomia do
território será preservada. Os
primeiros sinais vindos das au-
toridades chinesas, porém,
apontam para uma forte repres-
são assim que o texto entrar em
vigor. O Comitê Permanente
deverá examiná-lo a partir de
junho e o projeto de lei seria
adotado em setembro.
O texto prevê autorização
para que os organismos vincu-
lados ao governo central chi-
nês estabeleçam em Hong
Kong escritórios com autorida-
de em termos de segurança na-
cional. Assim, a expectativa é a
de que grupos de ativistas se-
jam proibidos, que os tribu-
nais possam impor longas pe-
nas de prisão por violações da
segurança nacional, que as te-
midas agências de segurança
da China devam agir mais aber-
tamente no território.
A chefe do Executivo de
Hong Kong indicou nesta se-
mana que algumas liberdades
civis podem desaparecer. “So-
mos uma sociedade muito li-
vre. Por isso, por enquanto, as
pessoas têm a liberdade de di-
zer o que querem”, afirmou
Carrie Lam. “Mas direitos e li-
berdades não são absolutos.”
Pressão. A perspectiva de
uma lei de segurança nacional
provocou uma reação imediata
em Hong Kong, onde os mani-
festantes mais uma vez foram
às ruas. A comunidade interna-
cional também advertiu contra
a transgressão das liberdades ci-
vis do território.
Na quarta-feira, os EUA assi-
nalaram que poderão encerrar
as relações comerciais e econô-
micas especiais com Hong
Kong. O Departamento de Esta-
do acredita que o território dei-
xou de ter uma autonomia signi-
ficativa – o que, segundo o se-
cretário de Estado, Mike Pom-
peo, seria uma condição funda-
mental para a manutenção do
status comercial.
Ontem, o primeiro-ministro
da China, Li Keqiang, tentou de-
monstrar otimismo a respeito
da lei de segurança nacional,
afirmando que a medida favore-
cerá a implementação do princí-
pio de “um país, dois sistemas”,
que consagra a relativa autono-
mia de Hong Kong desde que o
território foi reivindicado pela
China, em 1997. As novas nor-
mas, disse o premiê, protege-
rão “a estabilidade e a prosperi-
dade de Hong Kong no longo
prazo”.
A estrutura política do terri-
tório vai na contramão da no-
va lei chinesa. Dois documen-
tos – a Lei Básica da cidade e a
Declaração dos Direitos – pre-
veem ampla proteção das liber-
dades civis. Ambos se baseiam
no texto da convenção da
ONU sobre direitos civis e po-
líticos – que tem seis cláusulas
diferentes que permitem a res-
trição dos direitos civis no ca-
so de uma ameaça clara à segu-
rança nacional.
“Se a pessoa não planeja parti-
cipar de atos de secessão, sub-
versão, terrorismo ou conspi-
rar com a influência externa
em Hong Kong, não tem moti-
vo algum para temer”, afirmou
Tung Chee-Hwa, que era o che-
fe do Executivo da cidade.
Retrocesso. A nova legislação
será incorporada à Lei Básica
de Hong Kong, a Constituição
vigente no território desde a
devolução britânica. Com isso,
as normas não precisariam pas-
sar pelo crivo do Legislativo lo-
cal. “Como este é o trabalho
legislativo do governo central,
temo que não haja qualquer
consulta pública em Hong
Kong”, afirmou Lam.
Para ativistas, a nova legisla-
ção viola a autonomia política,
administrativa e judicial do ter-
ritório. Opositores da China
afirmam que a medida é um re-
trocesso sem precedentes. “É o
fim de Hong Kong”, disse a de-
putada Claudia Mo. “A partir
de agora, Hong Kong será uma
cidade chinesa como as ou-
tras.” / NYT, TRADUÇÃO DE ANNA
CAPOVILLA
Como o senhor avalia o im-
pacto dessa lei na relação
entre Hong Kong e China?
É preocupante, porque cada
um dos lados parte de um
pressuposto diferente. A Chi-
na vê Hong Kong sob o aspec-
to de uma parte que já foi sua
e talvez um dia volte a ser. É
uma questão de segurança na-
cional e há o receio de que
uma liberalização possa ter
influência na sociedade chine-
sa. Mas Hong Kong vê sua si-
tuação pela ótica do documen-
to que levou a transferência
de volta para a China, em
1997, que assegura os ideais de
democracia e de liberdade.
Quais os critérios da ne-
gociação de 1997 e por
que ela voltou à tona?
O documento de transferên-
cia estabelece que a ideia cen-
tral era de um país e dois siste-
mas. Mas estabelecia também
que Hong Kong deveria prepa-
rar sua lei de segurança nacio-
nal, o que não conseguiu fa-
zer. É isso que está, do ponto
de vista chinês, dando o funda-
mento para a decisão de ser
feita uma lei de segurança na-
cional para Hong Kong. Essa
lei buscaria aproximar as re-
gras de segurança nacional de
Hong Kong com as que preva-
lecem na China.
Quais as consequências
da disputa nas relações
entre China e EUA?
Essa decisão da China foi res-
pondida pelos EUA, que não
mais reconhecem a autono-
mia de Hong Kong. Mas a cri-
se conduz a um novo momen-
to ainda mais sensível e difícil
na relação entre EUA e China.
Não é só comercial, tecnológi-
co ou estratégico, é geopolíti-
co. Está faltando mais diplo-
macia e menos força. Esse é o
papel da diplomacia: conciliar
e negociar pontos de vista di-
vergentes, mesmo que compli-
cados e difíceis. É o único ca-
minho.
China impõe
lei para
controlar
Hong Kong
Congresso chinês aprova medidas que
afetam autonomia e liberdades no território
Repressão. Policiais tentam conter manifestantes em Hong Kong contrários à lei de segurança nacional aprovada pela China
ISAAC LAWRENCE / AFP–27/5/
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