O Estado de São Paulo (2020-05-30)

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A10 Política SÁBADO, 30 DE MAIO DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


Marcelo Godoy


A oposição à política externa


do governo Jair Bolsonaro,


comandada pelo chanceler


Ernesto Araújo, uniu parti-


dos políticos e titulares do


Itamaraty de todos os gover-


nos desde a redemocratiza-


ção do País. Ex-ministros das


Relações Exteriores e embai-


xadores se organizaram no


chamado Grupo Ricupero,


que pôs lado a lado adversá-


rios históricos na diplomacia


que agora articulam apoio e


defendem ações no Congres-


so e no Supremo Tribunal Fe-


deral (STF) para impedir da-


nos à imagem do País e o des-


respeito à Constituição que,


segundo eles, são promovi-


dos pela gestão de Bolsonaro.


Na semana passada, Rubens


Ricupero – embaixador, ex-as-


sessor internacional do presi-


dente José Sarney – e Celso


Amorim – chanceler de Itamar


Franco e de Luiz Inácio Lula da


Silva – se reuniram com repre-


sentantes de fundações de oito


partidos para expor as preocu-


pações do grupo. O encontro


foi coordenado por Renato Ra-


bello, ex-presidente do PCdoB.


Nele havia também represen-


tantes de PT, PSDB, Rede, Cida-


dania, PSB, PDT e PSOL.


Na reunião, os diplomatas rela-


taram aos partidos por que consi-


deram que as ações de Araújo vio-


lam a Constituição. Os argumen-


tos devem servir a questiona-


mentos das legendas no Congres-


so e no STF. “O Brasil está isola-


do. Isso trará consequências gra-


ves para o futuro do País”, afir-


mou Ricupero, que dá nome ao


grupo por simbolicamente repre-


sentar um elo entre duas alas da


diplomacia nacional.


Após o encontro, o PSB deci-


diu, por meio do deputado Ales-


sandro Molon (RJ), seu secretá-


rio de Relações Internacionais,


encaminhar requerimento de


convocação de Araújo ao Con-


gresso para ele “apresentar e es-


clarecer questões sobre as siste-


máticas violações da Constitui-


ção na condução da política ex-


terna brasileira”.


“A situação do Brasil em ter-


mos de política externa é lamen-


tável, deplorável. A imagem de


uma atuação equilibrada do Ita-


maraty construída ao longo de


décadas de trabalho está sendo


destruída rapidamente. Somos


um país que não merece ser leva-


do a sério. Recentemente fo-


mos criticados por Paraguai e


Colômbia em razão de nossa po-


lítica contra o coronavírus.


Olham para nós com increduli-


dade, o que traz muito prejuízos


para o Brasil”, disse Ricupero.


Para Molon, deve-se ainda


analisar ações no Supremo.


“Não descartamos ir ao Supre-


mo para barrar ações do Itama-


raty como a que deixou o Brasil


fora do esforço mundial para a


busca de uma vacina contra a


covid-19.” O líder do PSDB na


Câmara, deputado Carlos Sam-


paio (SP), afirmou que “a políti-


ca externa deve estar a serviço


dos interesses brasileiros e a di-


plomacia, como o próprio ter-


mo já diz, é avessa a confrontos


com parceiros comerciais de pri-


meira grandeza do Brasil, como


a China, e críticas a organismos


internacionais, como a OMS”.


As críticas feitas à China por


Araújo e pelo bolsonarismo são


uma das principais reclama-


ções contra as ações do atual


chanceler. O receio é de que


elas prejudiquem as exporta-


ções para o país asiático pelo


agronegócio – a China é o princi-


pal parceiro comercial do País.


Outros pontos também mobi-


lizaram os partidos. Um deles


foi a decisão de o Brasil retirar


todos os seus diplomatas da Ve-


nezuela, deixando 12 mil brasi-


leiros residentes naquele país


sem nenhuma assistência con-


sular. A representação do depu-


tado Paulo Pimenta (PT-RS) pe-


de à procuradora federal dos Di-


reitos do Cidadão, Déborah Du-


prat, que tome providências a


fim de obrigar ao presidente e


ao Itamaraty reabrir a embaixa-


da ou pelo menos o consulado


em Caracas para “garantir a pro-


teção dos cidadão brasileiros


que lá se encontrem sob qual-


quer pretexto ou residam na-


quele país bem como proteger o


legítimo interesse das empre-


sas brasileiras que comerciali-


zam com entes públicos e priva-


dos da Venezuela”.


Pimenta obteve recentemen-


te uma vitória no Supremo. O


ministro Luís Roberto Barroso


concedeu liminar suspenden-


do decisão de Bolsonaro que ex-


pulsava os diplomatas da Vene-


zuela. Para o professor e ex-


chanceler Celso Lafer – gover-


nos Fernando Collor de Mello e


Fernando Henrique Cardoso –,


“estão em andamento e podem


crescer no Congresso Nacional


o controle político e a fiscaliza-


ção da política exterior do go-


verno Bolsonaro”.


De acordo com Lafer, o gru-


po de chanceleres foi construí-


do “por pessoas de distintas


orientações e visões políti-


cas”. Para ele, trata-se de “um


esforço para viabilizar um cen-


tro vital voltado para agregar –


e não para fragmentar – a socie-


dade brasileira, o que é tão ne-


cessário para uma apropriada


governança”.


A ação dos chanceleres pro-


vocou reação do governo. Em


artigo publicado no Estadão,


o vice-presidente Hamilton


Mourão afirmou que o grupo


usa seu prestígio “para fazer


apressadas ilações e apontar o


País ‘como ameaça a si mesmo


e aos demais na destruição da


Amazônia e no agravamento


do aquecimento global’, uma


acusação leviana”.


Além de Ricupero, Lafer e


Amorim, fazem parte do grupo


de ex-chanceleres o ex-presi-


dente Fernando Henrique Car-


doso – chanceler de Itamar


Franco –, Aloysio Nunes Ferrei-


ra (Michel Temer), José Serra


(Michel Temer), Francisco Re-


zek (Fernando Collor de Mel-


lo) e o ex-secretário de Assun-


tos Estratégicos Hussein Ka-


lout (Michel Temer). Eles publi-


caram um artigo no Estadão e


em outros jornais do País com o


título A Reconstrução da Política


Externa Brasileira.


Exemplo. Para FHC, o docu-


mento deve ser o embrião de no-


vas iniciativas. “No que depen-


der de mim, sem partidarismos


ou sectarismos, a resposta é:


sim.” Ele afirmou acreditar em


ações pontuais que unam os par-


tidos. No mesmo sentido, Amo-


rim disse esperar a “reação de


outros setores, que talvez não


tenham percebido que, embora


seja loucura, há método no go-


verno Bolsonaro”.


“Cabe aos congressistas to-


mar uma atitude mais direta”,


disse. “Criamos uma conver-


gência entre nós em torno da


democracia e da defesa da Cons-


tituição, um diálogo entre for-


ças que vão do DEM ao PSDB e


ao PT”, disse Aloysio Nunes Fer-


reira. Para o articulador do gru-


po, o cientista político e profes-


sor da Universidade de Harvard


Hussein Kalout, a ação está


“apenas começando”.


A crítica fundamental dos ex-


chanceleres é de que o governo


Bolsonaro viola com sua políti-


ca externa os princípios do arti-


go 4.º da Constituição. “O Exe-


cutivo tem uma certa margem


de apreciação na sua interpreta-


ção e aplicação. Esta margem no


entanto, tem limites. O que ar-


gumentamos no nosso artigo é


que a diplomacia do governo


Bolsonaro extrapolou estes limi-


tes, que são um marco normati-


vo a ser seguido”, afirmou Lafer.


O grupo denuncia a submis-


são do Brasil à política externa


do governo de Donald Trump


bem como o “apoio a medidas


coercitivas em países vizinhos,


violando os princípios de auto-


determinação e não interven-


ção”. Para Amorim, o Brasil ho-


je “se converteu em um pária


internacional”.


O Estadão procurou o Itama-


raty sobre a ação dos ex-chance-


leres e dos partidos, mas a pasta


não se manifestou. Pelo Twit-


ter, após a divulgação do artigo,


Araújo chamou Fernando Hen-


rique, Ricupero e Amorim de


“paladinos da hipocrisia”.


lControle


“Estão em andamento


no Congresso o


controle político e a


fiscalização da


política exterior do


governo


Bolsonaro.”


Celso Lafer


EX-CHANCELER

Caio Sartori / RIO


Os advogados do governador


do Rio, Wilson Witzel, pediram


ao Superior Tribunal de Justiça


(STJ) para que seja marcado o


depoimento do mandatário flu-


minense à Polícia Federal (PF).


Ao autorizar uma operação con-


tra um esquema de corrupção


na Saúde do Estado na última


terça-feira, o ministro do STJ


Benedito Gonçalves determi-


nou a “oitiva imediata” de Wit-


zel, mas ela depende de intima-


ção da PF.


Os defensores do governador


dizem que não conseguiram “es-


tabelecer contato com a autori-


dade policial, por meio de tele-


fone e e-mail, para ajustar dia e


hora para seu depoimento” e


afirmaram que Witzel estava à


disposição para ser ouvido.


O governador foi alvo de man-


dado de busca e apreensão e te-


ve três celulares e três computa-


dores levados pela PF. A investi-


gação apura a relação de Witzel


com o esquema de desvio de ver-


bas em meio à pandemia.


Com a operação da PF, o go-


verno entrou em uma crise po-


lítica. Ontem à noite, ele exone-


rou os secretários André Mou-


ra, de Casa Civil, e Luiz Cláudio


Rodrigues de Carvalho, da Fa-


zenda. Ambos eram tidos como


adversários internos do secretá-


rio de Desenvolvimento Econô-


mico, Lucas Tristão. Na sequên-


cia, o líder do governo na Assem-


bleia Legislativa do Rio (Alerj),


Márcio Pacheco (PSC), entre-


gou o cargo. Tristão também é


suspeito de envolvimento no su-


posto esquema de irregularida-


des em contratos.


A exoneração de Moura, expe-


riente político do PSC que já foi


líder do governo Michel Temer


na Câmara dos Deputados, foi a


que mais desagradou a Alerj.


Ele era o responsável pela arti-


culação política de Witzel.


A avaliação de interlocutores


é a de que o governador optou


claramente por um dos lados na


“guerra” em curso no Palácio


Guanabara.


A lealdade de Witzel a Tris-


tão, mesmo com o Ministério


Público investigando se o secre-


tário tem papel central nos des-


vios investigados na Saúde, cau-


sa estranheza em integrantes


do outro grupo do governo. Um


dos integrantes disse ao Esta-


dão que não sabe “quem é re-


fém de quem”. O poder atribuí-


do a Tristão faz com que, ainda


segundo esse interlocutor, ele


se sinta à vontade para “dar


bronca em colegas”, mandar


nos demais secretários e impor


“loucuras”.


O governador ainda não se


manifestou sobre as exonera-


ções. Witzel nega envolvimen-


to e acusa o presidente Jair Bol-


sonaro de perseguição política


por meio da PF.


O jornalista e escritor Gilberto


Dimenstein morreu ontem, em


São Paulo, aos 63 anos, vítima


de um câncer de pâncreas, com


metástase no fígado. Ele deixa


mulher, dois filhos e um neto.


Dimenstein foi diretor da sucur-


sal do jornal Folha de S.Paulo em


Brasília e, nos últimos anos, diri-


gia o site Catraca Livre.


O escritor ainda trabalhou


nas revistas Veja e Visão e nos


jornais O Globo, Correio Brazi-


liense, Jornal do Brasil e Última


Hora. No rádio, fazia comentá-


rios na rádio CBN. Depois que


descobriu o câncer, no ano pas-


sado, costumava falar da doen-


ça em entrevistas e preparava


um livro sobre a experiência.


Dimenstein ganhou duas ve-


zes principal prêmio nacional


de jornalismo, o Esso, em 1988,


na categoria principal, com a re-


portagem A Lista da Fisiologia, e,


no ano seguinte, na categoria In-


formação Política, com O Gran-


de Golpe, ambas publicadas pela


Folha. Preocupado com o tema


da educação, ajudou a criar a


Agência de Notícias dos Direi-


tos da Infância (Andi).


Na literatura, foi autor de


uma dezena de livros. Gostava


de abordar assuntos socialmen-


te sensíveis como direitos hu-


manos, democracia, política,


além do tema da infância, uma


de suas principais preocupa-


ções. Com o livro O Cidadão de


Papel (Ática), ganhou o Prêmio


Jabuti de melhor livro de não


ficção em 1993.


“Seu jornalismo de preocupa-


ção social e defesa da democra-


cia fará falta ao Brasil”, disse o


diretor de Redação da Folha, Sér-


gio Dávila. “Uma perda imensa


para o jornalismo brasileiro.


Um homem íntegro, inspiração


para minha geração”, escreveu


a jornalista Vera Magalhães, edi-


tora do BR Político, do Estadão.


“Gilberto Dimenstein não foi


apenas um dos maiores jornalis-


tas do seu tempo, premiado,


criativo e corajoso, mas tam-


bém um ser humano incrível,


cheio de generosidade, de visão


social”, afirmou a colunista do


Estadão Eliane Cantanhêde.


“A perda de Gilberto Dimens-


tein é gigante para o jornalismo.


Ele revolucionou a forma de fa-


zer o nosso ofício. Sempre foi


um inteligente analista da vida


nacional”, disse a jornalista Mí-


riam Leitão.


O governador de São Paulo,


João Doria (PSDB), lamentou a


morte de Dimenstein. “Inquie-


to e dinâmico, deu voz a atores


antes excluídos do debate na-


cional. O jornalismo e a socieda-


de perdem um olhar humanista


e solidário”, escreveu Doria.


Em nota, o prefeito Bruno Co-


vas (PSDB) destacou o trabalho


do jornalista em defesa da cida-


de. “Ele defendeu a liberdade


de imprensa, as minorias, os


mais vulneráveis e, especial-


mente, a cidade de São Paulo.”


Jornalista e escritor morre


aos 63 anos em São Paulo


Política


externa une


adversários


históricos


Ex-ministros e embaixadores se articulam


contra diplomacia do governo Bolsonaro


Mobilização. Rubens Ricupero dá nome ao grupo de ex-ministros por simbolizar elo entre alas da diplomacia brasileira


Witzel tenta marcar depoimento sobre suspeitas na Saúde


SILVANA GARZARO/ESTADAO-31/1/

GILBERTO DIMENSTEIN 1956 - 2020


Dimenstein venceu duas


vezes o Esso e, com o


livro ‘Cidadão de Papel’,


ganhou o prêmio Jabuti;


ele sofria de câncer


Memória. Gilberto Dimenstein em São Paulo, em 2018


WERTHER SANTANA/ESTADÃO-12/9/
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